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Archive for 05/06/2016

Gala Resgate Sorrisos | Apontamento social

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Foi em 2007. Alexandra Borges foi ao Gana fazer uma reportagem sobre a escravatura infantil nos lagos; crianças vendidas aos pescadores e forçadas a permanecer em pequenos barcos, muitas vezes sem água ou comida, trabalhando horas a fio. Chocou-se com o que viu: apesar de em teoria saber o que se passava, a realidade que encontrou foi demasiado forte para esta jornalista, e ela sentiu que não podia ficar sem fazer nada – dois anos depois criou a Associação “Filhos do Coração”, com o apoio de amigos e familiares, e começou a resgatar crianças pagando por elas aos seus “patrões” e albergando-as, alimentando-as, vestindo-as e dando-lhes carinho e educação. Até hoje foram já salvas noventa e três crianças, mas muitas mais necessitam de ajuda, e a luta para obter fundos que permitam manter a associação é constante; disto é exemplo a Gala Resgate Sorrisos, que se realizou Sábado, 28 de Maio, na Alfândega do Porto, com a presença de vários artistas (Mariza, Ricardo Araújo Pereira, Ana Sofia, Isaac, Kika, Rita Spider, Sankofa), os quais colaboraram de forma generosa, como é apanágio do nosso povo sempre que é solicitado.

Também a Quinta Vale D’Aldeia, a Candle, e o pinto Diogo Navarro quiseram ajudar, com vinhos, velas e quadros que podem ser adquiridos no site da associação (www.filhosdocoracao.org), onde qualquer um de nós poderá também tentar perceber a melhor forma de ajudar.

Esta associação está já a mudar mentalidades no próprio povo do Gana, ajudando a encarar como sendo tráfico, abuso e escravatura uma situação até aqui entendida como normal e aceitável, e valorizando as crianças como seres humanos e não como apenas “força de trabalho barato” – tanto que o Governo já criou um Ministério da Mulher e da Criança, e hoje é a própria Segurança Social que resgata crianças e pede ajuda à associação para as abrigar.

Muito gratas aos portugueses, estas crianças que receberam já na “sua casa” a visita de muitos voluntários (que tratam sempre por “mummy”) necessitam de toda a ajuda que lhes possamos dar. E pensando no que já sofreram (e muitas ainda sofrem!) merecem o nosso apoio – afinal, quanta angústia, quanto desespero, quanta falta de esperança, deveriam ter nos seus corações para que num lago onde estavam milhares de crianças o silêncio fosse total!? “Silêncio ensurdecedor”, como Alexandra o definiu! Que contraste com os nossos barulhentos recreios, escolas e catequeses… Que bom é ouvir as nossas crianças…

Todos ficaremos mais felizes quando as crianças dos lagos do Gana se tornarem também barulhentas, como todas as crianças felizes são.

IM, in Voz de Lamego, ano 86/26, n.º 4365, 31 de maio de 2016

SUPORTAR COM PACIÊNCIA AS FRAQUEZAS DO NOSSO PRÓXIMO

suportar_paciência_fraquezasA penúltima obra de misericórdia espiritual convida a não desesperar diante dos limites do outro, mas antes a suportar com paciência as suas fraquezas. O enunciado é longo e provocador, já que tendemos a esgotar rapidamente tal virtude e facilmente nos convencemos que os erros dos outros são sempre mais graves que os nossos!

Num entanto, como todas as restantes OM, também esta convida a construir comunidade, o que não se consegue sem uma grande dose de compreensão perante os limites e falhas dos outros. O menos bom que o outro protagoniza e me incomoda é uma oportunidade para, com humildade, reconhecer que posso ser incómodo e motivo de perda de paciência para os outros.

Pela sua maneira de ser e de estar, os outros podem causar-me aborrecimento (irritação) e ameaçar a minha comodidade:

– porque se apoderam do alheio, invadem espaços e privacidades ou ferem com atitudes e palavras;

– porque perturbam os nossos privilégios e a nossa “zona de conforto” com os seus pedidos;

– porque estorvam com a sua presença e melhor seria serem invisíveis;

– porque são diferentes de nós, quer nas convicções quer nos comportamentos.

Há presenças e vozes que incomodam, mas é exigente e oportuno o desafio que o Papa Francisco tantas vezes tem feito: combater a “globalização da indiferença”. E cumprir esta OM significa “querer viver com os outros”, inclui-los, mais do que ignorá-los.

Neste contexto, como viver misericórdia? Talvez a resposta passe por:

– consertar o olhar para distinguir entre as situações que causam dano e as que não o causam. Porque a misericórdia não dispensa a justiça e a responsabilização;

– adoptar a comunhão, procurando a proximidade, mesmo daqueles que são diferentes ou dos que falham.

Por outro lado, o termo “suportar” tem hoje uma conotação negativa, dando a ideia de que é sinónimo de “estar debaixo”, ser obrigado a aguentar algo ou alguém desagradável e pesado, qual escravo submisso. Mas o termo significa originariamente “estar de pé” diante de alguém, com firmeza, mantendo-se firme e resistindo com paciência. Não se trata, então, de uma atitude de fraqueza, demissão ou resignação, mas de uma atitude forte, consciente e responsável diante das adversidades ou confrontado com os limites e as diferenças que marcam o próximo. Assim, suportar com paciência não é sinónimo de masoquismo, mas vontade de querer compreender e aceitar o outro nas suas fragilidades.

Depois, “perder a paciência” é algo de comum e fácil, mas “manter a paciência” é algo de construtivo e revela, muitas vezes, heroísmo (no casal, na família, na vida profissional, na comunidade…). Nos relacionamentos humanos, quantos obstáculos não foram levantados e quantas pontes não se edificaram graças à paciência? A nossa falta de paciência só complica a vida dos outros e não torna a nossa mais alegre.

Mas também é verdade que ninguém consegue ser paciente com os outros se não for paciente consigo mesmo.

JD, in Voz de Lamego, ano 86/26, n.º 4365, 31 de maio de 2016