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D. Fernanda: uma vida a servir
No dia 22 de dezembro, faleceu a D. Maria Fernanda Souto Costa, aos 75 anos de idade. Natural de Vila Seca, Armamar, pertencia ao Instituto das Cooperadoras da Família. Viveu e cumpriu a sua vida e a sua missão em diferentes locais e serviços, mas uma boa parte foi vivida entre nós, em particular no Seminário, onde a sua presença discreta, orante, atenta e eficiente foi por todos sentida e testemunhada.
Durante trinta anos foi presença no nosso Seminário de Lamego, coordenando serviços, acolhendo quem ali se dirigia e atendendo a quantos telefonavam. Mas também na cidade, em diferentes circunstâncias, marcava presença, apesar de discreta.
Há quase dois anos despediu-se do Seminário, por causa da pouca saúde e foi viver para Coimbra, numa das casas do Instituto a que pertencia. Não partiu sem lágrimas e levou consigo muitas recordações, muitos rostos e vidas, a par de uma grande vontade de voltar. A verdade é que, sem o dizer claramente, sabia que dificilmente voltaria ao seu Seminário para continuar a acompanhar os “seus meninos”. Mas, apesar de longe e fisicamente debilitada, nunca deixou de se informar e interessar por todos. E, mais importante, não nos esquecia nas suas orações e por todos oferecia os seus sofrimentos.
Em setembro passado, após internamentos, exames e muitas consultas médicas, foi operada ao coração. A recuperação foi morosa e dolorosa, exigindo novos internamentos. Mas tudo parecia estar melhor e a recuperação era visível. A véspera da sua morte, 21 de dezembro, foi vivida com normalidade e, já de madrugada, ainda deu conta de que alguém fora ao seu quarto ver se estava bem. Perto das 8h, encontraram-na já sem vida.
O seu corpo ficou em câmara ardente na capela da casa onde agora vivia até à manhã de segunda-feira, dia 24, já que em Coimbra não se realizam funerais ao domingo.
Na assembleia que participou na Eucaristia exequial estavam os seus irmãos, cunhados e sobrinhos, um grande número de membros do Instituto, bem como o nosso seminarista mais velho, João Miguel Pereira, e seis sacerdotes da nossa diocese, Cón. José Manuel Melo, Pe. Leontino Alves, Pe. José Manuel Rebelo, Pe. Ângelo Santos, Pe. Joaquim Dionísio e Cón. João Carlos Morgado, que presidiu. Certamente que muitos outros gostariam de ter participado, demonstrando a gratidão devida a quem os serviu, mas a distância e as ocupações não o permitiram. O seu corpo foi sepultado no cemitério de St. António dos Olivais. Ler mais…
SÍNODO – IDENTIDADE | Editorial Voz de Lamego – 24 de julho
SÍNODO – IDENTIDADE
No dia 6 de outubro de 2016, o Papa anunciou o tema da XV Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos: “Os jovens, a fé e o discernimento vocacional”. De imediato foi elaborado o Documento Preparatório (com um questionário), publicado a 13 de Janeiro de 2017, juntamente com uma Carta aos Jovens, do Papa. Entre os dias 11 e 15 de setembro de 2017, em Roma, realizou-se um seminário internacional sobre a situação dos jovens no mundo de hoje. Mais recentemente (19-24 de março), também no Vaticano, com a presença de 300 jovens dos cinco continentes (cerca de 15 mil participaram através das redes sociais), teve lugar uma reunião pré-sinodal, concluída no Domingo de Ramos, com a entrega ao Santo Padre de um documento final.
O material recolhido nestas iniciativas foi vasto e foi sendo sintetizado para ser integrado no Instrumento de Trabalho agora divulgado e estruturado em três partes. A primeira, ligada ao verbo “reconhecer”, recolhe diferentes momentos de escuta da realidade e faz um ponto da situação dos jovens. A segunda, orientada pelo verbo “interpretar”, oferece chaves de leitura para as questões decisivas no discernimento sinodal. A terceira, cujo objectivo é “escolher”, recolhe elementos para ajudar os participantes sinodais a decidir.
Numa perspetiva geral, parece que o tema da identidade é transversal, com o objectivo de ajudar os jovens a encontrar um sentido para a vida e um lugar na sociedade. Isto é, chamar cada jovem à vocação, ao compromisso, à felicidade.
Diante da iniciativa eclesial, algumas vozes temem pela sua eficácia. Mais do que atrair os jovens como o mundo os trai, talvez fosse melhor perguntar o que é que a Igreja pode trazer de essencial e único aos jovens. Mais do que encontrar os jovens, deveríamos atraí-los.
Pe. Joaquim Dionísio, in Voz de Lamego, ano 88/34, n.º 4471, 24 de julho de 2018
DESTINO DO PATRIMÓNIO | Editorial Voz de Lamego | 17.julho.2018
DESTINO DO PATRIMÓNIO
Nos últimos dois dias de novembro, decorrerá, no Vaticano, um congresso internacional para debater o destino a dar às igrejas que deixem de estar afectas ao culto das comunidades católicas.
A desertificação humana de muitas regiões, o abandono da prática religiosa e a escassez de clero têm levado ao encerramento e abandono de igrejas e locais de culto. E o que se passa noutros países vem a caminho, sobretudo do interior português, cada vez mais idoso e vazio. Mas não será apenas uma questão de utilização; também a sua preservação está em jogo.
Por muito que nos entristeça, as nossas comunidades, por si só, não terão possibilidade de assumir todos os encargos que um tal património arquitectónico exige. Se até há pouco tempo a comunidade se movimentava para conseguir meios que lhe permitissem construir e preservar, agora esperam-se orientações para reutilizar os espaços, já que a diminuição das comunidades e das ofertas não será suficiente para tudo.
E é aqui que entra a necessidade de garantir financiamento. A par do contributo dos fiéis, dos peditórios e ofertas, privadas ou de dinheiros públicos, será preciso pensar na forma de conseguir algum apoio junto de quantos visitam e usufruem de tal património. Trata-se de garantir meios para a sua preservação.
E o que acontecerá aos imóveis com limitado interesse turístico ou que estejam fora dos circuitos a visitar?
O assunto não é novo, a solução encontrada em alguns países europeus pode não ser a melhor, mas existe a vontade de debater e encontrar critérios que salvaguardem o valor de símbolo espiritual, cultural e social dos imóveis no seio da comunidade.
Certamente que aparecerão propostas e soluções. Mas tudo isto nos recorda que somos um povo que caminha na história e que devemos encontrar respostas para as diferentes circunstâncias.
Pe. Joaquim Dionísio, in Voz de Lamego, ano 88/33, n.º 4470, 17 de julho de 2018
ENCERRAMENTO E PROXIMIDADE | Editorial Voz de Lamego
ENCERRAMENTO E PROXIMIDADE
O balcão da Caixa Geral de Depósitos, no Desterro, à entrada de Lamego, foi encerrado. Depois de termos visto o mesmo na Praça de Comércio, agora um outro, ficando apenas o da Avenida 5 de outubro, onde é difícil estacionar e o atendimento demorado.
Mas a situação poderá ser ainda mais complicada noutras zonas do país.
Lá se vai o serviço de proximidade, o serviço com rosto humano. Desta vez foi o banco estatal, aquele que os portugueses vão ajudando a sustentar. Somos importantes para “aguentar” as dívidas e pagar pelos erros de gestores pagos principescamente, mas já não somos assim tão importantes para um serviço próximo e eficiente.
É verdade que há muitos serviços que podem ser feitos a partir das ligações de internet, mas muitos dos clientes deste banco não sabe o que é isso e preferem um encontro com alguém que atenda, escute, aconselhe, clarifique, resolva… Os menos capazes continuam a ser deixados para trás.
Percebemos o que está em jogo: os balcões tenderão a diminuir, os lugares de trabalho deixarão de existir, a despesa com funcionários e instalações serão reduzidas, os lucros aumentarão, os gestores receberão generosos prémios… E tudo isso à custa de uma menor presença em locais cada vez mais vazios e menos atractivos para viver.
O interior, cada vez mais desertificado, tende a ser olhado de quatro em quatro anos e, diga-se, com reduzida atenção. Os seus votos já não decidem maiorias. Será também, por isso, que o sucessivo encerramento de serviços não faz parte das agendas política e mediática, mais ocupadas com o futuro da geringonça, os cães em restaurantes, a mudança de sexos aos 16 anos, na legalização da eutanásia…
O interior, ou a “província” como alguns dizem, não pode apenas ficar com silêncio e ar puro!
Pe. Joaquim Dionísio, in Voz de Lamego, ano 88/32, n.º 4469, 10 de julho de 2018
FALAR DE FUTEBOL | Editorial Voz de Lamego | 3 de julho de 2018
FALAR DE FUTEBOL
Será uma banalidade dizer que o futebol (sobretudo falado) ocupa um lugar destacado no panorama português. E não foi apenas agora por causa da participação do país no campeonato do mundo. Um qualquer visitante, não familiarizado e não avisado desta tendência lusa, questionar-se-á sobre as prioridades, os objectivos ou as dificuldades do nosso povo.
Exaustivamente e não isentos de “clubite”, comentadores e analistas debruçam-se sobre as perspectivas, os resultados, as intrigas e, claro, o trabalho dos árbitros. Certamente que o assunto tem e merece o seu lugar. Mas a vida dos jovens que precisam saber as notas, dos professores em luta pelos seus direitos, dos doentes em lista de espera, do atrasado em investimentos, da desertificação do interior, das políticas de natalidade, etc, também merecem vez e voz.
Noutros países europeus, onde o fervor clubístico não é menor e o amor à selecção nacional não se questiona, não se gastam tantas horas em análises sobre o que já não volta e em debates acalorados, protagonizados por comentadores pagos para o efeito. E é graças a todo este destaque que alguns dirigentes adquirem estatuto de figuras públicas e os seus actos motivam contínuos debates.
Talvez o interesse seja passageiro e, em breve, tudo volte ao normal. E o normal será, porventura, divulgar e promover o desporto e os desportistas, dar protagonismo aos seus executantes e debater sadiamente assuntos relacionados, sem ofuscar a realidade mais vasta em que a vida da sociedade acontece.
Poder-se-á dizer que só vê quem quer e que só alimenta a conversa quem está interessado. E é verdade.
Será, então, de esperar que, quando consumidores e adeptos derem conta de que nada disto resolve os seus problemas, tudo volte ao seu lugar e à importância devida. Continuarão a falar do assunto, mas relativizando-o.
Pe. Joaquim Dionísio, in Voz de Lamego, ano 88/31, n.º 4468, 3 de julho de 2018
DESPORTO E FORMAÇÃO | Editorial Voz de Lamego | 19.06.2018
DESPORTO E FORMAÇÃO
Por estes dias, o futebol é motivo de reportagens e de conversa. Não tanto por causa do desmedido ego de alguns protagonistas, mas porque, de 14 de junho a 15 de julho, se realiza, na Rússia, mais um campeonato do mundo.
Para a Igreja, o desporto é um meio que favorece o crescimento integral da pessoa, ao mesmo tempo que pode servir a paz e a fraternidade entre os povos. Na última audiência geral, dia 13, o Papa saudou os intervenientes da competição e todos os que seguem o acontecimento à distância, desejando que seja uma ocasião de encontro, de diálogo e de fraternidade entre diferentes culturas e religiões, favorecendo a solidariedade e a paz entre as nações”.
“Dar o melhor de si” é o título de um documento do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, publicado no primeiro dia deste mês, no qual se condensa o pensamento eclesial sobre o desporto e se faz a analogia entre o esforço da competição e o compromisso da vida cristã. O desporto forma as pessoas, na condição de que seja “autêntico, humano e justo”.
A prática desportiva é salutar e deve incutir e cultivar valores e princípios que favoreçam o crescimento integral dos seus praticantes, que devem crescer com a convicção de que, na vida como no desporto, “não vale tudo” e que todos têm valor.
É verdade que a prática de alguns desportos é agendada para horários que colidem com momentos de formação e de celebração das nossas paróquias, originando desencontros, aumentando o número dos “não praticantes” e contribuindo para enfraquecer a pertença e a caminhada em comunidade.
Como recorda o livro bíblico, há tempo para tudo. Mas é preciso discernir e articular os diferentes momentos quando se deseja uma formação integral e integradora.
Pe. Joaquim Dionísio, in Voz de Lamego, ano 88/29, n.º 4466, 19 de junho de 2018
DECIDIR E ACEITAR | Editorial Voz de Lamego | 12 de junho de 2018
DECIDIR E ACEITAR
Amanhã celebramos a memória litúrgica de um dos portugueses mais conhecidos no mundo, apesar de ter vivido poucos anos e de nunca se ter esforçado para ser “famoso”!
Conhecemos bem a história deste santo que, tendo nascido em Lisboa, se deixa seduzir pelos Franciscanos, em Coimbra, e parte para África, animado pelo espírito missionário, mas a quem a doença e a tempestade levam até terras italianas, onde acabará por morrer e ser sepultado, em Pádua. É “de Lisboa” porque ali nasceu e “de Pádua” porque ali morreu, mas é, sobretudo, da Igreja e de todos quantos nele encontram um exemplo motivador e um intercessor a quem recorrer.
Mais do que proporcionar umas “sardinhadas”, umas procissões, uns arcos ou uns foguetes, St. António ensina a não ficar parado, a valorizar o dom da vida, a gastar os talentos recebidos, a servir onde quer que se esteja e todos os que se encontram, a valorizar a Palavra e a não desistir de anunciar, mesmo sem plateias numerosas…
Deste português, o primeiro dos “santos populares” que junho nos apresenta, poderíamos reter a coragem para decidir e a disponibilidade para aceitar. Não se trata de aventureirismo ou simples espírito de rebeldia; a sua coragem é amadurecida e assenta na vontade de cumprir a vida. Por mais que ame e respeite quem o deseja por perto e com determinado rumo, assume a sua vida e decide afirmar a sua vontade. Um exemplo diante de tanta indecisão e comodismo que, às vezes, se observam.
Por outro lado, é capaz de aceitar a novidade, abandonar-se à providência e não desesperar perante o que lhe sucede e que, aparentemente, contraria as suas opções. Mais do que fatalismo, aceita os desafios que o percurso escolhido lhe apresenta e permanece firme.
Pe. Joaquim Dionísio, in Voz de Lamego, ano 88/28, n.º 4465, 12 de junho de 2018
RELEVÂNCIA E PRESENÇA | Editorial Voz de Lamego | 5 de junho de 2018
RELEVÂNCIA E PRESENÇA
A recente votação parlamentar “adiou” a legalização da eutanásia, já que os seus promotores não descansarão enquanto não puderem inscrever mais esse “avanço” na legislação portuguesa. Tal como na questão do aborto, o tema voltará à ordem do dia e os “arautos do progresso” inscreverão mais essa página na história lusa.
A este propósito, e a par dos defensores de tal prática, muitas foram os portugueses que se fizeram ouvir apelando ao “não”. E se noutros tempos caberia, maioritariamente, aos bispos e padres tal apelo, a verdade é que se ouviram outras vozes e se viram outros rostos nas manifestações concretizadas. O facto mostra que a Igreja cresceu, dando vez e voz a quem não é ministro ordenado, proporcionando aos fiéis leigos afirmarem-se como sujeitos.
Num tempo marcado pelo fim da cristandade e consequente perda de relevância da Igreja no debate público, saúda-se e sublinha-se a aparição de vozes formadas e informadas que enriquecem o debate e, de alguma forma, podem colmatar a ausência da hierarquia, tantas vezes ignorada pelos grandes meios de comunicação.
A Igreja sabe e assume que a perda de relevância no debate, a ausência do convite ou a invisibilidade a que, involuntariamente, é muitas vezes votada em nada diminuem a sua determinação em permanecer fiel ao Senhor, cumprindo a missão de anunciar o Evangelho, servir a humanidade e ser “sacramento de salvação”.
Porque enquanto a Igreja estiver disponível para servir, acolher, escutar, ocupar-se dos mais frágeis, marcar presença nos lugares não cobiçados… a Igreja permanecerá.
É verdade que a Igreja pode ter perdido a relevância de outros tempos, mas para ser fiel Àquele que a fez nascer será sempre mais importante estar presente, promovendo e defendendo a dignidade de todos.
Pe. Joaquim Dionísio, in Voz de Lamego, ano 88/27, n.º 4464, 5 de junho de 2018
EUTANÁSIA – PSEUDO-AVANÇO | Editorial Voz de Lamego | 29 de maio
EUTANÁSIA – PSEUDO-AVANÇO
Os deputados eleitos pelos portugueses para os representarem na Assembleia da República discutem e votam, hoje, propostas legislativas destinadas a legalizar a prática da eutanásia, assumida como prioridade por alguns desses eleitos.
A sociedade actual lida mal com a velhice, esconde a morte e detesta estar dependente e perder a autonomia. A idade provoca limitações físicas e a perda de faculdades, as rugas não poderão ser continuamente disfarçadas e a eficiência deixará a desejar. Como continuar a viver numa sociedade que privilegia o individualismo e a eficácia? Como aparecer com as marcas da idade quando o aspecto físico é tão valorizado? Em que alturas da vida ou em que circunstâncias uma vida perde dignidade?
Por outro lado, o culto da liberdade individual (autonomia que não tolera a presença do Outro) leva a querer deixar a cada um a decisão de antecipar a morte. Mas poderá alguém gravemente doente ou afectivamente abandonado ser totalmente livre para antecipar o fim?
Certamente que ninguém poderá ser obrigado a solicitar tal acto, mesmo que legalmente possível, e que os profissionais de saúde poderão evocar reservas de consciência. Mas, como noutras vezes, não faltarão pedidos para morrer nem voluntários para satisfazer tais vontades.
Opiniões contra e a favor têm sido expressas por muitas pessoas, com toda a legitimidade. Como crentes, sabemos que a vida é um dom recebido e que em todos os momentos da vida não estamos sós, porque estamos na mão de Deus. Assim, viver a vida toda é louvar o seu Criador e assumi-la em todos os momentos um acto de gratidão e fidelidade.
Desconhecendo o desfecho da votação, mas esperando que tal iniciativa não venha a ter sucesso, será, no entanto, de esperar que os seus proponentes não desistirão facilmente e tudo farão para concluir mais um “pseudo-avanço civilizacional”.
Pe. Joaquim Dionísio, in Voz de Lamego, ano 88/26, n.º 44592, 29 de maio de 2018
OUSAR PEREGRINAR | Editorial Voz de Lamego | 22 de maio de 2018
OUSAR PEREGRINAR
Nos primeiros dias de maio, a passagem de milhares de peregrinos em direcção a Fátima proporciona notícias, imagens e sons de gente que caminha. Alguns espectadores, sentados no sofá e acomodados nas suas certezas, interrogam-se sobre a iniciativa e desvalorizam tamanho esforço. Mas mais importante do que a fundamentação das motivações e a verbalização da experiência, cada peregrino sabe porque caminha e porque quer chegar.
A peregrinação é uma iniciativa que tem um sentido, um objectivo, uma motivação e apresenta-se como oportunidade para “pôr em causa”, interrogar, agradecer, buscar…
O termo “peregrino” designa aquele que vai “através dos campos” e, por conseguinte, se torna um estrangeiro face ao seu contexto de vida, aos seus hábitos, às suas preocupações quotidianas, distanciando-se do seu porto seguro, das suas certezas, das ideias recebidas e nem sempre vividas.
Numa linguagem mais próxima, peregrinar será deixar a “zona de conforto” e confrontar-se com a busca de respostas e metas. E se o habitual é percorrer distâncias para chegar a algum local sagrado, a verdade é que a vida pode ser descrita como uma peregrinação e, então, fazer-se peregrino será ousar questionar-se e buscar um sentido: Porque existo? Qual o meu lugar no universo? O que posso fazer ou dar ao meio onde vivo? Como partilhar, transmitir o que recebi? Como realizar a minha vida o melhor possível? Uma peregrinação de horas, semanas, meses pode ajudar a compreender o sentido e dar-lhe uma direcção.
Também por estes dias, em diversas zonas pastorais, há peregrinações que se organizam e recomenda-se a participação.
Mas se “ir” é importante, não o será menos “sair”: de si, da rotina, do sofá, da facilidade, da bancada… e ousar. Porque, peregrinar é próprio de quem não quer acomodar-se e protagoniza um sadio inconformismo.
Pe. Joaquim Dionísio, in Voz de Lamego, ano 88/25, n.º 44591, 22 de maio de 2018