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Archive for Março, 2016

Igreja das Chagas reabre | Concerto da Semana Santa

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Um grande êxito cultural e de público! Volvidos quase dois anos desde o dia em que a Igreja do Convento das Chagas encerrou as suas portas para a realização de trabalhos de restauro, este monumento datado do século XVI reabriu para acolher o “Concerto da Semana Santa” que a Misericórdia de Lamego ofereceu aos lamecenses com o objetivo de celebrar a reabilitação que valorizou um dos monumentos religiosos mais emblemáticos da região. A convite desta instituição, o público ocupou todos os lugares disponíveis, associando-se a esta efeméride assinalada com a realização de um concerto de música sacra pela Filarmónica de Magueija.

Fundada por ordem de D. António Teles de Menezes, Bispo de Lamego, em 1599, a intervenção que incidiu na Igreja das Chagas abrangeu a recuperação da estrutura de madeira que cobre o edifício e de todo o recheio artístico interior, nomeadamente as esculturas dos santos, a talha dourada dos altares e o mobiliário eclesiástico. Antes desta intervenção, registava-se a ocorrência de muitas infiltrações e a entrada de humidade.

Com o apoio de fundos comunitários, os trabalhos de restauro tiveram o cuidado de conservar as características arquitetónicas originais do edifício e preservar o seu valioso espólio. “Que melhor maneira de marcar a abertura desta bela Igreja, do que com música?!”, questionou António Marques Luís, Provedor da Misericórdia, enaltecendo o apoio da Câmara Municipal de Lamego e da Direção Regional de Cultura do Norte “para hoje podermos voltar a admirar este património”.

Tendo como cenário o belo altar-mor desta igreja secular, a Filarmónica de Magueija executou ao longo de 90 minutos peças sacras de reputados compositores: Bach, Häendel, Albinoni, Barber, Erickson, entre outros. Sob a direção do maestro Gualberto Rocha, os músicos arrancaram no final muitos aplausos e elogios pelas suas interpretações.

Recorde-se que a Santa Casa da Misericórdia de Lamego é um importante parceiro institucional da edição deste ano das celebrações da Semana Santa, um dos momentos de grande vivência comunitária da cidade e de dinâmica cultural.

Santa Casa da Misericórdia de Lamego

in Voz de Lamego, ano 86/19, n.º 4356, 29 de março de 2016

Celebrações da Semana Santa na Sé de Lamego

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Por toda a diocese ressoa ainda a alegre notícia da Ressurreição do Senhor, acontecimento central da nossa fé e solenidade devidamente preparada e vivida nas comunidades cristãs desta porção do Povo de Deus. A exemplo do que se passou por essas igrejas paroquiais fora, também a catedral de Lamego, referência para todos os diocesanos e com a presidência de D. António Couto, acolheu muitos fiéis durante as celebrações da última semana. Aqui ficam algumas palavras e imagens.

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Quinta-feira Santa

A manhã de 5.ª feira é marcada pela Missa Crismal, celebração que junta o presbitério diocesano em redor do bispo, concretizando e alimentando a comunhão e a unidade. É também neste dia que são benzidos os óleos dos catecúmenos e da unção dos doentes, bem como consagrado o do crisma.

A Eucaristia iniciou-se às 10h, com a presença de cerca de 80 sacerdotes, de D. Jacinto e sob a presidência de D. António Couto. Como já é habitual, a estas horas da manhã não são muitos os fiéis leigos que estão presentes. O canto litúrgico esteve a cargo do Coro da Catedral. No final da celebração, e mantendo a tradição, todo o presbitério foi convidado a almoçar no Seminário Maior.

Na monição inicial lembraram-se os sacerdotes falecidos no último ano: Duarte Martins Vaz, Joaquim Manuel Pinto, Manuel João Nogueira Amaral, Filipe Gonçalves da Fonseca, Mário Ferreira Lages, José Gomes do Nascimento e Cândido António Lemos de Azevedo.

Também nesta celebração se homenagearam os sacerdotes que, em 2016, comemoram 25 anos de ordenação sacerdotal (bodas de prata): Agostinho Ramalho e Fernando Albano Cardoso. Este ano ninguém celebra bodas de ouro sacerdotais.

Neste dia, às 17h, e já com todos os bancos da igreja ocupados, celebrou-se a Missa vespertina da Ceia do Senhor, marcada também pelo lava-pés. Presidiu o nosso bispo, sempre acompanhado por D. Jacinto.

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Sexta-feira Santa

Na tarde de 6.ª feira, com a Sé cheia, a celebração iniciou-se às 17h, em silêncio, tal como sugerem as orientações litúrgicas, favorecendo a adoração, a escuta da Palavra e a necessária e oportuna meditação diante de tamanho amor divino.

Após a comunhão, o silêncio voltou a marcar o tempo, sempre com muitos a deterem-se junto do Santíssimo, na capela lateral.

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Vigília Pascal

No sábado santo, às 22h, e com alguns bancos desocupados (havia outras celebrações na cidade), D. António deu início à solene vigília pascal, a “mãe de todas as vigílias”. O vento que se fazia sentir dificultou o acender do círio, mas algum tempo depois as velas de todos iluminaram o templo com o “lume novo”.

Para lá das partes da celebração, que fazem um todo harmonioso e conhecido de todos, destaque ainda para o baptismo de um menino (cerca de 8 anos), nesta que era a noite do baptismo dos catecúmenos.

A alegria estava bem presente em todos os participantes, apesar da hora (quase 1h da manhã) a que terminou e diante do relógio que entraria, daí a pouco, em horário de verão.

in Voz de Lamego, ano 86/19, n.º 4356, 29 de março de 2016

VIVER DE PÉ | Editorial Voz de Lamego | 29 de março

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A porta de abertura do Jornal Diocesano Voz de Lamego é o Editorial, proposta de reflexão do Pe. Joaquim Dionísio. E se esta edição se centra em grande parte na Páscoa e nas celebrações da Semana Santa, o Editorial convida-nos a viver de pé, como ressuscitados, “Deus quer-nos de pé”…

VIVER DE PÉ

Páscoa cristã é sinónimo de regresso à vida e referência à acção divina, pois só Deus é senhor da vida. Por isso, a Ressurreição de Cristo, “o primeiro nascido de entre os mortos”, é o centro da fé e da esperança cristãs e a causa da nossa alegria, expressa no Aleluia que entoamos. Jesus Cristo, Aquele que fora vítima, posto de lado e ignorado levantou-se e está agora de pé, pondo fim ao tempo das lamentações, das queixas ou do desespero.

No cânone 20 do I Concílio de Niceia (ano de 325) é dito aos baptizados que “nos dias do Senhor (domingos) e de Pentecostes, todos devem rezar de pé e não ajoelhados”. Não por irreverência ou ausência de temor, mas por esperança e confiança. Quem nos ama liberta-nos, quer-nos de pé e não de rastos. Deus quer-nos de pé. A Ressurreição permite ficar de pé.

Jesus deu a sua vida pelo mundo e convida-nos, enquanto Suas testemunhas, a permanecer de pé e a entoar “aleluias” neste tempo e neste mundo, onde tantos ainda são obrigados a curvar-se.

Há pessoas que, infelizmente, continuam a ser subjugadas, exploradas e espoliadas da sua dignidade, que não podem levantar a cabeça ou fazer ouvir a sua voz, que não podem movimentar-se livremente nem evidenciar talentos…

Mas também há quem se auto-exclua e autocritique em demasia, desconfiando de si e das suas capacidades, adiando escolhas e compromissos, demitindo-se da vida antes do tempo… Gente a viver de cócoras, sem experimentar ficar de pé, à imagem da fábula da águia que sempre viveu e se comportou como galinha.

O Ano da Misericórdia é uma oportunidade para ficar de pé, livres do pecado que destrói, do remorso que aprisiona ou da indiferença que afasta.

in Voz de Lamego, ano 86/19, n.º 4356, 29 de março de 2016

HOMILIA DE D. ANTÓNIO COUTO NA VIGÍLIA PASCAL

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NOITE SANTA E LUMINOSA

  1. «Este é o Dia que o Senhor fez!» (Salmo 118,25). Aleluia! Este é o Dia que o Senhor nos fez! Aleluia! Este é o Dia em que o Senhor nos fez! Aleluia! «Por isso, estamos exultantes de alegria» (Salmo 126,3).
  1. Este é o Dia em que desfiamos com amor o rosário das tuas maravilhas, tantas elas são, percorrendo a avenida das tuas Escrituras desde a Criação até à Páscoa, desde a Páscoa até à Criação. Tanto faz. Porque neste Dia novo o tempo não nos mede e nos afasta e nos cataloga em séculos e milénios, mas põe-nos todos a conviver lado a lado. É assim que lemos e compreendemos que no teu «Filho amado», Jesus Cristo, «Imagem» tua e «primogénito de toda a criatura», «tudo foi criado» (Colossenses 1,15-16), «e sem Ele nada foi feito» (João 1,3). Lemos e compreendemos que o «teu Filho, Jesus Cristo, não foi Sim e não, mas unicamente Sim» (2 Coríntios 1,19). Passeámos assim no jardim da tua Criação boa e bela, visitámos as suas 452 palavras (Génesis 1,1-2,4a), e nelas não encontrámos um único «não», nenhum alçapão. Se o teu Filho amado, Jesus Cristo, Imagem tua e primogénito de toda a criatura, foi sempre Sim e nunca não, e se foi n’Ele que foram criadas todas as coisas, então a Criação inteira tem também de ser Sim, Sim, Sim, e nunca não.
  1. Que belo mundo novo, Senhor, quiseste depositar nas nossas mãos! Que grande Sim nos confiaste, Senhor, antes de nós merecermos de Ti qualquer confiança! Visitámos depois o Egito opressor, e de lá, Tu nos libertaste, Senhor, fazendo-nos atravessar a pé enxuto o mar Vermelho, como se fosse uma «planície verdejante» (Sabedoria 19,7). Vestíamos roupas brancas, trazíamos o coração em festa, e nos lábios um cântico novo, como sucede também ainda hoje, Senhor, neste Dia admirável da tua Ressurreição, em que cantamos outra vez com inefável alegria: «Minha força e meu canto é o Senhor! A Ele devo a minha liberdade!» (Êxodo 15,2).
  1. Com Isaías e Ezequiel, recordámos depois as paisagens tristes e sombrias do nosso exílio, mas também da tua admirável proteção. Diz uma velha história rabínica que, um dia, «os jovens perguntaram ao velho rabino quando começou o exílio de Israel. Ao que o arguto rabino terá respondido que o exílio de Israel começou no dia em que Israel deixou de sofrer pelo facto de estar no exílio». Compreenda-se, portanto, que o exílio verdadeiro não consiste simplesmente em estar longe de casa ou da pátria, mas sobretudo em tornar-se indiferente e insensível, sem causas, sem sonhos e sem esperas, gastando o nosso dinheiro com aquilo que não alimenta, e esquecendo o teu insistente convite: «Vinde e comprai sem dinheiro vinho e leite […]. Ouvi-me, ouvi-me, e comei o que é bom» (Isaías 55,1-3). Era assim que andávamos, Senhor, perdidos longe de ti e longe de nós. Mas também lá, à perdição em que andávamos, chegou a tua mão criadora, redentora, libertadora e carinhosa, e reconstruíste a nossa vida sobre a alegria, embelezaste o nosso rosto com óleo perfumado, e vestiste-nos com a veste branca dos teus filhos. E como se isto não enchesse a medida do teu amor sempre sem medida, ainda fizeste connosco uma Aliança nova, e deste-nos um coração novo e um espírito novo.
  1. Coração novo, música nova, ensinada pelos Anjos nos campos de Belém: Gloria in excelsis Deo! Outra vez lado a lado, oh milagre da Escritura Santa, dois acontecimentos no tempo separados: o nascimento de Jesus e a sua morte e Ressurreição: lá estão os mesmos Anjos; as mesmas faixas a envolver o Menino e o Crucificado; o Menino deposto na manjedoura e o Crucificado deposto no sepulcro. Extraordinária acostagem do Menino, nascido em Belém, e do Crucificado, nascido in aeternum. E São Paulo a descodificar bem o nosso Batismo, pelo qual somos sepultados com Cristo, para com Ele ressurgirmos para uma vida nova (Romanos 6,3-5).
  1. E assim chegamos sempre ao Ressuscitado, hoje visto através do relato de Lucas 24,1-12. Àquele Jesus Cristo, Crucificado, Morto e Sepultado, segundo as Escrituras, que se levanta do chão raso e da folha plana de papiro ou de papel, elevando a humana vida e a inteira Escritura à sua Plenitude. Porque Ele enche a Escritura, fá-la transbordar, transborda dela! Era, na verdade, muito grande aquela pedra que barrava a entrada e a saída do sepulcro (Marcos 16,3-4). Quem a pode retirar? A pedra da morte é sempre intransponível para as nossas forças. Tem, por isso, de ser trabalho de Deus. É assim que as mulheres que vão de madrugada ao sepulcro (Lucas 24,1), que elas bem conheciam porque atentamente o tinham estado a observar (Lucas 23,55), levam os aromas e perfumes que tinham cuidadosa e carinhosamente preparado (Lucas 24,1; 23,56), e encontraram a pedra do sepulcro retirada (apokekylisménon: part. perf. pass. de apokylíô) (Lucas 24,2), e, entrando, não encontraram o corpo do Senhor Jesus (Lucas 24,3). Estes dois acontecimentos, que as mulheres não souberam decifrar, deixaram-nas sem saber o que fazer, literalmente, «sem caminho» (aporéô) (Lucas 24,4). Póros significa caminho; áporos, com o prefixo privativo á, significa «sem caminho». Estando assim as mulheres sem nenhum progresso ou regresso, sem código de acesso ao jardim e à árvore da vida, eis logo junto delas dois homens com vestes relampejantes (astráptô) (Lucas 24,4b), como aqueles querubins que, com espadas relampejantes, guardavam e acabam agora de abrir o acesso ao jardim do Éden, à àrvore da vida e à nova criação (Génesis 3,24).
  1. Acesso aberto, descodificado, portanto. Nova criação ali à mão, a transbordar de Luz e de Jesus. A pedra muito grande retirada, no tempo perfeito, representa a porta da habitação da morte para sempre aberta. O modo passivo (passivo divino ou teológico) do verbo revela que um tal afazer é coisa só de Deus. O facto de os homens serem dois caracteriza-os como testemunhas (cf. Deuteronómio 19,15) e acentua a autoridade do que disserem. As vestes relampejantes revelam a sua proveniência celeste (cf. Mateus 28,3). Este novo acontecimento da aparição junto delas dos dois homens com vestes relampejantes provoca nelas dois tipos de reação: uma reação interior – «ficaram cheias de medo» (émphobos genómenos) –, e uma reação exterior: «inclinaram o rosto para a terra» (Lucas 24,5), expressão só aqui usada em todo o NT e nos LXX. Os dois homens de proveniência celeste, duas testemunhas, falam ao mesmo tempo para as mulheres: «Por que procurais (tí zêteîte) entre os mortos “o Vivente” (tòn zônta)?» (Lucas 24,5b). A pergunta põe às claras o absurdo da ação das mulheres: tudo fazem para estar perto de Jesus, mas fazem-no no lugar errado! E acrescentam logo: «Não está aqui, mas foi ressuscitado (egérthê: aor. pass. de egeírô)» (Lucas 24,6a). Não podemos deixar de reparar em Lucas 2,49, quando Jesus diz para Maria e José: «Por que me procuráveis (tí ezêteîté me)? Não sabíeis que nas coisas de meu Pai é necessário que eu esteja?». Não sabiam Maria e José, como não sabem as mulheres. E nós?
  1. Não é possível não reparar nos contrapontos. As mulheres procuram o Vivente (ho zôn) – linguagem paulina; nos Evangelhos só Lucas usa este título – no mundo da morte! Inclinam o rosto para o chão, e é celeste a proveniência dos dois homens! O título de «O Vivente», e não apenas «Ressuscitado» (literalmente «acordado»), mostra ainda com mais força que Jesus não «acordou» simplesmente para a vida de antes, como quando alguém acorda do sono, mas entrou numa nova condição de vida permanente, divina. Ele está vivo e presente. No texto lucano, que estamos a seguir, as mulheres não são incumbidas de nenhuma missão destinada aos discípulos, e também não surge a Galileia como meta. A Galileia surge nos lábios dos dois homens com vestes relampejantes para indicar, não a meta, mas o lugar de origem que guardava as Palavras faladas (laléô), portanto, com carga de revelação, que Jesus lhes tinha dirigido acerca da sua morte e ressurreição (anísthêmi, anásthasis) (Lucas 24,6-7), que exprime já não «acordar», mas «levantar-se». Esse falar novo de Jesus na Galileia, indicado pelos dois homens, é introduzido com uma única ordem: «Recordai» (mnêsthête, imper. aor. de mimnêskomai). E o narrador refere que elas se recordaram das Palavras (tà rhêmata) de Jesus (Lucas 24,8), e acrescenta que elas, mesmo sem terem recebido nenhuma incumbência, anunciaram (apaggéllô) estas coisas aos Onze e aos outros com eles (Lucas 24,9).
  1. Só agora, para realçar que o testemunho não é anónimo e desprovido de valor, o narrador refere os nomes de três mulheres: Maria Madalena, Joana e Maria de Tiago, e outras com elas, e volta a referir que elas diziam repetidamente (élegon: imperf. de légô) estas coisas aos apóstolos, mas que eles não lhes deram crédito, considerando aquelas palavras como uma léria (lêros) (Lucas 24,10-11), isto é, tratava-se só de palavras, sem nenhum facto que lhes correspondesse. Esta anotação da incredulidade mostra que os apóstolos não eram ingénuos e que a fé na Ressurreição de Jesus não foi inventada. E serve para pôr em destaque Pedro, que se levantou, correu ao sepulcro, inclinou-se, viu só as faixas, e voltou maravilhando-se (thaumázôn) (Lucas 24,12). Note-se que, em mundo judaico, «correr» é um comportamento insólito num adulto, o que, neste caso de Pedro, deixa a descoberto um particular interesse e empenhamento. E aquele regresso «maravilhando-se», implica que também Pedro já entrou na avenida florida das maravilhas de Deus!
  1. O relato evangélico é sóbrio, mas rico e denso. Fiel a esta intensa sobriedade, a arte cristã nunca se atreveu a representar a ressurreição antes dos séculos X-XI. É tal o fulgor da Luz deste mistério, que ficará sempre no domínio do inefável, que simultaneamente ilumina e esconde. É por isso que a Paixão é um relato, mas a Ressurreição, que põe fim ao relato, só nos pode chegar como Notícia, vinda de fora, como a Aurora.
  1. É por isso que esta Noite é uma fulguração de Luz e Lume novo. Desde as brasas acesas, ao Círio Pascal aceso, ao nosso coração aceso como o dos discípulos de Emaús. É também por isso que o Batismo começou por ser chamado «Iluminação», sendo a Vigília Pascal também a grande Noite Batismal. E cada batizado levará para sempre a arder dentro de si este Lume novo.
  1. Ilumina, Senhor, a tua Igreja Santa, e os seus novos filhos que hoje nascem na fonte batismal. Acompanha sempre o João Paulo, hoje renascido para a vida nova em Cristo. Que os nossos passos sejam sempre firmes, e o nosso coração sempre fiel e a transbordar de Luz e de Jesus. Vem, Senhor Jesus! Aleluia!

Lamego, 26 de março de 2016, Homilia na Celebração da Vigília Pascal

+ António, vosso bispo e irmão

HOMILIA DE D. ANTÓNIO COUTO NA PAIXÃO DO SENHOR

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UM AMOR NOVO, QUE NÃO É NOSSO, E QUE ESTAMOS SEMPRE A DEVER A TODOS

1. Foi-nos dada a graça de nos reunirmos aqui, na Casa de Deus, nesta Sexta-Feira Santa, para celebrarmos, unidos de alma e coração à Igreja inteira, a Una e Santa, a Paixão do único Senhor da nossa vida, «Aquele que nos ama» (Apocalipse 1,5), Jesus Cristo.

2. E foi-nos dado seguir, passo a passo, com a conversão do coração e o louvor no coração, o imenso relato da Paixão do único Senhor da nossa vida, a partir do Evangelho segundo S. João (18,1-19,42). Foi assim que atravessámos o Cedron e entrámos no «jardim». É de noite, mas arde a LUZ, a LUZ, a LUZ. É verdade que já não estamos todos. Judas perdeu-se na NOITE, na NOITE, na NOITE (João 13,30). Virá depois com archotes e lanternas, mísero sucedâneo da LUZ, e com armas (João 18,3), como um salteador. Vem prender a LUZ, mas cai encandeado (João 18,6). Tem de ser a LUZ a ofuscar-se por amor e a entregar-se a ele por amor. Neste ponto preciso, refere o relato de Marcos que nós fugimos todos, abandonando-o (Marcos 14,50). E fugidos andaremos, e perdidos, na noite e no frio, até sermos por Ele outra vez encontrados, acolhidos e recolhidos. Mas já, entretanto, Pedro, perdido, se acolhe a outra luz e se aquece a outro lume (João 18,18). E, interpelado, nega ter andado com Jesus, nega ter alguma coisa a ver com Jesus, nega ter parte com Jesus. Nega mesmo conhecer Jesus (Marcos 14,67-71; João 18,17-27).

3. Bem vistas as coisas, parece que Pedro não conhecia mesmo Jesus. Na verdade, Pedro afirmou, durante a Ceia, estar disposto a dar a vida por Jesus (João 13,37), porque era verdadeiramente amigo de Jesus. E pensava, de resto, que também Jesus estava disposto, se fosse o caso, a dar a sua vida por ele, porque era verdadeiramente amigo dele. Sim, a amizade e a simpatia são o cimento de verdadeiros grupos de amigos. E é da nossa humana experiência que os amigos a sério, a doer, estão sempre lá, disponíveis para se ajudarem uns aos outros, para se defenderem uns aos outros, se necessário for lutando contra os agressores do seu grupo de amigos, ou de algum dos seus membros. Era assim que Pedro via Jesus como fazendo parte do seu grupo de amigos. E estava disposto a arriscar a vida por Jesus, lutando por Jesus, se necessário fosse. É por isso que, no «jardim», quando os salteadores queriam prender Jesus, Pedro puxou da espada, e feriu o servo do Sumo-Sacerdote (João 18,10). Talvez alguns de nós, igualmente discípulos e amigos de Jesus, nos atrevamos a dizer que foi pena não o ter matado, e, já agora, se tivesse conseguido matar também os outros, melhor ainda! Ficaria ali o assunto encerrado, e Jesus não teria sido cruelmente assassinado, como vemos aqui, nesta ou noutra Cruz!

4. Pedro era, de facto, amigo de Jesus, até ao ponto de arriscar a sua vida por Jesus, defendendo-o fosse contra quem fosse. Sim, Pedro era amigo de Jesus, mas não conhecia mesmo Jesus! Pensava Pedro que a amizade de Jesus se esgotava naquele grupo de amigos que entusiasticamente o seguia desde a Galileia. A desilusão e a crise de Pedro acontecem quando Pedro se apercebe de que, afinal, a amizade de Jesus não se confinava a si e ao seu grupo. Antes, a amizade de Jesus rebentava mesmo as fronteiras aquele pequeno grupo, pois Jesus amava de forma diferente. Tão diferente, que amava também os seus inimigos, aqueles que o odiavam e o queriam matar, dando por todos livremente a sua vida. Foi, ao ver este amor novo, interminável e incontrolável de Jesus, que não se destinava apenas a ele e ao seu grupo, que Pedro entrou em crise profunda, se foi embora, andou perdido na noite, e se foi aquecer a outro lume. Mas foi também, ao compreender verdadeiramente este Amor novo e incontrolável de Jesus, que ama a todos, não se podendo confinar a uma pessoa ou a um qualquer grupo de amigos, que Pedro caiu de si abaixo, e saiu do pequeno palco em que se encontrava, para chorar lágrimas de dor e de amor novo. Como quem diz, com uma imensa expressão de espanto: «Há tanto tempo com Ele, e não o conhecia!». E pode acontecer que também nós, amados irmãos, sejamos levados a ter de dizer a mesma coisa. Mas é sempre tempo de implorarmos de Deus o dom das lágrimas e de começar a compreender este amor novo de Jesus, que a todos abraça, não sendo pertença exclusiva de ninguém.

5. Sim, entendido e abraçado este Amor novo, também Pedro saltará barreiras e fronteiras e irá pelo mundo inteiro anunciar e mostrar o Amor novo que encontrou em Jesus, amando ele próprio da mesma maneira, até ao ponto de vir também a dar a sua vida por Amor, amando também ele aqueles que o odiavam e o queriam matar, e o mataram.

6. Esta Cruz Gloriosa e Vitoriosa, que hoje adoramos, expõe diante dos nossos olhos (Gálatas 3,1) esse amor puro e gratuito, sem motivo e sem fundo, sem barreiras nem fronteiras nem grupos, que Jesus dedica a todos, sem exceção. A mim e a ti, aos pobres, aos doentes, aos estrangeiros, aos que o odeiam e nos odeiam, aos que o perseguem e nos perseguem, aos que o mataram e nos querem matar, como está a acontecer em tantas comunidades cristãs do Médio-Oriente e de alguns países de África.

7. Sim, este Jesus que expomos e adoramos nesta Cruz, é de todos, ama a todos, dá a sua vida por todos. Portanto, não podemos guardar ou resguardar o nosso amor a Cristo no nosso pequeno grupo de amigos ou de pertença, mesmo nos grupos ou movimentos intra-eclesiais, tantas vezes autoreferenciais. Compreendamos bem que Jesus rebenta todas estas ligaduras. E é só saindo ao encontro do outro por amor, é só sendo evangelizadores no meio deste mundo, que cumprimos o mandamento de Jesus de nos amarmos uns aos outros como Ele nos amou (cf. João 13,34; 15,12).

8. A peregrina Egéria, oriunda da Galiza, que em finais do século IV, visitou demoradamente os Lugares Santos, diz-nos que a Santa Cruz era então exposta à adoração dos fiéis duas vezes no ano: em 14 de Setembro e em Sexta-Feira Santa. Egéria descreve assim a adoração de Sexta-Feira Santa: «desde as 08h00 da manhã até ao meio-dia», «todos passavam, um por um: inclinam-se, tocam a Cruz com a fronte, e depois com os olhos a Cruz e a inscrição, a seguir beijam a Cruz e saem, sem que ninguém toque com a mão na Cruz» (Itinerarium, 36,5; 37,3).

9. Adoremos nós também, com amor, amados irmãos e irmãs, neste Dia de Sexta-Feira Santa, a Santa Cruz do único Senhor da nossa vida. Ao acariciarmos a Cruz de Jesus, sintamo-nos também por Ele acariciados. O contributo que depusermos aos pés da Cruz do Senhor destina-se à conservação dos Lugares Santos da Terra Santa, e é também uma carícia fraterna para os nossos irmãos perseguidos das igrejas do Médio Oriente.

Lamego, 25 de março de 2016, Homilia na Celebração da Paixão do Senhor

+ António, vosso bispo e irmão

JUBILEU DA MISERICÓRDIA | VESTIR OS NUS

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A roupa que usamos esconde a nudez com que nascemos e contribui para a afirmação da nossa identidade e para a preservação da nossa individualidade. Instintivamente, por causa do frio, o homem sempre procurou cobrir-se, mas também como necessidade de salvaguarda e afirmar a sua intimidade e identidade. Por outro lado, e para lá da e do conforto oferecido, a roupa é um adereço para o corpo, tal como o são tantos outros adornos que variam segundo as culturas e os gostos de cada um.

A roupa é fonte de negócios para muitos e contribui para celebrar festas e acontecimentos. Mas todos poderão reconhecer alguma futilidade e superficialidade em certas áreas neste sector. O essencial da vida está para além destes adereços e o homem será sempre mais do que aquilo que veste, embora, às vezes, sejam os “trapinhos” a determinar a notícia e a imagem!

A este propósito, o nobel da literatura, Mário Vargas Losa escreveu: “Na civilização dos nossos dias é normal e quase obrigatório que a cozinha e a moda ocupem uma boa parte das secões dedicadas à cultura  e que os ‘chefs’ e os ‘costureiros’ e ‘costureiras’ tenham agora o protagonismo que antes tinham os cientistas, os compositores e os filósofos” (A Civilização do Espetáculo, p. 35).

Porque, ficar apenas no exterior será curto, tal como nos lembrou Jesus: “Não vos inquieteis quanto à vossa vida, com o que haveis de comer ou beber, nem quanto ao vosso corpo, com o que haveis de vestir. Porventura não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestido?” (Mt 6, 25).

Neste contexto, e em jeito de conclusão, poderíamos dizer que a roupa protege, diferencia e adorna um corpo que, como lembrou o sofredor Job, saiu nu do ventre materno e nu voltará para lá (Job 1, 21).

Mas como entender, então, esta Obra de Misericórdia (OM)? Quem são os que andam nus? Como contribuir para que o outro se sinta digno e próprio na sua individualidade?

Certamente que a concretização desta OM passa sempre pelo partilhar com quem tem menos, minimizando a exposição ao frio e ao desconforto e contribuindo para a dignidade alheia.

Por outro lado, sabemos que a nudez não é sempre sinónimo ou consequência da pobreza material. Por esse mundo fora há homens, mulheres, jovens e crianças a quem arrancaram, de forma violenta e injusta, as roupas para serem explorados. Também encontramos gente que vai perdendo a roupa que se rasga ou estraga por causa dos “arames” que precisa ultrapassar e em consequência das barreiras que precisa de transpor…

Vestir os nus será partilhar agasalhos, mas é também restituir ao outro a digna beleza que tem. E quantas situações rejeitam e negam esta verdade fundamental. Independentemente do aspecto exterior, da idade ou vigor físico, o outro tem uma dignidade que nenhuma nudez rouba ou diminui e que nenhuma roupa acrescenta: a dignidade de ser filho de Deus.

Por fim, e para lá do reconhecer da dignidade alheia, esta OM também se poderá concretizar através do envolvimento na vida do outro. Não para controlar ou explorar, mas para conhecer e respeitar.

JD, in Voz de Lamego, ano 86/18, n.º 4355, 22 de março de 2016

Via Sacra na Paróquia de Fornelos, de Cinfães

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A Via Sacra é, por definição, uma oração que tem como objectivo meditar na paixão, morte e ressurreição de Cristo. É relembrar o caminho da dor e do sofrimento de Jesus, no percurso de sua Divina missão Redentora, quando demonstrou uma profunda obediência ao Pai eterno e um infinito Amor à humanidade de todas as gerações. É o reviver dos últimos momentos da sua vida na Terra.

Foi nesta linha que no passado dia 12 de Março, na Igreja Paroquial de Fornelos, o grupo de teatro amador “Mant’Art” constituído por pessoas da comunidade paroquial, nomeadamente, pais e catequizandos, levaram a cabo uma encenação teatral que teve como principal objectivo compreender melhor a pessoa de Jesus e o amor que teve por nós ao ponto de ter sido crucificado, sofrendo muito, para que aprendêssemos verdadeiramente o que é amar.

A encenação, que foi realizada com grande rigor e seriedade, mexeu com as emoções de toda a comunidade que, em grande número, assistia, levando muitas pessoas “às lágrimas”, fazendo, assim, com que revivessem na mente e no coração a grandeza do Amor de Deus.

Cumpriu-se portanto o objectivo principal da actividade que era recordar o percurso doloroso de Jesus desde a sua condenação até à sua morte e ressurreição, levando toda a comunidade a fazer uma introspecção relembrando que durante a vida devemos retirar dos nossos corações o ódio, o rancor, a inveja, os zelos que se opõem ao nosso amor a Deus e aos irmãos.

Assim, a cruz de Cristo simboliza o amor e ensina a olhar para o outro com misericórdia, sobretudo para quem sofre, quem tem necessidade de ajuda, quem espera uma palavra, um gesto. A Cruz convida a que sejamos capazes de sair de nós mesmos para ir ao encontro de quem mais precisa.

Foi então desta forma que a Comunidade Paroquial de Fornelos abriu as portas à semana santa que se aproxima, uma semana de particular intensidade e importância para os seus cristãos, assim como, para os cristãos do mundo inteiro.

Paróquia de Fornelos, Cinfães

Pelo Grupo de Teatro “Mant’Art”, in Voz de Lamego, ano 86/18, n.º 4355, 22 de março de 2016

Falecimento de Emigrantes em França | Nota da Vigararia Geral

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(Foto da Rádio Renascença)

Nota da Vigararia Geral

O Senhor Bispo D. António Couto e a inteira Diocese de Lamego, associam-se à dor das famílias atingidas pela perda dos seus entes queridos, falecidos no acidente desta quinta-feira à noite, em Moulins, França, onde perderam a vida mais de uma dezena de emigrantes portugueses que regressavam a Portugal para as festas pascais. Ente as vítimas contam-se alguns emigrantes oriundos  dos Concelhos de Cinfães e de Sernancelhe, da Diocese de Lamego.

Rezamos pelos falecidos, que em Tríduo Pascal se identificam com a morte de Cristo, para que com Ele tomem parte na glória da ressurreição.

Às famílias, e às comunidades paroquiais, reafirmamos a certeza da nossa proximidade na oração.

Pe. João Carlos Costa Morgado, Pró – Vigário Geral

HOMILIA DE D. ANTÓNIO COUTO NA CEIA DO SENHOR

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DAR A VIDA POR AMOR, PARA SEMPRE, PARA TODOS

  1. Com esta celebração da Ceia do Senhor, em Quinta-Feira Santa, a Igreja Una e Santa reacende a memória da instituição da Eucaristia, do Sacerdócio e da Caridade, e dá início ao Tríduo Pascal da Paixão e Ressurreição do seu Senhor (o Tríduo Pascal prolonga-se até às Segundas Vésperas de Domingo), que constitui o ponto mais alto do Ano Litúrgico, de onde tudo parte e aonde tudo chega, coração que bate de amor em cada passo dado, em cada gesto esboçado, em cada casa visitada, em cada mesa posta, em cada pedacinho de pão sonhado e partilhado. É assim que Deus nos dá a graça de caminhar durante todo o Ano Litúrgico, dia após dia, Domingo após Domingo, sempre partindo da Páscoa do Senhor, sempre chegando à Páscoa do Senhor.
  1. «Páscoa» quer dizer «passagem», e põe em cena «passageiros». Com os antigos pastores beduínos semi-nómadas, que preenchem a memória da pré-história de Israel, aprendemos a passar festivamente para um tempo novo, do inverno para a primavera, numa festa nocturna, ao luar, na primeira lua cheia da primavera, que marca o início da transumância ao encontro de novas pastagens. Com os hebreus, no Egipto, conforme o colorido relato do Êxodo que hoje Deus nos deu a graça de ouvir (Êxodo 12,1-14), sedentarizámos e actualizámos a festa da primeira lua cheia da primavera dos antigos pastores semi-nómadas de Israel, e fomos levados, por graça, a passar da escravidão para a liberdade, que é um caminho sempre novo, nunca terminado e sempre a recomeçar, com a cintura apertada, sandálias nos pés, cajado na mão, lume novo aceso no coração. Com Jesus Cristo, fomos, também por graça, levados a passar do pecado para a graça, da soleira da porta para a mesa, da morte para a vida em abundância, da nossa casa para a Casa do Pai. É assim que nós, por graça feitos filhos no Filho, aprendemos a ser estrangeiros e hóspedes, tranquilamente sentados em Casa e à Mesa daquele único Senhor que servimos e que, paradoxalmente, nos serviu primeiro a nós.
  1. É aí que estamos todos, meus irmãos. Aí, entenda-se, em Casa e à Mesa, hospedados. E é somente aí e daí, que podemos compreender o grande Capítulo 13 do Evangelho de S. João, que Hoje ouvimos nos nossos ouvidos, e que relata em vez da Ceia Primeira um lava-pés. Ceia Primeira, e não Última, porque nós continuamos à Mesa (o que é este Altar?) a celebrar esta Ceia (o que é este Pão e este Vinho?). E a recomendação atenta de S. Paulo, que nos lembra que nós continuamos a comer este Pão e a beber este Vinho sempre novo: «Sempre que comerdes deste Pão e beberdes deste Cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha» (1 Coríntios 11,26). Anunciar a morte do Senhor não é, todavia, entristecer-nos, chorar ou vestir de luto. Não é esta a vocação cristã. É preciso compreender, e é o que S. Paulo nos quer dizer, que anunciar a morte do Senhor é anunciar a Dádiva da Vida por amor, para sempre e para todos!
  1. Mas é à Mesa que estamos, meus irmãos, nesta tarde e nesta Ceia Primeira de Quinta-Feira Santa, hospedados na Casa do único Senhor da nossa Vida, «Aquele que nos ama» (Apocalipse 1,5), Jesus Cristo. Acomodai-vos e reparai bem em tudo o que Ele faz e diz no Evangelho de hoje (João 13,1-15), porque tudo n’Ele é exemplar e programático para nós. Diz-nos o narrador atento que Jesus «DEPÕE (títhêmi) o manto» a abrir a cena, no v. 4, e «RECEBE (lambánô) o manto» a fechar a cena, no v. 12. DEPOR e RECEBER são, aos nossos olhos encantados, os mesmos verbos com que, no Capítulo 10.º, o Bom Pastor «DEPÕE (títhêmi) a vida» e «RECEBE (lambánô) a vida» (v. 17). Ora, DEPOR a vida e RECEBER a vida são a imensa e penetrante tradução da Cruz. E entre uma e outra coisa, entre «DEPOR o manto» e «RECEBER o manto», «DEPOR a vida» e «RECEBER a vida», no centro geométrico e teológico do lava-pés (v. 8), aí está a advertência solene que Jesus dirige a Pedro e a cada um de nós: «Se não te lavo, Pedro, não tens parte comigo!» (João 13,8).
  1. «Ter parte com» Cristo é participar no seu supremo serviço de amor até dar a vida para receber a vida. «Ser lavado» e «ter parte com» e «estar puro» é linguagem bíblica de ordenação sacerdotal. Basta ler o texto do Livro dos Números 18,20, juntamente com os Capítulos 29 e 40 do Livro do Êxodo e o Capítulo 8.º do Livro do Levítico, acerca da ordenação sacerdotal de Aarão e dos seus filhos.
  1. Digamos tudo outra vez, seguindo passo por passo este imenso Capítulo 13 do Evangelho de S. João: no v. 4, Jesus DEPÕE o manto, com o mesmo verbo com que, em João 10,17, Jesus DEPÕE a vida; no v. 12, Jesus RECEBE o manto, com o mesmo verbo com que, no mesmo João 10,17, Jesus RECEBE a vida. No v. 4, DEPÕE o manto ou a vida. No v. 12, RECEBE o manto ou a vida. No v. 8, que é o centro geométrico e teológico entre 4 e 12, Jesus lava os pés a Pedro, e diz-lhe: «Se não te lavo, Pedro, não terás parte comigo». Isto é, não participarás da minha vida por amor Dada e Recebida. Compreenda-se então que este Lava-pés não é um simples gesto de humildade por parte de Jesus. Este Lava-pés é a verdadeira ordenação sacerdotal dos discípulos de Jesus!
  1. Por isso, Jesus diz, num imenso dizer revelatório ainda a retinir nos nossos ouvidos e a ecoar em tudo o que fazemos: «Como Eu vos fiz, fazei vós também!» (João 13,15). Vê-se bem, meus irmãos, que não é tanto o que se faz que conta. Conta muito mais o como se faz. O segredo é dar a vida por amor, para sempre, para todos. Jesus é o único Mestre que ensina a Viver desta maneira. E é assim que fica bem à vista do nosso coração o significado da instituição da Eucaristia, do Sacerdócio e da Caridade.
  1. A partir daqui, desta Ceia Primeira e deste Amor novo, celebrados por Jesus com os seus discípulos e connosco pelas 18h00 de Hoje, Quinta-Feira Santa, somos todos levados a percorrer e a reviver, rezar e contemplar as últimas decisivas vinte e quatro horas de Jesus, desde agora até perto das 18h00 de amanhã, Sexta-Feira Santa. O ritmo contemplativo é este:

18h00 = Ceia Primeira!

21h00 = Getsémani

24h00 = Prisão de Jesus

03h00 = Pedro nega e o galo canta

06h00 = Jesus diante de Pilatos

09h00 = Crucifixão de Jesus

12h00 = as trevas em vez da Luz!

15h00 = Morte de Jesus

18h00 = Sepultamento de Jesus

Nestas vinte e quatro horas, acompanhemos Jesus no seu caminho de Amor sem limites. Há muita coisa aqui que contemplar!

  1. Que o Senhor da nossa vida nos ensine a ser fiéis ao seu dizer e ao seu modo admirável de fazer. Ensina-nos, Senhor, a amar com Tu, a viver como Tu, a dar a vida como Tu.

Lamego, 24 de março de 2016, Quinta-Feira Santa, Homilia na Missa da Ceia Senhor

+ António, vosso bispo e irmão

HOMILIA DE D. ANTÓNIO COUTO NA MISSA CRISMAL

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O ÓLEO DA ALEGRIA QUE DEVEMOS DERRAMAR COM ABUNDÂNCIA

1. «O Espírito do Senhor sobre mim, porque o Senhor me ungiu para anunciar o evangelho aos pobres», assim se diz a si mesmo o profeta de Isaías 61,1. «O Espírito do Senhor sobre mim, porque o Senhor me ungiu para anunciar o evangelho aos pobres», repete Jesus na sinagoga de Nazaré (Lucas 4,18), acrescentando um «Hoje» que ainda hoje retine nos nossos ouvidos: «Hoje foi plenificada (peplêrôtai: perf. pass. de plêróô) (passivo divino ou teológico!) esta Escritura nos vossos ouvidos» (Lucas 4,21). Escritura plenificada por Deus, por Deus enchida até ao cimo da letra, até ao Espírito. Escritura a transbordar e a inundar como uma enchurrada a nossa vida! Jesus Cristo não vem depois da Escritura. Rebenta como um bolhão do meio da Escritura. Transborda da Escritura. Banho de água batismal, caudal de óleo crismal a escorrer pela cabeça, pelo rosto, pelas vestes deste povo todo sacerdotal e santo (Êxodo 19,6; Apocalipse 1,4-6).

2. Povo Santo de Deus, aí está a tua bela e funda identidade: povo batizado, crismado, cristificado. Encharcado em Cristo, de Cristo. Por isso, diz bem São Paulo aos Coríntios: «Vós sois de Cristo (tu és de Cristo), e Cristo é de Deus» (1 Coríntios 3,23). «Porque o Senhor me ungiu», diz o profeta. «Porque o Senhor me ungiu», diz Jesus Cristo. «Porque o Senhor nos ungiu», digamos nós também. Significa isto, antes de mais, que, para nos ungir com o seu óleo perfumado, Deus se aproxima tanto de nós, que toca em nós com a sua mão carinhosa! Exatamente como fazemos nós, ou como Deus faz por nós, quando ungimos com o óleo do crisma os recém-batizados, os crismados, os sacerdotes, os bispos, o corpo da igreja e os altares no dia da sua dedicação; com o óleo dos catecúmenos, aqueles que se preparam e dispõem para o batismo; com o óleo dos enfermos, aqueles que procuram alívio para as suas dores.

3. O Salmo articula bem a comunidade viva com o fruto da oliveira: «Como é bom, como é belo, viverem unidos os irmãos. É como azeite sobre a cabeça, descendo pela barba, a barba de Aarão, descendo sobre as suas vestes» (Salmo 133,1-2). Comunidade bela e forte, unida, oleada, perfumada. Trata-se de azeite de oliveira, perfumado com mirra, cinamomo, cálamo e cássia (Êxodo 30,22-33), a encharcar a cabeça e o cabelo de Aarão, a descer pela barba, e sobre as suas vestes sacerdotais, encharcando o humeral (ʼephod), uma espécie de roquete ou sobrepeliz que desce sobre os ombros, e, descendo sempre, encharca depois o peitoral (hoshen), bolsa quadrada, com 25 cm de lado, aplicada sobre o humeral, cobrindo o peito. O azeite encharca o tecido que está sobre os ombros e sobre o peito do sacerdote. Sobre os ombros, nas duas alças do humeral, traz o sacerdote incrustradas duas pedras de ónix, uma sobre cada ombro, cada uma gravada com seis nomes das doze tribos de Israel (Êxodo 28,1-14). E, sobre o peito, no peitoral, traz o sacerdote doze pedras preciosas diferentes, e em cada uma delas está gravado o nome de uma das doze tribos de Israel (Êxodo 28,15-30), irmanadas, como se fosse uma jóia em unidade harmónica. Extraordinária simbologia! O sacerdote carrega aos ombros (Êxodo 28,12) e leva sobre o coração (Êxodo 28,29) todos e cada um dos filhos de Israel! A releitura por excelência do Livro da Sabedoria diz admiravelmente que «sobre as vestes sacerdotais é transportado o mundo inteiro» (18,24). É assim que se vê bem a missão do sacerdote. Mas vê-se igualmente bem que se trata de um povo todo ungido, todo sacerdotal e aromático. Portanto, todo empenhado no serviço da evangelização, de modo a mudar verdadeiramente a vida e a vivência eclesial como sonhou São João Paulo II (Redemptoris missio, n.º 2).

4. «O Espírito do Senhor sobre mim, porque o Senhor me ungiu para anunciar o evangelho aos pobres». Guardemos connosco, Hoje, amados irmãos no sacerdócio, reunidos em unum prresbyterium, esta unção e esta missão sacerdotal. Unção e missão. Unção para a missão. Torrente que vem de Deus e que envolve, por graça, as nossas mãos, entranhas e coração. Não nos esqueçamos do óleo da alegria que nos deve inundar as entranhas, o coração e a missão (Salmo 45,8; Isaías 61,3; Hebreus 1,9). Não nos esqueçamos também que a missão deste Evangelho do óleo da alegria se destina aos pobres. Quem são os pobres? São aqueles que se sentem tão batidos e abatidos pelas desilusões da vida, que já não têm mais coração para tentar de novo; são aqueles que se sentem tão presos e incapacitados, que consideram a libertação e a liberdade uma miragem cruel; são aqueles que pensam que Deus se esqueceu deles, e que nunca mais terão um dia de alegria; são aqueles que pensam que a sua vida já não vale mais do que saco e cinza e lágrimas, e que por companhia têm o duro farnel do desespero. É a estes que Isaías e Jesus anunciam boas notícias vindas de Deus!

5. Caríssimos irmãos no sacerdócio, são estes pobres que deveis carregar aos ombros e no coração. É este mundo hostil ou apenas indiferente ou enlatado, a esvaziar-se de sentido, são estas crianças que ainda sonham, estes jovens desiludidos, estes casais preocupados, estas famílias desconstruídas, estes idosos tantas vezes sós, que devemos transportar sobre as nossas vestes sacerdotais. É a estes irmãos e irmãs concretos que nos devemos entregar ou «super-entregar» (ekdapanêthêsomai), para usar a expressão da Segunda Carta aos Coríntios e do Decreto Presbyterorum ordinis (2 Coríntios 12,15; Presbyterorum ordinis, n.º 15). A nossa vida bela não pode ser vivida assim-assim, de qualquer maneira, ou de uma maneira qualquer. Nas nossas atividades pastorais, devemos, amados irmãos, ter sempre a noção clara de que não somos e não podemos ser simples animadores ou monitores, mas transparência fiel da presença viva e operante do próprio Senhor no meio da comunidade.

6. Neste Ano Jubilar da Misericórdia, não deixemos Deus por mãos alheias e coração alheio. Empenhemo-nos no anúncio do Evangelho, que é «a primeira caridade» para este mundo (Novo millennio ineunte, n.º 50; Evangelii gaudium, n.º 199). E não nos esqueçamos nunca que só «a caridade das obras garante uma força inequívoca à caridade das palavras» (Novo millennio ineunte, n.º 50).

7. Derramemos, pois, com abundância, amados irmãos no sacerdócio e no batismo, este óleo da alegria, que Deus nos confiou.

Senhor Jesus, faz da tua Igreja uma sarça
Ardente de amor diante dos nossos olhos,
Alimenta-lhe o fogo com o teu óleo sagrado que abrasa de amor a terra inteira,
Faz que aquela chama dia a dia nos incendeie e nos chame
E que nós saibamos responder sempre: “Eis-me aqui”.

Dá à tua Igreja ternura e coragem e aragem:
A coragem da ternura e a aragem que nos limpa o coração e o olhar.

Aceita, Senhor, as nossas lágrimas e sorrisos,
E torna-nos próximos e acolhedores de quem está só, triste e sem esperança.
Faz uma fogueira com as nossas maldades,
E mesmo que nos desviemos de Ti,
Quando para Ti voltarmos,
Cobertos de lama e de pó,
Lava com sabão de amor o nosso coração,
Ainda antes de Te pedirmos perdão.

Lamego, 24 de março de 2016, Quinta-Feira Santa, Homilia na Missa Crismal

+ António, vosso bispo e irmão