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Archive for Maio, 2022

Editorial Voz de Lamego: Não se perturbe o vosso coração

Há uma semana, o editorial tinha como título: só se vive uma vez. Tinha partido de uma música, conhecida, que passou num momento de festa e confraternização, após o matrimónio do meu irmão Augusto e da minha cunhada Paula. O que a letra sugeria, parece que ganhou um sentido mais premente.

Recuperando um pouco do editorial: “Se nós soubéssemos que amanhã já não estamos (fisicamente) por cá, talvez acelerássemos algumas tarefas e compromissos, para deixarmos resolvido, para vivermos. Como não sabemos, também não o devemos adiar, pois o futuro só a Deus pertence. Ele dá-nos o tempo atual como presente para desfrutarmos, para vivermos, para construirmos um mundo fraterno, que seja casa de todos e para todos. Há quem não viva hoje à espera de viver o amanhã, de melhores dias e melhores circunstâncias que não chegam ou quando chegam já é demasiado tarde”.

Estou certo que o meu irmão viveu dias muito felizes, muito preenchidos, dando o melhor, recebendo o melhor da vida, da família, dos amigos e, especialmente, da esposa. Muitas vezes, e nós padres fazemo-lo quase constantemente, repetimos o desafio a viver o dia de hoje como presente que Deus nos dá, pois não saberemos se amanhã estaremos (fisicamente) por cá. Então, sem medos, sem pressas, sem ansiedade, vivamos! Digamos hoje o que temos a dizer! Amemos hoje, cuidemos hoje, perdoemos hoje, pois o HOJE torna-se eterno.

Quando se aproxima a Sua hora, Jesus prepara e sossega os seus amigos mais íntimos: «Não se perturbe o vosso coração; acreditai em Deus e acreditai em mim. Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se assim não fosse, ter-vos-ia dito que vos vou preparar um lugar? E, quando Eu tiver partido e vos tiver preparado um lugar, virei de novo e levar-vos-ei comigo, para que onde Eu estou, estejais vós também» (Jo 14 1-3).

As palavras de Jesus só serão compreendidas a posteriori. «Disse-vos estas coisas para que a minha alegria esteja em vós, e a vossa alegria seja completa» (Jo 15, 11). E Jesus prossegue, dizendo: «Mas, porque vos disse estas coisas, a tristeza encheu o vosso coração… haveis de chorar e lamentar-vos, mas o mundo alegrar-se-á; vós ficareis tristes, mas a vossa tristeza tornar-se-á alegria… vós agora sentis tristeza, mas Eu hei de ver-vos de novo, e o vosso coração alegrar-se-á, e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria… Até agora, nada pedistes no meu nome; pedi e recebereis, para que a vossa alegria seja completa… disse-vos estas coisas para que em Mim tenhais paz. No mundo tereis tribulações. Mas tende coragem: Eu venci o mundo!» (Jo 16).

Parafraseando Toltói, a alegria é semelhante para todos, a tristeza cada um a vive à sua maneira. Não seremos capazes de nos colocarmos no lugar dos apóstolos, quando Jesus lhes diz que vai ser morto ou quando Jesus morre de facto. As palavras de Jesus são também para mim, para nós. O anúncio da partida, da separação física gera um emaranhado de sentimentos, um certo entorpecimento… a fé desafia-nos a acolher os desígnios de Deus, mesmo quando são inusitados, quando chegam fora do tempo que julgávamos ter. Jesus volta à vida, ainda que numa dimensão (dinâmica) diferente. Com Ele vivem os que com Ele partem. Assim o creio e assim o espero para o meu irmão Augusto, para que, vivendo em Deus, a Deus reze por todos aqueles que fizeram e fazem parte da sua vida. Agradeço a Deus os momentos que nos deu para apreciarmos a vida, desfrutarmos da presença, agradecermos as pessoas. Como naquele dia, há pouco mais de uma semana, na Sé de Lamego, diante de Deus, abençoando um compromisso para a vida… a mesma vida e a mesma bênção nos liguem ao mistério amoroso de Deus.

Agora a tristeza e o luto, mas logo, a alegria do reencontro, quando Ele vier e nos levar Consigo. Até lá… vivamos agradecidos por tantos momentos, agradeçamos vivendo, como se nunca tivesses partido, porque Deus te quer perto de nós, no nosso coração e na nossa vida. Vida! Sempre. Gratidão e Paz.

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 92/28, n.º 4659, 25 de maio de 2022

Editorial Voz de Lamego: Só se vive uma vez!

Em meados dos anos 90, do século e milénio passados, um duo espanhol, Azucar Moreno, popularizou-se com este tema: Sólo se vive una vez! Deixamos o ritmo para quem o tiver, e partirmos deste desafio que perpassa na letra desta canção, cheia de vida. “Apaga o televisor… dá marcha ao coração… Se te importa o que dirão e se te querem enrolar, lembra-te bem: só se vive uma vez… Se te querem amargar com problemas… não te deixes convencer: só se vive uma vez”.

Saímos da Semana da Vida (8 a 15 de maio), num indelével convite a acolher, amar, proteger a vida, cuidar dos mais frágeis, as crianças e os idosos, os pobres e as pessoas portadoras de deficiência. Nestes dois meses de guerra, imposta pela Rússia à Ucrânia, multiplicam-se as pobrezas, gerando órfãos, pais que veem os filhos morrer, filhos que deixam os pais para trás, sem esperança de os voltarem a ver, mulheres cujos maridos, companheiros, namorados, noivos estão na linha da frente. Uma guerra gera orfandade e viuvez, gera luto e tristeza, e desolação, medo e vontade de vingança. Os estragos atuais terão reflexo nas próximas gerações. Os edifícios construir-se-ão, os corações levarão muito mais tempo e as famílias, muitas delas, ficarão destroçadas para sempre.

Neste cenário preocupante, o desafio a viver é mais premente. Se nunca sabemos a nossa hora, num contexto de guerra, que pode alargar-se a toda a Europa ou a todo o mundo, a incerteza agudiza-se. A fé, também neste caso, ajuda-nos a relativizar, sem desvalorizar o pecado da violência, da agressão gratuita, dos assassinos em massa em prol do poder, do controlo, da supremacia de uma ideologia ou de um país ou de um líder. A fé garante-nos que a vida não acaba com a morte e que também o tempo de morte e de trevas passará. A história mostra-nos longos períodos de guerra e de embotamento face à duração da mesma. Porém, para quem é agredido, violado, torturado, perseguido, expulso de sua casa, para quem é morto, ferido, ou vê os seus a serem feridos e mortos, não será o tempo a curar, a repor, a compensar, ainda que amenize a dor ou mesmo o desejo de vingança. Nas perdas humanas, só a fé garante a esperança na vida eterna, a certeza de novo reencontro, sem o qual a vida fica a meio, deficitária, por completar.

Se nós soubéssemos que amanhã já não estávamos (fisicamente) por cá, talvez acelerássemos algumas tarefas e compromissos, para deixarmos resolvido, para vivermos. Como não sabemos, também não o devemos adiar, pois o futuro só a Deus pertence. Ele dá-nos o tempo atual como presente para desfrutarmos, para vivermos, para construirmos um mundo fraterno, que seja casa de todos e para todos. Há quem não viva hoje à espera de viver o amanhã, de melhores dias e melhores circunstâncias que não chegam ou quando chegam já é demasiado tarde.

Jesus, numa página da Sua vida (histórica), tranquiliza os Seus discípulos, desafiando-os: «Não vos preocupeis com o amanhã, porque o amanhã preocupar-se-á consigo próprio. A cada dia bastam os seus males».

Mas atenção, não se trata de despreocupação ou de demissão, mas de compromisso e empenho em viver e em cuidar da vida, das pessoas, do mundo que é a nossa casa. Diz-nos Jesus, numa parábola: «A terra de um homem rico deu uma boa colheita. E discutia consigo próprio, dizendo: “Que hei de fazer, dado que não tenho onde recolher os meus frutos?”. Disse, então: “Vou fazer assim: destruirei os meus celeiros e edificarei uns maiores; lá recolherei todo o grão e os meus bens. E direi à minha alma: “Alma, tens muitos bens em depósito para muitos anos: descansa, come, bebe e regala-te!”. Mas Deus disse-lhe: “Insensato! Esta noite a tua vida ser-te-á reclamada. O que preparaste, para quem será?”. Assim acontece àquele que acumula para si e não se torna rico diante de Deus».

Se conjugarmos os dois textos, vivamos hoje, sem adiamentos, empenhados em sermos bênção e casa uns dos outros.

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 92/27, n.º 4658, 18 de maio de 2022

Editorial Voz de Lamego: Rezai o terço todos os dias

Um dia Jesus disse aos Seus discípulos para rezarem sem cessar e sem desfalecer, sem desistir. «Pedi e ser-vos-á dado, procurai encontrareis, batei e abrir-se-vos-á; pois todo o que pede recebe, o que procura encontra, e ao que bate abrir-se-á» (Mt 7, 7ss). Jesus prossegue, dizendo que se os pais dão coisas boas aos filhos, muito mais o nosso Pai do Céu nos dará aquilo que Lhe pedimos.

Na passagem paralela, em São Lucas, Jesus aprofunda esta temática, contando uma parábola: «Quem de entre vós terá um amigo e irá ter com ele a meio da noite para lhe dizer: ‘Amigo, empresta-me três pães, visto que um amigo meu chegou de viagem e não tenho nada para lhe pôr à frente’; e ele, de dentro, respondendo, dirá: ‘Não me importunes, a porta está fechada, e os meus filhos estão na cama comigo; não posso levantar-me para tos dar’? Digo-vos: ainda que não se levante para lhos dar por ser seu amigo, levantar-se-á por causa da falta de vergonha dele e dar-lhe-á tudo quanto necessite».

Numa outra passagem, Jesus conta outra parábola, de uma viúva que insiste com um juiz iníquo, que não teme a Deus nem aos homens. Inicialmente, ele recusa-se, fica indiferente ao pedido, mas finalmente resolve-se, fazendo-o, não por convicção, mas por se sentir incomodado com a insistência. E Jesus conclui: «Ouvi o que diz o juiz injusto. E não fará Deus justiça aos seus eleitos que por Ele clamam dia e noite? Vai fazê-los esperar? Digo-vos que depressa lhes fará justiça. Contudo, quando o Filho do Homem vier, encontrará porventura a fé sobre a terra?»

A parábola, diz-nos o evangelista, é acerca da necessidade de rezar sempre sem desanimar. Mas a concluir, Jesus fala de fé. Mas que tem uma coisa a ver com a outra? Sem fé, a nossa oração é vazia e inútil. Deus responde-nos sempre, mas será que O escutamos? Que confiamos na Sua bondade? Será que acreditamos que Ele quer o melhor para nós?

Nossa Senhora, em Fátima, convida a uma oração simples, acessível a todos. Tal como a mensagem que resulta das diversas aparições, também este apelo está em conformidade com o Evangelho e com o mandato de Jesus. Rezar. Sem cessar. A oração, porém, não é (apenas) a repetição de fórmulas. A oração implica sintonia, ligação, predisposição para acolher. Com efeito, Nossa Senhora pede aos pastorinhos orações pelo Santo Padre, pela paz no mundo e, reiteradamente, pela conversão dos pecadores. A conversão é ação de Deus e Deus pode agir quando e onde quer, mas podemos impedi-l’O de agir em nós, podemos fechar-nos ao Seu Espírito. A oração predispõe-nos a acolhê-l’O. A verdadeira conversão é acreditar em Jesus Cristo, pois se acreditamos n’Ele como Deus feito homem, não temos como não procurar segui-l’O, amá-l’O, imitá-l’O. Muitas vezes queremos que Ele faça a nossa vontade e esperamos que atenda as nossas preces automaticamente. É difícil a espera, é difícil colocarmos a nossa confiança, total e sem condições, em Deus, porque receamos que nos peça algo que não estamos dispostos a realizar. Por outro lado, os desígnios de Deus sempre se esbatem com a vontade humana. Ele criou-nos livres e respeita a nossa vontade. Rezamos pela paz e pedimos que Deus ilumine o coração dos agressores, dos governantes, mas não sabemos até que ponto eles pensam que estão a fazer o bem! Contudo, não deixemos de rezar, pela paz, para que o amor de Deus permite “amolecer” o coração dos homens. Este mês de maio, mês de Maria e de Fátima, rezemos pela conversão dos pecadores, pela paz no mundo, pelo santo Padre e que a “repetição” de “aves-marias” e de “pai-nossos” seja a nossa forma de dizermos: Maria, eu amo-te mas aumenta a minha docilidade para com os outros; Jesus, eu amo-te, mas faz com que me sinta verdadeiro filho, verdadeiramente teu irmão e irmão de todos os que colocas no meu caminho.

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 92/26, n.º 4657, 11 de maio de 2022

Editorial: Levantai-vos! Vamos! Temos muito para andar…

A nossa diocese vive o ano pastoral neste desafio de Jesus aos Seus apóstolos: Levantai-vos! Vamos! (Mt 26, 46). No Jardim das Oliveiras, os guardas aproximam-se para O prender. Depois de intensos instantes de oração e súplica, Jesus desperta os seus amigos mais próximos, para que não se deixem abater pelo sono, pela noite, pela ansiedade ou pelo medo. As horas que estão pela frente não auguram nada de bom. À noite todos os gatos são pardos. A escuridão acentua o medo, pois o espaço é muito fechado, não se sabe quem está a rondar, se há alguém com uma emboscada preparada, ou se há animais perigosos por perto.

A noite proporciona, noutro contexto, recolhimento para a oração, para a escuta, para a introspeção. Pela noite ou de madrugada, Jesus retira-Se para orar. Foi assim também naquele dia, depois da Ceia, Jesus, levando os discípulos, dirige-se para o Jardim das Oliveiras. A oração é audível: Pai, se é possível, afasta de Mim este cálice. Contudo, não Se faça como Eu quero, mas como Tu queres! Os discípulos não puderem vigiar com o Mestre nem uma hora! Adormeceram. Agora, Jesus desperta-os para se levantarem e envolve-os, e a nós também, no caminho a seguir: Vamos! Juntos. Conto convosco no Meu caminho!

O lema da diocese procurou sincronizar com o lema da Jornada Mundial da Juventude: «Maria levantou-se e partiu apressadamente» (Lc 1, 39). A Anunciação dá lugar, rapidamente, à Visitação. O Anjo anuncia a Maria que Ela será mãe do Filho de Deus Altíssimo. Tranquilizando-a, o Anjo informa-a que também a sua prima Isabel, de idade avançada e para lá de todas as possibilidades, está grávida, já no sexto mês. A primeira decisão de Maria é partir. Levantar-se e partir apressadamente para a montanha ao encontro de Isabel, em direção a Ain Karim, povoação nas proximidades de Jerusalém.

Também acerca de Maria podemos usar as palavras do Profeta: «Como são belos, sobre os montes, os pés do mensageiro que anuncia a paz” (Is 52, 7). Nossa Senhor leva uma mensagem de paz e de alegria. A felicidade tende a partilhar-se, multiplicando-se. Maria transporta o Príncipe da Paz e comunica essa bênção a sua prima Isabel. A celeridade de Maria em partir tem esta motivação de levar a Boa Nova, indo também inteirar-se das necessidades de Santa Isabel.

Iniciámos o mês de maio, mês dedicado especialmente a Maria. Ao dedicar-se uma jornada, uma novena ou um mês a Nossa Senhora, tem, pelo menos, dois propósitos. Por um lado, honrar, agradecer, suplicar e louvar a Deus por intercessão da Virgem Mãe. Por outro lado, deixarmo-nos interpelar por Ela, pelas Suas palavras, pela Sua vida. É desafio constante: fazei o que Ele vos disser… imitando-A: Faça-se a Tua vontade!

Numa das belas páginas da Bíblia, o profeta Elias, o grande profeta de Israel, faz-nos balançar entre a fé e o cansaço, entre a determinação e a desistência. Em fuga, sob ameaça da Rainha Jezabel, Elias vagueia pelo deserto durante um dia. No final, sentou-se debaixo de um junípero e clamou: “Basta, Senhor, tirai-me a vida, porque não sou melhor que os meus pais”. Deitou-se por terra e adormeceu. O Anjo do Senhor desperta-o e diz-lhe: “Levanta-te e come”. Comeu, o pão cozido, bebeu, o copo de água e voltou a adormecer. O Anjo voltou a despertá-lo: “Levanta-te e come porque tens um longo caminho a percorrer” (1Reis 19, 1-8). Desta feita, Elias levanta-se, come e, revigorado, põe-se a caminho, andando quarenta dias e quarenta noites até à montanha do Senhor, o Horeb.

Alimentemo-nos do Senhor, da Sua palavra, do Pão da vida, para que não nos falte o ânimo no caminho e que a presença da Virgem santa Maria nos anime nos momentos dolorosos.

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 92/25, n.º 4656, 4 de maio de 2022