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Archive for Dezembro, 2021

Editorial: Levantai-vos! Vamos… a Belém!

Depois da Anunciação, Maria levantou-se e partiu apressadamente para a montanha em direção a uma cidade de Judá, ao encontro de Isabel, para a ajudar, carregando no seu ventre o Salvador do Mundo. É a presença de Jesus, Filho de Deus, que torna leve e célere a pressa de Maria. Jesus não é um peso que carregamos, Ele carrega-nos e alivia a nossa cruz com o Seu amor, ainda que tenhamos de fazer a nossa parte!

Mais tarde, José levanta-se e, sem delongas, pega em Maria e no Menino e vai para o Egito. A agilidade de José vem-lhe do amor e da fé. Até de noite o Senhor o inspira e lhe mostra a necessidade de fazer escolhas que permitam cuidar do Menino e de Sua Mãe.

Anos mais tarde, Maria e José voltam atrás porque sentem o peso da ausência de Jesus. Quando prosseguimos sem Jesus a nossa vida torna-se pesada ou mesmo insuportável. O mundo precisa de notícias boas e da Boa Notícia da salvação. Maria contagia Isabel e João Batista porque n’Ela está o Senhor da Alegria, Jesus.

O lema da nossa diocese – Levantai-vos! Vamos! – obriga-nos a seguir Jesus, no momento da tormenta, mas sabendo que a Cruz é apenas mais uma etapa no caminho. A Cruz é essencial para os cristãos, enquanto expressão do amor levado até às últimas consequências, mas ainda assim não é a cereja no topo do bolo, é um prelúdio do que vem: a vida, a ressurreição, a eternidade no coração de Deus. Deus faz-Se um de nós e faz-nos participantes da Sua vida divina. Encarna para nos ressuscitar!

Sozinhos podemos perder-nos no caminho! Então prossigamos em comunidade. Não basta estar juntos, é necessário a comunhão solidária, o diálogo, a oração, colocando Deus ao centro. É Ele que nos mantém ligados, a caminhar juntos. A Igreja, que vive em processo sinodal, é fundada à imagem da Santíssima Trindade. Deus é Pai e é Filho e é Espírito Santo. Harmonia perfeita, sem confusão. A sinodalidade compromete-nos trinitariamente a promover as diferenças, valorizando o que nos enriquece mutuamente e limando as arestas que nos ferem reciprocamente.

Na região de Belém, uns pastores, que pernoitavam e guardavam os seus rebanhos, são surpreendidos pelo Anjo do Senhor, que lhes diz: «Não tenhais medo! Eis que vos anuncio uma boa nova, que será uma grande alegria para todo o povo: nasceu-vos hoje, na cidade de David, um salvador que é Cristo Senhor. E isto será para vós o sinal: encontrareis uma criança envolta em panos e deitada numa manjedoura».

Os pastores são pessoas simples, estão habituados à dureza dos dias e das noites. Vivem com pouco. Pobres entre os pobres. Vivem atentos a tudo o que os rodeia, a ameaças que venham do campo ou dos ladrões. Não podem perder nenhuma ovelha. Se tal acontecesse teriam que prestar contas aos donos dos rebanhos e veriam reduzidos os meios de subsistência. Confiam uns nos outros, auxiliam-se nas adversidades, protegendo-se e aos rebanhos. Serão uma bela imagem do Pastor que estão prestes a conhecer!

Logo que os Anjos se afastaram para o céu, os pastores disseram: «Vamos até Belém, vejamos o que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer». O evangelista sublinha que eles foram com pressa. Confiaram nas palavras do anjo e no cântico celestial. Não há tempo a perder. É urgente partir. Encontram Maria, José e a criança deitada numa manjedoura. Logo dão a conhecer o que o anjo lhes tinha dito a respeito daquele menino. E quando regressam fazem o mesmo, glorificam e louvam a Deus (cf. Lc 2, 8-21).

Neste tempo de Natal, deixemos que ressoe em nós a ternura do Menino-Deus. Partamos. Vamos. Até Belém. Até Jesus. Não O percamos de vista! Anunciemo-l’O com alegria, descubramo-lo nas manjedouras deste tempo, nos recantos do mundo, nas nossas famílias e na vizinhança. Vale a pena partir se O levarmos connosco!

Santo e abençoado Natal.

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 92/07, n.º 4638, 22 de dezembro de 2021

Editorial: «Maria levantou-se e partiu apressadamente» (Lc 1, 39)

É o tema escolhido pelo Papa Francisco para preparar e viver as Jornadas Mundiais da Juventude, que se realizam em Portugal, em agosto de 2023. Esta expressão faz a ponte entre a Anunciação do Anjo a Nossa Senhora e a Visitação à Sua primeira Isabel (cf. Lc 1, 39).

O Evangelho de São Lucas abre praticamente com visitação do Anjo Gabriel a Zacarias e a Maria, uma virgem desposada com um homem chamado José. Cada uma das visitações traz um anúncio. Zacarias e Isabel vão ser pais, apesar da idade avançada. Para eles, a idade de serem pais já tinha passado, já se tinham conformado com essa “maldição”. Apesar disso, são tementes a Deus, justos e cumpridores da Lei, procedendo irrepreensivelmente segundo os mandamentos e preceitos do Senhor. A Deus nada é impossível. Deus opera para além dos nossos limites racionais e torna viável o que é inalcançável, favorecendo-nos com a Sua benevolência. É inacreditável. Zacarias fica sem palavras. Não há palavras que possam expressar o inaudito que nos chega de Deus. Estamos longe de nos apercebermos de quanto bem Deus faz por nós ou coloca ao nosso alcance!

A visitação do Anjo a Maria tem um propósito que alterará para sempre a história da humanidade. Mesmo para os que não acreditam, contestam ou se manifestam indiferentes, Aquele que está para vir ao mundo deixará marcas na pequena cidade de Nazaré, em Belém, em Jerusalém e no mundo inteiro. Nada, nunca será como antes. “Salve, cheia de graça, o Senhor está contigo… conceberás e darás à luz um filho, e chamá-lo-ás Jesus. Ele será grande e será chamado Filho de Deus Altíssimo”. Sim, como é possível! Deus a nascer de uma jovem, humilde, campónia, como será isso? Diante de tão grande assombro, Maria confia no anúncio que lhe é feito e predispõe-se a ser parte do mistério salvífico: “Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”. Deus chama, desafia, espera por nós, confiando no nosso discernimento! Maria responde e confia na fé que A liga a Deus. O seu “sim” assenta na intimidade com o Senhor. Ela alimenta-se de oração, é cheia de graça!

A palavra de Deus desinstala-nos, inquieta-nos, põe-nos em movimento. Mau será quando a Palavra de Deus já não nos inquietar, quando nos deixar ficar como antes e/ou sentadinhos à espera que a vida aconteça. A palavra de Deus é viva e eficaz! Mas a sua eficácia também depende do nosso sim, da nossa vontade em Lhe respondermos. Esta resposta tem duas direções: Deus e próximo.

A Virgem Maria mostra-nos como se faz!

Depois de tão grandes novas, Ela podia fazer-se grande, orgulhar-se de ter sido a escolhida, mas continua ser serva, disposta, em tudo, a ser prestável. Não reserva tempo para refletir, para festejar, para medir as consequências, as dificuldades que possam vir pela frente. Não pensa no futuro. Sabe que pode confiar. Confia absolutamente em Deus. Maria levantou-se, diz-nos o Evangelho, e foi apressadamente para a montanha, em direção a uma cidade de Judá (Ein-Karim, seis quilómetros a oeste de Jerusalém), e entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel.

Ao dirigir-se aos jovens, e toda a mensagem se adequa a cada um de nós, o Papa Francisco tem-lhes dito, insistentemente, para se levantarem do sofá. Maria levanta-se e parte apressadamente, como mulher da caridade, vai ajudar Isabel nos últimos tempos de gravidez, e como mulher missionária, transportando a Alegria que contagia aqueles que encontra. Isabel fica cheia do Espírito Santo: “Eis que quando a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança soltou de júbilo no meu ventre”.

Como Maria, levantemo-nos e vamos apressadamente anunciar o Evangelho, com a voz e com a vida.

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 92/06, n.º 4637, 14 de dezembro de 2021

Editorial: «Levanta-te, toma o menino e sua mãe» (Mt 2, 13)

É possível que esta edição da Voz de Lamego vos chegue às mãos já depois da solenidade da Imaculada Conceição. Ainda assim este é um acontecimento ímpar na vida da Igreja e do país! Em 1646, D. João IV coroou Nossa Senhora da Conceição como Padroeira e Rainha de Portugal. A partir dessa data, nem D. João IV nem qualquer outro rei usou a coroa. A coroa é pertença de Nossa Senhora! Portugal é terra de Santa Maria.

Por outro lado, conclui-se (ou concluiu-se) neste dia, 8 de dezembro, um ano especial dedicado a São José. Há 150 anos o Papa Pio IX declarava São José como Padroeiro da Igreja Católica e o Papa Francisco quis que durante um ano se refletisse sobre o esposo de Maria e Pai adotivo (e legal) de Jesus. Tal como cuidou de Maria e de Jesus, a certeza que São José cuida da Igreja e dos seus filhos. Relembra-nos o Papa: “Todos podem encontrar em São José – o homem que passa despercebido, o homem da presença quotidiana discreta e escondida – um intercessor, um amparo e uma guia nos momentos de dificuldade. São José lembra-nos que todos aqueles que estão, aparentemente, escondidos ou em segundo plano, têm um protagonismo sem paralelo na história da salvação. A todos eles, dirijo uma palavra de reconhecimento e gratidão”.

Estas palavras do Papa são verdadeiramente encorajadoras, fazem-nos olhar para São José e para quantos, sem levantar ondas, se dedicam ao bem do seu semelhante, com alegria e generosidade. São José é como um anjo que Deus coloca na vida de Maria para cuidar d’Ela, para A proteger da maledicência e para A apoiar nas dificuldades que irá ter. Nos primeiros anos da vida de Jesus, José foi bênção, luz, guia, proteção, foi verdadeiramente Pai, esforçado, benevolente, silencioso e orante, predispondo-se a escutar os sinais de Deus no sono, no trabalho, na oração comunitária, na reunião familiar.

Procuramos (justamente!) racionalizar a fé, para a tornar mais luminosa, mais significativa e passível de ser apresentada sem passarmos por ingénuos. Retiramos à fé a espontaneidade, a novidade e as surpresas de Deus se manifestar, agir e transformar o mundo! Maria foi preparada desde sempre para ser a Mãe do Filho de Deus. Também São José foi preparado para falar com Deus, para falar de Deus, para proteger Deus, para fazer as vezes do “Pai das Misericórdias”. Podemos imitá-l’O.

Para a JMJ 2023, o Papa Francisco escolheu como tema: «Maria levantou-se e partiu apressadamente» (Lc 1, 39). Depois da anunciação, e sabendo que a sua primeira Isabel se encontra grávida, Maria apressa-se para ir ao seu encontro. O nosso Bispo, D. António, para este ano pastoral, escolheu outra perícope do Evangelho (Mt 26, 46): «Levantai-vos! Vamos!». No Jardim das Oliveiras, Jesus, depois da oração intensa, desperta os Seus discípulos para enfrentar, com bravura, o que vem pela frente.

Uma Igreja em caminho e em comunhão conta com todos, com os que peregrinam e com os que junto de Deus intercedem por nós. São José é um poderoso intercessor. Ele levanta-se connosco, apressa-se a cumprir a vontade de Deus. Não espera o amanhecer.

A finalizar a sua carta apostólica, Patris cordes, com que convocou este ano especial dedicado a São José, o Santo Padre diz-nos o propósito da carta e do ano: “aumentar o amor por este grande Santo, para nos sentirmos impelidos a implorar a sua intercessão e para imitarmos as suas virtudes e o seu desvelo… Só nos resta implorar, de São José, a graça das graças: a nossa conversão. / Dirijamos-lhe a nossa oração: Salve, guardião do Redentor e esposo da Virgem Maria! / A vós, Deus confiou o seu Filho; em vós, Maria depositou a sua confiança; convosco, Cristo tornou-Se homem. / Ó Bem-aventurado José, mostrai-vos pai também para nós e guiai-nos no caminho da vida. / Alcançai-nos graça, misericórdia e coragem, e defendei-nos de todo o mal. Ámen”.

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 92/05, n.º 4636, 8 de dezembro de 2021

Editorial: Não suceda que os vossos corações se tornem pesados

Jesus é o Mestre da Sensibilidade que antecipa, prepara, coloca de sobreaviso os seus discípulos sobre as contingências do tempo e sobre o tempo que está para vir. Com Ele, chegamos ao final e à plenitude dos tempos. Estamos mergulhados na vida divina. No sacramento do Batismo, morremos em Cristo, para o pecado e para a morte, e com Ele ressuscitamos, somos novas criaturas, estamos enxertados em Cristo como o ramo à videira, alimentando-nos do Seu Espírito. Nos demais Sacramentos, sobretudo na Eucaristia, na oração e no bem que em Seu nome fazemos, vamo-nos configurando com Ele.

Ao iniciarmos o tempo do Advento, oportunidade renovada de renovarmos os nossos propósitos batismais.

Jesus desperta os seus discípulos para os sinais e para os acontecimentos que advirão em catadupa! Quando temos tempo de respirar e encaixar o que nos sucede e o que sucede à nossa volta, é possível que as adversidades fortaleçam a nossa luta, o nosso empenho e nos despertem para os imponderáveis da vida. Quando as adversidades se multiplicam e nos tocam a alma, poderemos entorpecer e deixar-nos afundar em trevas. Daí que Jesus, antecipando as tempestades que surgirão, garante aos Seus discípulos a Sua presença, convocando-os a viver na ambiência da oração. A oração faz com que sintamos a proximidade de Deus e o nosso coração seja inundado pela luz da esperança, apesar e além do mal que se infiltra.

Numa linguagem muito sugestiva e muito viva, diz Jesus: «Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas e, na terra, angústia entre as nações, aterradas com o rugido e a agitação do mar. Os homens morrerão de pavor, na expectativa do que vai suceder ao universo, pois as forças celestes serão abaladas. Então, hão de ver o Filho do homem vir numa nuvem, com grande poder e glória» (Lc 21, 25-27).

A incerteza do futuro, habitualmente, gera medo, angústia, sobretudo no meio dos dramas. Vivendo em situações de calmaria e paz, olhamos para o futuro com confiança, ao invés, se o mar está revolto, tememos pelo que possa acontecer, antecipando, muitos vezes, cenários catastróficos. Jesus conhece-nos, conhece os Seus discípulos e sabe que, quando Ele não estiver fisicamente presente no meio deles, e a perseguição surgir, ou os conflitos entre povos for manifesto, eles correm o risco de soçobrar.

Mais tarde ou mais cedo, de uma ou outra forma, uns mais e outros menos, todos experimentaremos momentos de sofrimento, fragilidade ou até desolação, doenças, perdas, dúvidas sobre amizades e relacionamentos, contratempos. Contar com alguém, ajuda a aliviar a carga, a partilhar as dúvidas, a disseminar a solidão. O outro pode não resolver por nós ou não fazer o que nos cabe realizar, mas sabermos que não estamos sós, que alguém, sempre, nos vai deitar a mão, nos vai amparar ou abraçar, é já alento que nos anima e alivia o nosso coração. É esta a promessa de Jesus aos Seus discípulos. Não lhes promete vida fácil, promete-lhes a Sua presença, fiel, forte, permanente, amorosa! Saber que Alguém nos espera, que Alguém caminha connosco, Alguém que não nos deixa para trás, faz-nos persistir na caminhada e na luta, permitindo-nos vislumbrar a direção a seguir. Sozinhos perder-nos-emos antes de chegarmos a meio do caminho. O nosso GPS é Jesus, a nossa Rosa de Ventos, que a todos chama e a todos envia, a toda a parte.

 «Quando estas coisas começarem a acontecer, erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima. Tende cuidado convosco, não suceda que os vossos corações se tornem pesados pela intemperança, a embriaguez e as preocupações da vida, e esse dia não vos surpreenda subitamente como uma armadilha, pois ele atingirá todos os que habitam a face da terra» (Lc 21, 28.34-35).

Sem equívocos! Os tempos podem ser conturbados, mas Jesus dá-nos a receita para perseverarmos, a ambiência da oração, pela qual O descobrimos a caminhar connosco!

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 92/04, n.º 4635, 1 de dezembro de 2021