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Maternidade de substituição em “barrigas de aluguer”
Antes de entrar no tema que hoje proponho aos meus leitores, complexo e polémico, faço questão de afirmar a minha compreensão total pelos casais que muito desejam ter filhos e não os podem ter, por razões de saúde ou deficiência fisiológica. Em vez do que passo a expor, talvez seja mais natural e menos perigoso recorrer à adopção de uma ou mais crianças que estão à espera de quem as ame e as ajude.
No passado dia 13 de maio – não sei se por obra do acaso ou por opção intencional dos seus autores – foi apresentada na Assembleia da República uma proposta do Bloco de Esquerda que acabou por ser aprovada com o apoio favorável de quase todos os deputados do P.S., do Partido Ecologista ‘Os Verdes’, do PAN – Pessoas, Animais e Natureza, e de 24 deputados do Partido Social Democrata.
Logo a seguir, no dia 17, foi aprovado também o alargamento da procriação medicamente assistida – que envolve a existência de bancos de óvulos e de esperma – a mães solteiras ou a viver em união de facto com outra mulher, o que até então só estava legalmente acessível a casais ou a uniões de facto heterossexuais.
A proposta que tornou legal a “maternidade de substituição” abrange o caso de mulheres com “ausência do útero, ou com doença ou lesão desse órgão que impeça de forma absoluta e definitiva a gravidez”, não podendo envolver contrapartidas materiais, e excluindo os casos de homens homossexuais.
Comummente conhecida como “barriga de aluguel”, a gestação por substituição é a técnica de reprodução humana artificial na qual há a cooperação de uma terceira pessoa, neste caso obrigatoriamente uma mulher, nomeada mãe substituta ou mãe de aluguer, para a consumação da gestação.
Vejamos o que dizem os Pastores da Igreja sobre o assunto.
O Papa, na sua Exortação “Amoris Laetitia”, diz: “Também se expressa preocupação com a “possibilidade de manipular o acto procriativo”, independentemente da “relação sexual entre homem e mulher. Assim, a vida humana, bem como a paternidade e a maternidade, tornaram-se realidades componíveis e decomponíveis, sujeitas de modo prevalecente aos desejos dos indivíduos ou dos casais”. “Não caiamos no pecado de pretender substituir-nos ao Criador”.
No comunicado final dos bispos portugueses, na sua reunião em Fátima de 29 de Abril a 1 de Maio do ano corrente, pode ler-se o seguinte: “Estando em apreciação na Assembleia da República uma proposta de alteração legislativa no sentido da legalização, em determinadas condições, da maternidade de substituição, vulgarmente conhecida por «barriga de aluguer», os Bispos não podem deixar de manifestar o seu total desacordo a essa proposta”.
“A aspiração à maternidade e paternidade não pode traduzir-se num pretenso direito ao filho, como se este pudesse ser reduzido a instrumento”. “A mãe gestante não pode, também ela, ser instrumentalizada e reduzida a uma incubadora, como se a gravidez não envolvesse profundamente todas as dimensões da sua pessoa e a obrigação de abandono do seu filho não contrariasse o mais forte, natural e espontâneo dos deveres de cuidado”.
E o actual presidente da Conferência Episcopal, D. Manuel Clemente, pedia e esperava que as pessoas envolvidas na discussão e na decisão ponderassem bem o que está em causa, lembrando: “Não se trata de qualquer coisa acessória”. “A relação uterina entre aquela que gera e aquele que está a ser gerado é muito forte”.
Sobre tal assunto, gostaria de dizer o seguinte:
- A proposta apresentada no parlamento sofre desde logo de enfermidade democrática. Pergunto: quem deu aos senhores deputados o poder de legislar e decidir sobre um tema tão fracturante sem ouvir a voz do povo, já que tal proposta nem sequer constava dos programas eleitorais dos partidos que lhe deram o seu voto favorável? Infelizmente, já nos vamos habituando a estes usos e abusos dos senhores deputados quando lhes dá na gana, decidindo a seu bel-prazer, sobre assuntos de gravíssimas consequências, nas costas do povo, como se fossem eles os donos do país e senhores da consciência dos cidadãos que os escolhem.
- Considero todas estas técnicas, tão frias e como mecânicas, uma exploração humana, uma falsificação da vida, e uma instrumentalização da mulher.
- Ninguém conhece as graves e perigosas consequências que podem advir dessa “engenharia inovadora”, tanto para as pessoas envolvidas como para as que hão-de nascer desse processo. Por exemplo: “ O que acontecerá se uma criança tiver uma malformação, ou nascer com deficiência grave? Quem vai ficar com ela? Quem a gerou, ou quem a encomendou? No caso de se decidirem sobre o aborto, quem é que se responsabiliza pela decisão? A mãe que encomendou a criança ou a que está a gerá-la? Se no final dos nove meses, a mulher que gerou a criança não a quiser entregar, o que acontece? Manda-se a GNR para lha tirar à força? Quem é depois a mãe biológica da criança assim gerada? A mulher que a gerou, ou a mulher que encomendou o serviço (e se calhar até o pagou por alto preço, mesmo que por baixo do tapete ou da cortina…)? E se a mulher que faz a gestação por encomenda de outrem tiver graves problemas de gravidez? Estará disposta a levar a gravidez até ao fim? E nessa situação, fica tudo “numa boa”? E se morrer de parto? Quem indemniza a família? E se a mulher gestora tiver vontade de fumar ou necessidade premente de tomar algum medicamento que prejudica a criança e o seu desenvolvimento? Sabendo ela que a criança não é dela, que não vai ficar com ela, que não ganha nada com isso…, vai renunciar a isso tudo e pôr até em risco a sua saúde e a sua vida? Estamos a legislar para um mundo ideal, de pessoas todas boas e angélicas, que não existe e que nunca existirá!
No comunicado dos bispos diz-se ainda: “A criança nascida de uma mãe contratualmente obrigada a abandoná-la, não pode deixar de sofrer com o trauma desse abandono, conhecidos que são cada vez mais os laços que se criam entre mãe e filho durante a gestação. A mãe gestante não pode, também ela, ser instrumentalizada e reduzida a uma incubadora, como se a gravidez não envolvesse profundamente todas as dimensões da sua pessoa e a obrigação de abandono do seu filho não contrariasse o mais forte, natural e espontâneo dos deveres de cuidado”.
Eduardo Sá, conhecido psicólogo clínico, professor de psicologia clínica e investigador na área do feto e do bebé, que discorda da lei, assim comenta: “Carregar apenas um bebé no ventre não faz de uma mulher, mãe. Mas também não faz dela apenas a transportadora de um bebé”.
Sob a capa do progressismo, e com a preocupação dos votos, muitas aberrações se cometem.
Nem tudo o que é legal é bom, honesto, conveniente e verdadeiro.
Penso que este é um dos casos. Mais tarde se verá.
Pe. CORREIA DUARTE
in Voz de Lamego, ano 86/26, n.º 4365, 31 de maio de 2016
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