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Archive for Novembro, 2020

Editorial da Voz de Lamego: Em busca do que somos

Não podemos voltar ao passado, mas devemos tornar-nos aquilo que somos como pessoas. É o desafio permanente do cristão, tonar-se aquilo que é pelo batismo, filho amado de Deus. Estamos enxertados em Cristo, morremos com Ele e com Ele ressuscitamos novas criaturas, ajustando a nossa vida com a d’Ele e fazendo com que a nossa vontade esteja sincronizada com a d’Ele. É também essa a missão de Jesus: “O meu alimento é fazer a vontade d’Aquele que me enviou e realizar a sua obra” (Jo 4, 34). O discipulado consiste em O seguir. “Como O Pai Me enviou, assim também Eu vos envio a vós” (Jo 20, 21), “Vós sereis meus amigos, se fizerdes o que vos mando” (Jo 15, 14).

Vamos iniciar um novo ano litúrgico e cada novo ano, seja civil, seja, neste caso, litúrgico, desafia-nos a avaliar o caminho percorrido e a traçar propósitos que nos façam avançar, confiantes, seguros e disponíveis para lidar com o dia a dia, com as suas adversidades e com as suas bênçãos, comprometendo-nos, mais e mais com aquilo que nos torna mais humanos, mais cristãos, comprometidos na transformação do mundo, o que passa pela nossa conversão. Parar é morrer. Mais vale, como muitas vezes nos tem dito o Papa Francisco acerca da Igreja, mais vale sair e ter um acidente do que ficar parado a ganhar mofo. É a nossa condição humana. É a nossa vocação cristã. No dizer de Blaise Pascal, “o homem ultrapassa infinitamente o homem”. Fomos criados por Deus para as alturas, para coisas grandiosas. A nossa condição humana pode transparecer egoísmo, mas a nossa identidade primeira, o primeiro amor, de Deus por cada um de nós, desafia-nos a acolher o Seu projeto: sermos felizes. Como disse o Santo Padre aos jovens: “Não fomos feitos para sonhar os feriados ou o fim de semana, mas para realizar os sonhos de Deus neste mundo. Ele tornou-nos capazes de sonhar, para abraçar a beleza da vida. E as obras de misericórdia são as obras mais belas da vida”.

A nossa busca, incessante, é voltar, não atrás, mas a efetivar o que somos em potência, pela graça do Batismo. É sugestiva a música da dupla Carlos Tê/Rui Veloso: “Nunca voltes ao lugar / Onde já foste feliz / Nunca mais voltes à casa / Onde ardeste de paixão / Só encontrarás erva rasa / Por entre as lajes do chão / Nada do que por lá vires / Será como no passado / Não queiras reacender / Um lume já apagado / Por grande a tentação / Que te crie a saudade / Não mates a recordação / Que lembra a felicidade / Nunca voltes ao lugar / Onde o arco-íris se pôs / Só encontrarás a cinza / Que dá na garganta nós”.

A Nicodemos, Jesus responde precisamente: “Quem não nascer de novo, quem não renascer da água e do Espírito Santo, não poderá entrar no reino de Deus” (Jo 3, 3.5). São elucidativas as palavras do Papa, no último domingo [ver homilia, página 7]: “A vida é o tempo das escolhas vigorosas, decisivas e eternas. Escolhas banais levam a uma vida banal; escolhas grandes tornam grande a vida. De facto, tornamo-nos naquilo que escolhemos, tanto no bem como no mal. Se escolhemos roubar, tornamo-nos ladrões; se escolhemos pensar em nós mesmos, tornamo-nos egoístas; se escolhemos odiar, tornamo-nos rancorosos; se escolhemos passar horas no telemóvel, tornamo-nos dependentes. Mas, se escolhermos Deus, vamo-nos tornando dia a dia mais amáveis e, se optarmos por amar, tornamo-nos felizes”.

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 91/03, n.º 4585, 24 de novembro de 2020

Editorial da Voz de Lamego: O encontro com o Senhor do Tempo

O tempo é uma espécie de espiral que se enlaça entre lutos e vidas novas, entre fins de ciclos que nos conduzem para novas situações e novos projetos. Com efeito, como seres humanos somos constituídos no tempo e inseridos no espaço, somos presente, enraizados no passado e impelidos para o futuro. As memórias solidificam o que somos e as capacidades que temos, permitem-nos caminhar entre as coisas boas que já fizemos, as menos boas que queremos e podemos evitar, para que na atualidade não sejamos fantasmas do que fomos. Por outro lado, como o amanhã pertence a Deus, olhamos para o futuro com esperança, pois Aquele que está no início também vai estar à nossa espera no final do caminho; Quem nos gerou para vida também garantirá que a nossa vida não se perde.

No final do ano litúrgico, particularmente nas parábolas de Jesus, que o Evangelho nos serve aos Domingos, somos colocados diante do Senhor do Tempo, como Juiz benevolente e Pai misericordioso.

No entretanto, sem Se ausentar, alheado e distante, Deus confia-nos o mundo, dá-nos o tempo, gratuitamente, os dons e os talentos, para que cuidemos uns dos outros e para administrarmos os bens da criação. A perspetiva não é o açambarcamento, mas a partilha que multiplica o que se dá! Como sublinha D. António Couto, o pecado dos primeiros pais não foi o comerem do fruto da árvore, mas o facto de o recolherem e o reterem só para si mesmos, sem deixar nada para outros. O que Deus dá não é para esconder, para guardar, mas para dividir. O que guardamos perde-se, o que damos multiplica-se.

No final da caminhada, Ele estará, como sempre, à nossa espera. Ajustamos contas, não com um estranho, mas com Alguém que nos conhece e que conhecemos. Precede-nos na vida e espera por nós para nos acolher na Sua habitação eterna.

O Reino de Deus é comparável a 10 virgens que esperam para receber e acompanhar o noivo ao banquete nupcial. Esperamos, não de braços cruzados, mas ativamente, vigilantes. Quem vai para mar prepara-se em terra. Parte do grupo prepara-se e leva azeite nas candeias e de reserva nas almotolias. As outras apostam na sorte: ou que o noivo venha cedo ou alguém possa ajudá-las caso fiquem sem azeite. Na verdade, somos responsáveis uns pelos outros. Mas há a responsabilidade pessoal, os outros não nos substituem, não vivem por nós. Deus não vive na nossa vez.

O reino de Deus é comparável àquele homem que partiu de viagem e confiou cinco talentos a um servo, dois a outro e um a outro. Os primeiros duplicaram o valor. O último, com medo, escondeu o talento, não produzindo. Não arriscou nada. O cristão é alguém que tem que arriscar. [Cf. Homilia do Papa Francisco no Dia Mundial dos Pobres, na página sete desta edição] O que nos é dado não é para devolver a Deus como Ele no-lo confiou, mas para o multiplicarmos, no cuidado por toda a criação, especialmente pela humanidade, e sobretudo na atenção privilegiada aos mais pobres, ao jeito de Jesus, traduzível na práticas das obras de misericórdia. No final seremos julgados pelo que fizemos aos mais pobres. É Jesus quem no-lo diz: o que fizeste aos mais pequeninos foi a Mim que o fizeste. A vida eterna começa em terra. O amanhã decide-se hoje, o final inicia-se na história e no tempo para que diante do Senhor do Tempo a nossa vida lhe seja entregue preenchida de amor.

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 91/02, n.º 4584, 17 de novembro de 2020

Editorial Voz de Lamego: Trump e Biden, conspirações e palhaçadas

Uma das notícias destes dias é a eleição do novo Presidente dos EUA, que tudo indica será Joe Biden, candidato democrata, derrotando o até aqui Presidente republicano Donald Trump. Lance-se o fogo de artifício, o mundo está a mudar! Agora até a pandemia vai chegar ao fim! A economia vai integrar os milhões de pobres; a liberdade, a igualdade e a fraternidade terão de novo cidadania!

Uma dose de confiança faz-nos bem, mas talvez o Presidente dos EUA, seja ele quem for, esteja mais preocupado com as intrigas internas, com a manutenção do status quo dos membros do partido, nos faça perceber que o país continua a dominar o mundo, e exiba acordos de paz, enquanto vende armamento armazenado para renovar os seus novos arsenais.

Isto pode parecer cinismo! Uma dose de esperança, ou de expetativa, faz-nos bem, porque nos mobiliza e nos empenha na transformação do mundo. No dia em que deixarmos de acreditar, começaremos a morrer. A eleição do Presidente da maior potência do mundo deve ser vista como um motivo de esperança e, por maioria de razão, quando chega ao final um dos mais controversos mandatos presidenciais.

Os norte-americanos são peritos em teorias da conspiração. Donalt Trump potenciou ao máximo estas teorias. Conspirações nas eleições, nas anteriores e nas atuais, conspirações na “criação” e expansão do contágio do novo corona vírus. Não é o primeiro a atribuir uma situação negativa, por culpa própria ou alheia, a conspirações, que muitas vezes não passam de desculpas e justificações. Não é exclusivo dos EUA, em muitos outros países acontece, em ditaduras, mas também em democracias, nos partidos, nos clubes e na Igreja. Há quem suspeite de tudo e de todos, numa preocupação excessiva por manter o estatuto ou o poder, há líderes (fracos) que veem conspiração em toda a parte, sentem-se ameaçados ou inseguros, esperam aplausos por tudo e por todos, independentemente dos méritos, não admitindo ideias diferentes, alternativas, visões que ajudem a melhorar as coisas. Claro que as conspirações existem, como sempre existiram, e, na maioria das vezes, vêm dos círculos mais próximos.

Mas, por outro lado, eu só votaria no Biden como se fosse um mal menor. No primeiro debate entre os dois candidatos, Joe Biden nunca olhou nos olhos do seu adversário e a única frase relevante que fixei foi: cale-se, palhaço. Cale-se, palhaço! Um candidato a Presidente da maior potência do mundo, com idade para ter juízo, chamar palhaço ao ainda Presidente, é no mínimo surrealista!

Que lições podemos tirar destas duas personagens?

Para nós cristãos o modelo por excelência é Jesus. São paradigmáticas as palavras de Jesus aos Seus discípulos, desejosos de constituírem um grupo fechado, excluindo outros, mesmo que façam o bem: “Ninguém fará uma ação em Meu nome e logo de seguida dizer mal de Mim; quem não é contra nós, é a nosso favor” (Mc 9, 39-40). Jesus Cristo, no final, foi vítima de conspiração, mas em nenhum momento Se deixou manietar pelos adversários ou mesmo pelos discípulos, sabia de que somos feitos, mas ainda assim apostou e aposta em nós, porque em nós habita a Sua santidade, ainda que sejamos habitados também pelas nossas limitações e pelo nosso egoísmo.

Não sei se aprenderíamos com o Biden a lidar com os nossos adversários, mas aprendemos com Jesus. Ele olha-nos nos olhos. O olhar de Jesus é uma constante. Olhos nos olhos. Mesmo os Seus adversários sentem um olhar terno, próximo, transparente. Quem não consegue olhar os outros nos olhos só pode esconder uma grande insegurança ou uma grande mentira.

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 91/01, n.º 4583, 10 de novembro de 2020

Falecimento da Mãe do Pe. Vasco Pedrinho


Deus, na Sua infinda Misericórdia, na Sua infinita Sabedoria, chamou à Sua presença, no dia 10 de novembro, a Sra. D. Abília de Oliveira, mãe do reverendo Pe. Vasco Oliveira Pedrinho, que é pároco de Alvarenga, de Cabril, de Ester e de Parada de Ester e é natural da Paróquia de Magueija.

O Sr. Bispo, D. António Couto, em nome do presbitério de Lamego e da Diocese manifesta as suas condolências ao reverendo Padre Vasco, aos demais familiares e amigos, unindo-se neste momento de dor, mas igualmente ressalvando a esperança na ressurreição dos mortos e a vida eterna, confiando esta nossa irmã ao Deus da vida. À família, que sempre viveu num ambiente de fé e de forte ligação à Igreja, o Sr. Bispo agradece o testemunho da vivência cristã e a fidelidade e serviço à Igreja, certo que a Sra. Abília continua, agora na eternidade, a fazer parte dos que pertencem a Cristo e com Ele morreram e ressuscitaram, no Batismo e, depois, para a vida eterna.

As Exéquias fúnebres realizam-se em dia de São Martinho, na Igreja Matriz de Santiago de Magueija, pelas 15h00, prosseguindo o funeral no cemitério local.

Deus lhe conceda a vida eterna e aos seus familiares e amigos a consolação das palavras da fé.

Padre Domingos da Silva Pereira » 1928 – 2020

Deus, na Sua Misericórdia infinita, fez regressar a Casa o Seu filho Domingos da Silva Pereira, sacerdote, neste dia 5 de novembro de 2020, em vésperas de completar 93 anos de idade. Nasceu a 30 de dezembro de 1928, na paróquia de Magueija, onde irá a sepultar, a 6 de novembro, pelas 15h00, seguindo as normas da Direção Geral de Saúde e as orientações da Conferência Episcopal Portuguesa.

Foi ordenado sacerdote a 6 de julho de 1952.

Durante anos foi ecónomo do Seminário Maior de Lamego.

Nos últimos anos acolheu-se às Lareiras – Centro Social Filhas de São Camilo (As Lareiras).

O Sr. Bispo, D. António Couto, em comunhão com o presbitério e com a diocese de Lamego, a que preside, manifesta as condolências aos familiares e amigos, sublinhando a esperança na Ressurreição e na Vida eterna. A Deus confia a vida deste irmão no batismo e no sacerdócio, agradecendo o dom da vida e do ministério sacerdotal, convidando-nos à oração confiante, na certeza da fé numa vida que não acaba, mas se transforma, como diz São Paulo, para que, desfeita a morada terreste, entremos, em definitivo, na habitação eterna, não feita por mãos humanas, mas pelo amor infindo de Deus.

Ao Padre Domingos, Deus lhe conceda o prémio dos justos e a todos quantos choram a sua partida deste mundo a consolação das palavras da fé, na esperança de um dia nos encontrarmos todos na comunhão com Deus, nosso Pai, em Jesus Cristo, nosso irmão, na ação do Espírito Santo.

Editorial Voz de Lamego: Esquecer a morte é morrer

Atravessamos o mês de novembro, mês das almas. Iniciámo-lo com a Solenidade de Todos os Santos e com a Comemoração dos Fiéis Defuntos. Dois dias que nos falam especialmente do fim, mas também de um caminho que nos levará à presença definitiva junto de Deus.

São dias, ou um mês, em que o cemitério recebe mais visitas, ainda que haja quem o faça muitas vezes. Alguns porque ainda não conseguiram recompor-se da “partida”, outros, porque fizeram disso um ritual de luto, pois sabem que existiu uma história que as levou ali, mas não acaba ali. Pessoas que, mesmo recompostas, recordam e saúdam aqueles com quem construíram a vida e partem da visita ao cemitério com a certeza de que vida continua, com novas memórias, que não destroem as anteriores, mas que permitem viver com gratidão e firmeza.

A comemoração dos fiéis defuntos, em particular, recorda-nos da fragilidade e finitude; é oportunidade de gratidão para com aqueles que nos trouxeram à vida e nos legaram valores, nos introduziram na sociedade, nos enxertaram na fé. É um desafio a construirmos um mundo melhor, mais fraterno e saudável, para o “passarmos” aos nossos filhos e netos, para que também eles construam a história.

Aproveitando as memórias das redes socias, recuperamos uma intervenção do Papa Francisco, há pouco mais de um ano que nos faz refletir sobre a morte, sobre o fim. “É a morte que permite que a vida permaneça viva! É o fim que permite que uma história seja escrita, um quadro pintado, que dois corpos se abracem”. Mas o fim, alerta o Santo Padre, “não está só no final. Talvez devêssemos prestar atenção a cada pequeno fim da vida quotidiana. Não só no final da história, que nunca sabemos quando termina, mas no final de cada palavra, no final de cada silêncio, de cada página que se escreve. Só uma vida que é consciente deste instante que termina, torna este instante eterno”.

Quando visitamos um cemitério, quando participamos num funeral, quando vemos morrer aqueles que caminham ao nosso lado, mais facilmente nos lembramos que um dia também o nosso fim chegará. Lamentamos, tomamos consciência que há muitas coisas que não valem a pena. Mas passa o momento e voltamos aos nossos afazeres, preocupações e azáfamas.

Vale a pena prosseguir com a reflexão do Papa, que nos diz que a morte nos faz saber da impossibilidade de ser, compreender e englobar tudo, “é uma bofetada na nossa ilusão de omnipotência. Ensina-nos na vida a relacionarmo-nos com o mistério. A confiança de pular no vazio e perceber que não caímos, que não afundamos, que desde sempre e para sempre há Alguém ali para nos sustentar. Antes e depois do fim”. O mundo atual sacraliza a autonomia, a autossuficiência, a autorrealização, centra-nos em nós, faz-nos pensar que somos o fim, que não adianta pensar no final, o que faz com que vivamos como se fossemos os donos disto tudo, agindo como nos dá na real gana, sem pensarmos no fim. “Uma cultura que esquece a morte começa a morrer por dentro. Aquele que esquece a morte já começou a morrer. As três mortes que nos esvaziam a vida! A morte de cada instante. A morte do ego. E a morte de um mundo que dá lugar a um novo. Lembrai-vos, se a morte não tem a última palavra, é porque na vida aprendemos a morrer pelo outro”.

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 90/47, n.º 4582, 3 de novembro de 2020