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Espuma dos dias: Até que enfim o primeiro infetado português
Desde que o Corona Vírus, rebatizado Covid-19, surgiu no extremo oriente com números alarmantes, a comunicação social portuguesa tem acompanhado o evoluir do surto da doença com muita atenção. O registo dos números, sempre em ritmo crescente, tem acompanhado uma certa expectativa de perceber se este vírus chega ao nosso país ou então a Espanha. No entanto, para gáudio de todas as mentes sensacionalistas e temerárias, esta semana um português a viajar num cruzeiro pelo Japão ficou infetado.
Durante várias semanas, fomos todos testemunhas de inúmeros diretos à porta de hospitais portugueses em que batalhões enormes de jornalistas deram conta de casos “suspeitos”. Era uma senhora que esteve na China, outra que veio num avião com um cidadão belga infetado, etc, etc. Para grande desilusão dessa horda de repórteres, todos os casos suspeitos em Portugal, incluindo a comitiva lusa que estava em Wuhan, deram negativo. Não quero ser adepto do “bota-abaixismo”, mas quase que se percebia a frustração de alguns desses jornalistas. Ora bolas.
Isso não impediu de as mais estapafúrdias teorias da conspiração chegarem ao nosso país. Autênticos boatos em forma de verdade-verdadinha. A que registei, em primeiro lugar, foi a de que teria sido o governo chinês a criar este vírus para controlar o aumento desenfreado da população naquele país (sensivelmente 1,4 biliões de habitantes). Xi (Jinping), o que você foi fazer, seu maroto! Outra informação que andou a circular relacionava-se com a suposta venda de carne chinesa contaminada com o vírus e que já estaria à venda nos talhos portugueses. Estas notícias só não falavam do preço do quilo desta carne infetada.
A China tem sabido estar à altura da responsabilidade. A resposta ao surto, as medidas de quarentena, a construção de hospitais em tempo recorde, tudo me parece muito acertado e dentro do espírito típico chinês de resolver as questões como deve ser. Ainda que a tragédia esteja longe, nada nos garante que não possa chegar a Portugal em breve. E nessa altura conto com o trabalho menos sensacionalista, alarmista de toda a classe jornalística portuguesa. Já alguém imaginou se este surto tivesse começado em Portugal? Como estaríamos agora? O que fariam as autoridades? Marcelo, esse comentador-presidente, o que faria ele?
Fábio Ribeiro, in Voz de Lamego, ano 90/13, n.º 4548, 26 de fevereiro de 2020
Coronavírus – o que realmente precisamos de saber
Os mass media mundiais falam, diariamente, do Corona vírus e mostram números assustadores. Os que morrem, aqui e ali, os infetados com números gordos. Até o grande Carnaval de Veneza deixou de acontecer, como forma de prevenção à não propagação do vírus e os jornais não têm mais assunto do que os casos já registados em Itália.
A Europa que já viu os primeiros casos a chegarem e têm mesmo de ter as autoridades sanitárias a trabalhar para que o surto possa ser disseminado, através dos aeroportos.
Contudo é preciso explicar aquilo que ninguém se dá ao trabalho, porque não se ganham audiências a explicar, mas sim a amedrontar e deixar o Mundo em pânico.
Que o coronavírus infeta alguns animais, talvez já saiba, tais como: aves, morcegos, porcos e até camelos. Alguns deles só infetam aves e mamíferos. Os vírus vão sofrendo mutações e por isso chegaram aos humanos. O que talvez desconheça é que não é a primeira vez que os Coronavírus se propagam ao ser humano, já tinha surgido, em 2002 na Ásia, e em 2013 no Oriente Médio outras variações.
O que se sente quando uma pessoa está contaminada? Muitas pessoas podem ter uma infeção que não se diferencia de um resfriado, e ter sintomas como tosse, cansaço, congestão nasal, entre outros. Que com descanso e medicação para tratar os sintomas e ainda hidratação, facilmente resolve a situação.
Quadros respiratórios mais baixos, que afetem os brônquios levam então a pneumonias que vão necessitar de medicação mais forte.
Porque o número de mortos na China nos faz alarmar? Até, agora, não são conhecidos dados das condições de saúde e de vida de todos os que faleceram se encontravam. Os dados que consegui apurar através do estudo divulgado pelo Centro Chinês de Prevenção e Controlo de doenças demonstra que o índice de mortalidade é de 2, 3%, e cai abaixo do 1% quando se chega a faixa etária entre os 30 e os 40 anos.
Zhong Nanshan, especialista da Comissão Nacional de Saúde na China afirma que os pacientes podem melhorar ” se contarem com um bom apoio médico, tratamento e estando bem nutridos”. No caso do 2019-nCov, ainda não há relato de infeção sintomática em crianças ou adolescentes.
Há algum medicamento específico para eliminar este vírus? Não. Porque é uma mutação recente.
Quanto ao Português que se encontrava no navio mais falado do Mundo, neste momento, o único que sabemos contrair a doença, foi transportado, na terça feira, dia 24 de fevereiro, para o hospital para receber cuidados médicos. Daqui os votos de boa recuperação.
Quanto aos produtos que viajam da China para o todos os Países, incluindo o nosso, não apresentam segundo os especialistas em infeções, nenhum risco para a saúde pública.
Andreia Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 90/13, n.º 4548, 26 de fevereiro de 2020
Entrevista com o Comandante dos Bombeiros de Moimenta da Beira
“Os bombeiros precisam que lhes seja reconhecido o seu trabalho”
José Requeijo, Comandante dos Bombeiros Voluntários de Moimenta da Beira, é entrevistado por Andreia Gonçalves para o nosso jornal.
José Requeijo herdou do pai, não só o nome, como a vocação para se tornar bombeiro. O ídolo deixou-lhe um legado e ensinamentos que o orientam até hoje. O comandante dos Bombeiros Voluntários de Moimenta da Beira diz que “quando a sirene toca o primeiro pensamento é que alguém sem nome, sem cor, sem credo, sem posição política, precisa de ajuda” e por isso é preciso fazer de tudo para salvar vidas….
José Requeijo é, hoje, comandante dos bombeiros voluntários de Moimenta da Beira. Se recuar no tempo o que andaria a fazer há 40 anos atrás?
Bom, 40 anos atrás, foi há muito tempo era eu uma criança, muito jovem ainda, que iniciava o meu percurso escolar na escola primária, talvez na quarta classe, no entanto já vivia o ambiente dos bombeiros pela mão do meu pai que me leva a fardar para a inauguração de um veiculo de combate a incêndios, do mais moderno que havia na região, que ficou famoso pelo nome “Jipão”, um Land Rover com motor a gasolina e que era o primeiro equipado com bomba acopolada e tanque de água de 400 litros, máquina fantástica. Um momento marcante que, ainda, hoje recordo com nostalgia.
O seu pai foi e continua a ser uma referência. Sente a responsabilidade de ser o filho do anterior comandante José Requeijo? Que ensinamentos traz, sempre, consigo?
O meu pai é a minha referência, a minha estrelinha orientadora, o meu conselheiro, o meu ídolo e continua a ser o meu companheiro. Claro, que sentir e verificar, no dia-a-dia que continua a ser uma referência nos bombeiros e, após tantos anos da sua morte, acresce-me, ainda, mais responsabilidade e em permanência, pela sua memória pela sua personalidade e pelos ensinamentos que me deixou. Não raros são os dias que me vejo a pensar em como ele resolveria ou como abordaria determinada situação, os ensinamentos e os seus conselhos são permanentes e diários. Revejo-me muito nele, muitas das minhas decisões são conselhos e aprendizagem desses momentos.
O que é mais difícil para um comandante, lutar pela vida dos outros ou lidar com a morte de alguém?
Difícil separar a dificuldade das duas, pois a ambiguidade da vida e da morte estão intimamente ligadas à nossa missão dos bombeiros. E se por um lado o nosso objetivo primeiro é a salvaguarda da vida, o que nos faz empenhar e aplicar todo o nosso conhecimento, esforço pessoal e profissionalismo, por outro lado e por natureza o ser humano não está preparado para lidar com a morte, muito menos um Comandante que reside num concelho pequeno e conhece toda a população. Sou colocado em situações sensíveis e delicadas que vão para além da função que desempenho tendo que, na maioria das vezes, lidar com sentimentos pessoais e relações próximas que elevam o patamar de tratamento emocional e psicólogo muito forte. Contudo todos estes anos vão-me dando alguma experiência para poder lidar e enfrentar situações desta complexidade. Ler mais…
Editorial Voz de Lamego: Com o olhar fixado na Páscoa
Não há cristão sem a Páscoa de Jesus, pois na Páscoa, Jesus regressa à comunidade, encontra os discípulos, reanima a pouca fé que tinham, cimenta a esperança que a Sua morte fez perigar, ilumina o passado, a história dos últimos três anos daqueles que O seguiram, mas também toda a história da humanidade. Mas, mais importante, faz-nos olhar para o alto, para a frente, para o futuro. Se Este Jesus ressuscitou, se está vivo no meio de nós, então não há lugar para a indecisão, para a indiferença, para o medo paralisante, pois Aquele que ressuscitou Jesus também nos há de ressuscitar a nós.
Agora entendemos, quando Jesus nos dizia: a vossa tristeza transformar-se-á em alegria, e será uma alegria tão grande que ninguém vo-la poderá tirar. É a Páscoa que nos faz agradecidos à história, aos nossos antepassados, aos nossos pais e a todos os que permitiram sermos hoje, a Deus que nos criou e que não nos deixará na mão. Não nos deixará desaparecer.
Então que fazer para ressuscitarmos? Seguir no encalço de Jesus, procurando, em tudo e em relação a todos, a mesma conduta: amar e cuidar, perdoar e servir, gastar a vida por inteiro para que inteira seja a vida que nos conduz a Deus. Se deixarmos de gastar a vida, pelos outros, estaremos a desperdiçá-la. Quando nas festas vinham os carrinhos de choque, comprávamos várias fichas que nos permitiam andar a conduzir a chocar contra os outros carrinhos. Se o tempo não chegava para gastarmos as fichas, arrecadávamo-las para outra ocasião, mas se, entretanto, os carrinhos iam embora, ficávamos com as fichas, desconsolados, tínhamos gastado o dinheiro e não tínhamos usufruído. Assim a vida que não se gasta, é desperdiçada.
Nesta quarta-feira entramos na Quaresma, aquele tempo triste, enfadonho, escuro, sem flores nem cores vivas, sem cânticos alegres nem aleluias. É curioso como nos colamos tanto à Quaresma que, por vezes, parece que não nos importaríamos de ficar na Quaresma mais umas semanas. Alguns ficam o ano todo em regime de Quaresma. Esta, porém, é provisória, passageira, são 40 dias (46 se contarmos também os Domingos, ainda que estes sejam assumidos como desconto para celebrarmos o Dia do Senhor, a Páscoa semanal e nos recordarmos que é a Páscoa que nos dá o impulso e nos atrai para Jesus, fazendo de nós discípulos missionários).
“Para tristezas… já basta a vida!” É uma expressão popular que expressa lamento e resignação, mas que podemos também entender como provocação. Cristo dir-nos-á, a cada dia a sua preocupação, o amanhã também terá a sua quota de preocupações. Nesta perspetiva, importa viver hoje, amar hoje, valorizar a vida hoje, cuidar dos outros hoje. Não temos outro dia. É hoje. A Quaresma deixa-nos entrever que a vida é caminho, com os seus escolhos e contrariedades, mas não deixa de ser caminho, um caminho que aponta a uma meta: à Páscoa, a Jesus. A Luz que desponta da Páscoa faz-nos caminhar seguros e garante que a vida vencerá. Porquanto temos de prosseguir, procurar vencer o que nos mata, os desencontros e o desamor, a indiferença, o comodismo e o egoísmo. Como nos convida a Palavra de Deus, e que o Papa faz desafio quaresmal: em nome de Cristo, deixemo-nos reconciliar com Deus!
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 90/13, n.º 4548, 26 de fevereiro de 2020
Violência no namoro em estado de alerta
Jovens universitários foram questionados sobre comportamentos violentos no namoro e, num espectro de mais de 6000 inquiridos, um terço admite já ter vivido pelo menos um ato violento.
As redes sociais servem para difamar ou chantagear o parceiro. E ver o telemóvel do outro num ato de desconfiança é uma realidade já vivida pelos jovens! Agressões físicas, violência psicológica e sexual são outras duras realidades que os jovens de hoje, cerca de metade dos inquiridos, também já conhecem.
Na análise do último estudo realizado em Portugal, dado a conhecer no dia 13 de fevereiro, concluímos que a violência praticada e sofrida nas relações de namoro, entre universitários, a psicológica é a mais cometida, cerca de 21,3% das mulheres e 17,3% dos homens declararam que já foram culpados, criticados, insultados e difamados.
No que diz respeito a ameaças, gritos ou comportamentos como partir objetos e rasgar a roupa, 14,7% das mulheres dizem já ter sofrido tais atos e 6,9% dos homens inquiridos também.
Outro dado revelado é que 12,9% das mulheres (contra 9% dos homens) dizem já terem sido ameaçados ou chantageadas através das novas tecnologias.
Contudo, 4,5% das mulheres e 2,9% dos homens disseram terem sido vítimas de ameaças de morte ou ferimentos ligeiros.
As “crenças de género mais conservadoras” estão, diz o estudo, na base das agressões. E neste seguimento 27,9% dos homens e 12,7% das mulheres concordam que algumas situações de violência doméstica são provocadas pelas mulheres. Mais, ainda é o facto de 6,1% das mulheres e 12% dos homens concordarem que as mulheres sofrem violência numa relação e não saem dela porque gostam de sofrer.
Outro dos dados preocupantes é que 16,8% dos homens concordam que o ciúme é uma prova de amor. E apenas 34% das mulheres também.
Há 9 % de inquiridos que defendem que a mulher deveria ser responsável pela família.
Mafalda Ferreira, autora deste estudo, que Portugal conheceu no fim de semana passado, não tem dúvidas que “as crenças estão enraizadas e são mais difíceis de desconstruir quando as pessoas estão na idade adulta. Daí que seja mesmo importante investir na educação para a igualdade de género desde muito cedo”.
Andreia Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 90/12, n.º 4547, 18 de fevereiro de 2020
O meu olhar sobre Sabino Pinto de Almeida
Acabava de ouvir o pedido de escrever alguma coisa sobre o meu amigo e antigo colega Sabino Pinto de Almeida quando na redacção de Voz de Lamego caiu o artigo do nosso colaborador, Fábio Ribeiro, a falar do seu professor de Português, que ele foi.
Há muitos anos que, por dever de ofício em VL, leio as palavras do ilustre colaborador do nosso jornal, mas longe de mim estava o facto de ele ter sido aluno do Sabino; este perdoa-me que assim o trate, pois assim fiz sempre, desde que ele entrou no Seminário, foi ordenado sacerdote, trabalhou na pastoral diocesana e enveredou por outro caminho na vida que o esperava.
Mais novo do que eu, tinha, para mim e a seu favor, o facto de ser irmão do meu condiscípulo Manuel, falecido há pouco mais de um ano. Tendo trabalhado em paróquias distantes daquelas de que eu era o responsável, pouco sabia da sua actividade pastoral, mas o suficiente para me alegrar pela sua acção no trabalho de Igreja a que era chamado; a sua partida para o Seminário de Resende como Professor e outras actividades a que teria de se dedicar, se não foi para mim uma surpresa total, não deixou de ser para ele o reconhecimento de uma competência que havia de se tornar mais conhecida quando, tendo abandonado o Seminário, começou a enveredar pelo ensino nas Escolas oficiais. Haja em vista o artigo de Fábio Ribeiro sobre ele.
Surpresa, sim e grande, foi a sua «partida» para novo género de vida, fora do sacerdócio; não discuto razões, muito pensadas certamente, mas determinantes de uma decisão que ele tomou e que haveria de orientar o seu novo rumo, pensado e assumido, para a vida que continuava a esperá-lo.
Deixava a família sacerdotal para viver em família matrimonial, num momento difícil para a Igreja, opção tomada para um futuro que se pensava e era diferente. Para melhor? Cada um soube do primeiro sonho desfeito e do segundo que aparecia risonho; o sim ou o não dessa mudança teria de ser, era, a razão de ser de algo que se pensou e, depois, se realizou.
A vida separou-nos no espaço, no sonho, na vida. O vai-vém de um e do outro fez-nos andar fora do âmbito e caminho de vida, que não da amizade que nos unira; raríssimos se tornaram os encontros, que nem a vida em Lamego favoreceu; apenas as notícias, também cada vez mais raras, me diziam que o Sabino por aqui andava, por aqui trabalhava, por aqui vivia; se nunca perdi a amizade que nos unira, perdi os rastos de uma vida que, agora, nos separava. Porquê? Não o sei, para o afirmar.
Deixou o Sacerdócio ministerial, não deixou a sua fé, o seu «ser Igreja», os sacramentos que frequentava; isso sabia eu, isso continuava no horizonte cristão que continuou a norteá-lo na sua vida familiar e pessoal.
A doença apoderou-se do seu corpo; membro de uma família numerosa, esta pareceu e parece marcada por um sofrimento que se foi manifestando mais cedo ou mais tarde na vida de cada um; se razões não conheci para a sua vida no aspecto da saúde, lembro melhor o Manuel em Resende e Lamego, que algo, mas pouco, deixava entrever em dificuldades de saúde. E uma grande força de vontade parecia ser toda a razão para um futuro risonho.
Partiu o P.e Manuel, partiu o Sabino, como partiram outros irmãos e partiremos todos nós; o mundo não é nosso, nós não somos do mundo;
O que fomos e somos esteve e está nas mãos de Deus e com Ele partilhámos anseios e realizações; o Sabino assim o pensou, assim o realizou; desfez-se um sonho, encontrou-se uma outra realidade. Perante Deus, o sonho desapareceu; para além dele a recompensa de uma fé que nunca se perdeu e se viveu ao longo dos anos que o Senhor lhes deu na terra e, agora lhes concedeu para a eternidade. Assim o pensamos, assim o acreditamos pela misericórdia do Senhor, nosso Deus, pois como o P.e Vítor Feytor Pinto, podemos afirmar: «sei que do lado de lá, está a misericórdia de Deus».
Do teu amigo Pe. Armando Ribeiro, in Voz de Lamego, ano 90/12, n.º 4547, 18 de fevereiro de 2020
Editorial da Voz de Lamego: Razões da nossa esperança
Vivemos em democracia. Somos, aparentemente, comandados pela maioria. Muitas vezes por uma maioria silenciosa, indiferente, ao jeito de Pilatos, demitida ou desiludida. Em cada eleição, a abstenção ganha terreno. Os deputados da Assembleia da República são eleitos por metade do país, a outra metade não quer saber, ou não acredita, ou sente-se defraudado, ou não entrevê que quem venha possa fazer melhor a favor dos mais desprotegidos. Claro que os eleitos têm a legitimidade para legislar, mas com o avançar do tempo vamos verificando que os programas de governo que são propostos não são exatamente os que são cumpridos. Nas eleições seguintes, aumenta a abstenção ou aumenta da representatividade dos partidos extremistas.
Somos responsáveis uns pelos outros. Em nome da liberdade e da autonomia, abdicamos da responsabilidade que nos une, nos irmana, nos familiariza. No Principezinho faz-se essa acentuação: somos responsáveis por aqueles que cativamos! Talvez tenhamos necessidade e urgência de cativar, de criar laços, de nos tornarmos mais dependentes uns dos outros, reconhecendo a nossa indigência e a verdade que nos humaniza. Quando desistimos dos outros, por mais trabalho que nos possam dar, e todos os relacionamentos exigem persistência, cuidado, atenção, dedicação, perdemos um pouco de nós. Pertencemo-nos uns aos outros. Quando uma relação falha, quando alguém parte porque não lhe demos o tempo que precisava e merecia, quando desistimos por cansaço, por indiferença ou por medo (medo de sofrermos ou de vermos sofrer), ficamos mais pobres e menos humanos.
A Assembleia da República, em nome do Estado, vai optar por dar “mais liberdade” para desistir, para matar dentro da legalidade. A Eutanásia, dizem-nos, é uma opção pessoal, isto é, individual, em que cada um pode abdicar de viver. Se é uma questão pessoal, da liberdade de cada um, então porque há de o Estado legislar e intrometer-se nesse desejo e/ou decisão e, com isso, “obrigue” outros a serem carrascos. Por outro lado, é inequívoco que esta lei será aprovada sub-repticiamente. À direita ou à esquerda, não ouvimos qualquer referência à eutanásia na última campanha eleitoral. O assunto tinha sido discutido na Assembleia da República, em 2018, mas, não tendo sido aprovada a despenalização/liberalização/obrigação da eutanásia – morte ativamente provocada no paciente, a pedido do próprio, pelos familiares ou por decisão de um médico – caberia ser amplamente discutida e claramente proposta na campanha eleitoral que antecedeu a composição do atual parlamento. Alguns contratos têm letras miudinhas e isso é feito propositadamente para aproveitar a distração! E todos nós já fomos enganados em situações similares (venderam-nos banha de cobra). Engraçado! Há disponibilidade de meios e de médicos para a morte assistida e faltam tantos meios e tantos médicos para atenderem os doentes. Ainda há dias na Urgência de Lamego faleceu um paciente por falta de médicos para fazerem face a tantos pedidos!
Um bloco que quer acabar com o privado, na Educação e na Saúde, e obrigar, agora, os privados a praticarem a eutanásia… em nome da liberdade!
Com a aprovação da eutanásia, do suicídio com ajuda de médicos, a nossa responsabilidade, como cidadãos, como crentes e/ou cristãos é continuar a cuidar, sem desistir nunca, dando razões da nossa fé e da nossa esperança, apostando na companhia, na proximidade, pedindo a Deus o discernimento para sermos melhores cuidadores e a força para lidarmos com o nosso sofrimento e com o sofrimento daqueles que Deus coloca à nossa beira e por quem somos responsáveis.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 90/12, n.º 4547, 18 de fevereiro de 2020
Falecimento do Pai do Padre Adriano Pereira
Deus, na Sua infinita Sabedoria, chamou de regresso a Si, o Sr. Alberto Pereira, pai do reverendo Pe. Adriano Alberto Pereira, pároco de Tendais e de Alhões, na Zona Pastoral de Cinfães.
O Senhor Bispo, D. António Couto, em comunhão com o presbitério da Diocese de Lamego, manifesta a sua comunhão com o Pe. Alberto, familiares e amigos, confiando na bondade e na misericórdia de Deus, e na profissão de fé na ressurreição e na vida eterna.
Celebração de Missa Exequial, de corpo presente, na terça-feira, 18 de fevereiro:
- 10h30: Igreja Matriz de Tendais
- 15h00: Igreja Matriz de Cinfães
Será sepultado no cemitério de Cinfães.
A Deus agradecemos a sua vida, invocando para os familiares a consolação das palavras de Jesus que nos aguarda junto do Seu e nosso Pai.
Adeus a um Mestre: o Professor Sabino Pinto Almeida
Gosto demasiado de palavras. Tenho um respeito tão grande por este património tão nosso, que me incomodam os erros gramaticais, orais, de sintaxe. Deus e eu sabemos o quanto me arrepia quando me perguntam “o que é que tu fizestes? Como é que soubestes?”. É uma mania pessoal que até se reflete no meu modo de ser. Tudo isto foi genuinamente plantado em mim por uma pessoa que nos deixou recentemente, em Lamego: o Professor Sabino Pinto Almeida.
Natural de Panchorra, perto de Resende, o Professor Sabino esteve 10 anos na Escola Secundária da Sé, até se reformar em 2005. Foi meu Professor de Português durante seis anos, até ao 12.º ano. Uma época memorável.
Quem o conhecia, sabia perfeitamente que o Professor Sabino despertava alguma curiosidade: a voz grave, o bigode cuidadosamente aparado que escondia o lábio superior, a pouca facilidade em sorrir, a mala preta, clássica, que agarrava pesarosamente sempre que se dirigia para a sala de aula, enquanto olhava para o chão, faziam dele uma figura que impunha respeito e autoridade. Medo. No entanto, nada neste estilo imponente significava arrogância ou desprezo pelos alunos. Havia, isso sim, uma exigência inegociável pelo estudo. Pelo compromisso de aprender. O respeito pela nossa língua, o português. Por isso, só tínhamos duas opções: gostar dele ou temer sempre que o nome dele aparecia.
Com ele, fui apresentado a O’Neill. Detestei. Com ele tive vontade de desistir mal li os versos “As Armas e os Barões Assinalados/Que da Ocidental Praia Lusitana”, de Camões. Também foi com o Professor Sabino que discuti por que raio a casa do Ramalhete era tão espetacular que demorava para aí umas 30 páginas a descrevê-la? Foi através dele que me apaixonei pela escrita leve e encantadora de Jorge Amado. Que aprendi a gostar do olhar descritivo, atento (jornalístico?) de Almeida Garrett. Fiquei sempre intrigado com a opinião dele sobre Saramago, um nome pouco falado nas aulas. Fernando Pessoa, não, era consensual. Acho que ele era mais Alberto Caeiro, o guardador de rebanhos. Eu sempre gostei mais do futurismo de Álvaro de Campos. E como ele adorava Urbano Tavares Rodrigues?
Ainda assim, não foram seis anos de aprendizagens feitas ao sabor dos “gostos”. É graças ao Professor Sabino que ainda hoje retenho autênticas lições de humildade. Certo dia, defendi que a palavra “cobarde” também poderia ser escrita com “v”. Ele duvidou; fixou-me, saiu porta fora e a sala colapsou. Que teria feito eu? Dez minutos depois, regressa, naquele estilo de caminhar pausado e metódico, com um dicionário, e diz-me: “você tem razão”. Ou então numa das famosas “idas ao quadro”, em que ele me mandou analisar um poema em frente a toda a turma. Um autêntico momento de tensão. “Para onde se dirige o sujeito poético, senhor Fábio?”. Respondi totalmente ao lado. “Para um sítio que eu cá sei vai o senhor!”. Foi a coisa mais azeda que me disse. E ainda assim, a mais certeira. Não me tinha preparado como deve ser para o texto.
Com ele aprendi a fazer do dicionário uma companhia diária. Ter dúvidas é sinónimo de inteligência. O respeito pela nossa língua é matéria de responsabilidade, de honrar gente que veio antes de nós e nos deixou esta herança. Um dia quando me perguntarem o que é um Professor, saberei colocar Sabino como sinónimo. Ainda que saiba a pouco, só posso pensar: obrigado por tudo, Professor Sabino.
Fábio Ribeiro, in Voz de Lamego, ano 90/11, n.º 4546, 11 de fevereiro de 2020
Reportagem: Ana Margarida na Guiné Bissau durante um mês
“Respirei fundo e tentei rezar, mas preferi ter uma conversa franca com Deus”
REPORTAGEM: Andreia Gonçalves
A Ana Margarida foi voluntária, durante um mês, na Guiné Bissau. Uma experiência única tendo em conta o que viu e que viveu. Sem fogão, nem frigorífico, nem banheira, trouxe-nos o coração e a alma cheios de motivos para querer regressar. Afinal, o que move e nos salva verdadeiramente é o amor.
As horas passaram e a aventura ia começar. Ana Margarida ia apanhar o avião para viver uma experiência única, “sentia-me incrivelmente calma, tinha aquela certeza absoluta de que tudo iria correr bem”, embora soubesse que ir passar um mês à Guiné não era nada parecido com o que vivera até hoje…
Acompanhada pelos pais, a jovem, licenciada em direito, embarcou em busca de uma realização, de uma missão que já sonhara há mais de uma década.
“Eu fiz escala em Lisboa, só quando cheguei ao avião com destino a Bissau é que pensei ‘Sou mesmo louca! Um dia quando tiver filhos vou sofrer tanto!’” disse, de sorriso rasgado.
Quando o avião levantou voo “foi uma sensação tão intensa, tão boa, é das melhores sensações que já senti nestes 24 anos de vida! Durante a viagem tive um flashback de tudo o que me levou até África, até à Guiné Bissau, respirei fundo e tentei rezar, mas preferi ter uma conversa franca com Deus. A conversa mais séria, mais intensa e mais bonita que tive com Deus foi naquele avião”. A conversa entre a Ana e Deus é secreta, mas certamente mágica e encorajadora porque é a prova máxima que existiu foco e fé nesta viagem.
“Cheguei a Bissau por volta das 22h (a mesma hora de Portugal), quando o Comissário comunicou que estávamos quase a aterrar… não havia luzes nenhumas! Totalmente escuro. Só me ri e pensei: começamos bem! Ainda bem que trouxe lanterna”.
A jovem portuguesa desceu do avião e o calor no rosto despertou-a: a novidade estava mesmo ali, a tocar a sua pele, o casaco de penas já não era mais necessário, tendo em conta que estávamos no início de janeiro. O coração que aquece com atos humanos não teve tempo de esfriar: “Tive uma receção incrível. Alguns miúdos da escola, foram buscar-me ao aeroporto! A ida para ‘casa’ foi o primeiro choque”.
No percurso, pelo qual a Ana e os miúdos faziam a viagem até à aldeia, havia, para além de pouca iluminação, estradas cheias de buracos, casas feitas de latão, pessoas na rua a dançar. Mal eu sabia o que ainda estava para ver/descobrir!”
Seguido do descanso, o contacto com os meninos guineenses. “Foram o melhor desta experiência! Desde a noite que cheguei até à noite que vim embora estiveram sempre comigo!”
Com o passar das horas e de sorriso sempre rasgado, a Ana começou por ver as reais necessidades a nível de vestuário e material escolar (que são muitas) de cada menino pertencente à escola para onde foi direcionada.
“De forma ponderada não entreguei roupa e material escolar na primeira semana para perceber quem é que realmente precisava. Entreguei somente escovas e pastas de dentes para assegurar que a partir daquele dia, todos podiam ter uma boa higiene oral! Receber uma escova e uma pasta para nós parece uma coisa banal, mas para eles é uma alegria imensa! Essa foi a primeira bofetada que a vida me deu!” – afirmou a voluntária.
A partir da segunda semana, foi entregando a alguns miúdos que tinham mesmo necessidade de material escolar e alguma roupa. Mas, o episódio mais marcante, e que a Ana Margarida não esquecerá, aconteceu na sua turma do 4º ano, onde ajudava a professora titular da turma. De forma a incentivar os miúdos a terem um bom desempenho escolar havia presentes. “Ofereci uma t-shirt nova, que tinha etiqueta, a um menino, passado um tempo os miúdos avisaram-me que ele estava a chorar. Fui junto dele e perguntei-lhe o que é que se passava para estar a chorar e aí o meu coração gelou e ficou do tamanho de uma ervilha”. Foram estas as palavras que ouviu: “Professora Ana, eu nunca tinha recebido roupa nova. Hoje foi a primeira vez!””.
Com todos estes corações pequeninos a palpitarem, a acarinharem a nova professora “adaptei-me facilmente ao ritmo de África”. É mesmo aquela máxima “Primeiro estranha-se, depois entranha-se! O mais difícil foi ver as condições de vida tão precárias das pessoas, a falta de acesso à saúde, à educação! Foi duro mesmo!”
Quando se dirigia a casa para descansar pensava “que dia incrível!… mas também tive outros dias em que me deitei a pensar ‘o que é que eu posso fazer para resolver isto?! Tenho de fazer alguma coisa, mas não sei o quê’”. A impotência perante um sistema onde o acesso ao que, para nós, é o mais básico, é muito difícil e cai como um murro no estômago para os que vivem de perto esta realidade.
Ir até ao mercado de Bandim, onde toda a gente olhava para a voluntária, por ser branca “às vezes sentia-me um OVNI com aqueles olhares indiscretos”, algo que com o passar dos dias foi passando. “As pessoas africanas são fantásticas, têm a arte de bem receber! Como eu estava sozinha numa casa, todos os dias me perguntavam se tinha dormido bem ou se precisava de alguma coisa! Sempre que eu passava nas ruas do bairro, as crianças diziam-me todas ‘olá’ ou gritavam felizes ‘branco!’. No mercado encontram-se pessoas a vender roupa usada, pedaços de carne, (nunca vi tanta mosca junta), peixe, fruta e produtos hortícolas. Vacas a passearem na estrada como se nada fosse”.
Durante este mês, Ana Margarida não se deu conta de que os dias começavam mais cedo do que aquilo que ela sempre gostou, que o banho era feito num balde, que também servia para limpar o chão e que, afinal e entre brincadeiras e as aulas, os dias foram passando rapidamente. O carinho que recebeu foi o mesmo que deu e em dois tempos arranjou “filhos de África” para cuidar, crianças que sem família foram despertar no coração da voluntária um amor incondicional.
A maior e dolorosa dor de Ana foi perceber que o hospital não é um lugar seguro, nem é para servir todos os que precisam de cuidados, que não há máquinas para detetar problemas de saúde e por isso as pessoas, simplesmente, perdem a vida, assim, no meio do nada. Só os que têm poder financeiro conseguem ser atendidos e isso causa revolta e faz valorizar o que nós temos como garantido.
Até o esparguete que lhe foi enchendo o estômago se tornou o manjar doce dos deuses, junto à lareira que os seus meninos lhe faziam, diariamente, para cozinhar.
A Guiné Bissau não foi o destino de férias, foi a mais pura e dura realidade que a Ana Margarida conheceu até hoje. Mas, fica a certeza, por tudo que nos conta, que se sente realizada e com um sentimento de “dever cumprido”. Afinal esteve sempre protegida pelo amor dos seus “três filhos” que por lá encontrou, pelo carinho dos guineenses, pelos vestidos que lhe costuraram com as mãos de engenho. E que, por mais que tenha visto pessoas acampadas fora do hospital com o intuito de poderem ser consultadas, ou em macas perdidas no tempo, nunca a palavra arrependimento lhe passou pela cabeça.
Regressou a Portugal com a vontade de “fugir” de novo, onde foi tão feliz e onde teve um anjo da guarda, sempre por perto, “o meu avô”. Porque na vida há coisas que não se explicam. Sentem-se!
in Voz de Lamego, ano 90/11, n.º 4546, 11 de fevereiro de 2020