SUPORTAR COM PACIÊNCIA AS FRAQUEZAS DO NOSSO PRÓXIMO
A penúltima obra de misericórdia espiritual convida a não desesperar diante dos limites do outro, mas antes a suportar com paciência as suas fraquezas. O enunciado é longo e provocador, já que tendemos a esgotar rapidamente tal virtude e facilmente nos convencemos que os erros dos outros são sempre mais graves que os nossos!
Num entanto, como todas as restantes OM, também esta convida a construir comunidade, o que não se consegue sem uma grande dose de compreensão perante os limites e falhas dos outros. O menos bom que o outro protagoniza e me incomoda é uma oportunidade para, com humildade, reconhecer que posso ser incómodo e motivo de perda de paciência para os outros.
Pela sua maneira de ser e de estar, os outros podem causar-me aborrecimento (irritação) e ameaçar a minha comodidade:
– porque se apoderam do alheio, invadem espaços e privacidades ou ferem com atitudes e palavras;
– porque perturbam os nossos privilégios e a nossa “zona de conforto” com os seus pedidos;
– porque estorvam com a sua presença e melhor seria serem invisíveis;
– porque são diferentes de nós, quer nas convicções quer nos comportamentos.
Há presenças e vozes que incomodam, mas é exigente e oportuno o desafio que o Papa Francisco tantas vezes tem feito: combater a “globalização da indiferença”. E cumprir esta OM significa “querer viver com os outros”, inclui-los, mais do que ignorá-los.
Neste contexto, como viver misericórdia? Talvez a resposta passe por:
– consertar o olhar para distinguir entre as situações que causam dano e as que não o causam. Porque a misericórdia não dispensa a justiça e a responsabilização;
– adoptar a comunhão, procurando a proximidade, mesmo daqueles que são diferentes ou dos que falham.
Por outro lado, o termo “suportar” tem hoje uma conotação negativa, dando a ideia de que é sinónimo de “estar debaixo”, ser obrigado a aguentar algo ou alguém desagradável e pesado, qual escravo submisso. Mas o termo significa originariamente “estar de pé” diante de alguém, com firmeza, mantendo-se firme e resistindo com paciência. Não se trata, então, de uma atitude de fraqueza, demissão ou resignação, mas de uma atitude forte, consciente e responsável diante das adversidades ou confrontado com os limites e as diferenças que marcam o próximo. Assim, suportar com paciência não é sinónimo de masoquismo, mas vontade de querer compreender e aceitar o outro nas suas fragilidades.
Depois, “perder a paciência” é algo de comum e fácil, mas “manter a paciência” é algo de construtivo e revela, muitas vezes, heroísmo (no casal, na família, na vida profissional, na comunidade…). Nos relacionamentos humanos, quantos obstáculos não foram levantados e quantas pontes não se edificaram graças à paciência? A nossa falta de paciência só complica a vida dos outros e não torna a nossa mais alegre.
Mas também é verdade que ninguém consegue ser paciente com os outros se não for paciente consigo mesmo.
JD, in Voz de Lamego, ano 86/26, n.º 4365, 31 de maio de 2016