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Santa Maria Mãe de Deus | Homilia de D. António Couto

Festa da família2

SANTA MARIA, MÃE DE DEUS, RAINHA DA PAZ

  1. Oito dias depois da Solenidade do Natal do Senhor, que a liturgia oriental designa significativamente por «Páscoa do Natal», eis-nos no Primeiro Dia do Ano Civil de 2015, tradicionalmente designado como Dia de «Ano Bom», a celebrar a Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus.
  1. A figura que enche este Dia, e que motiva a nossa Alegria, é, portanto, a figura de Maria, na sua fisionomia mais alta, a de Mãe de Deus, como foi solenemente proclamada no Concílio de Éfeso, em 431, mas já assim luminosamente desenhada nas páginas do Novo Testamento.
  1. É assim que a encontramos no Lecionário de hoje. Desde logo naquela menção sóbria, e ousamos mesmo dizer pobre, com que Paulo se refere à Mãe de Jesus, escrevendo aos Gálatas: «Deus mandou o seu Filho, nascido de mulher, nascido sujeito à Lei» (Gálatas 4,4). Nesta linha breve e densa aparece compendiado o mistério da Incarnação, ao mesmo tempo que se sente já pulsar o coração da Mariologia: Maria não é grande em si mesma; é, na verdade, uma «mulher», verdadeiramente nossa irmã na sua condição de humana criatura. Não é grande em si mesma, mas é grande por ser a Mãe do Filho de Deus, e é aqui que ela nos ultrapassa, imaculada por graça, bem-aventurada, nossa mãe na fé e na esperança. Maria não é grande em si mesma; recebe de Deus essa grandeza.
  1. O Evangelho deste Dia de Maria (Lucas 2,16-21) guarda também uma preciosidade, quando Lucas nos diz que «todos os que tinham escutado as coisas faladas pelos pastores ficaram maravilhados, mas Maria GUARDAVA (synetêrei) todas estas Palavras (tà rhêmata), COMPONDO-as (symbállousa) no seu coração» (Lucas 2,18-19). Em contraponto com o espanto de todos os que ouviram as palavras dos pastores, Lucas pinta um quadro mariano de extraordinária beleza: «Maria, porém, GUARDAVA todas estas Palavras, COMPONDO-as no seu coração» (Lucas 2,19). Há o espanto e a maravilha que se exprimem no louvor e no canto, e há o espanto e a maravilha que se exprimem no silêncio e na escuta. Maria, a Senhora deste Dia, aparece a GUARDAR com carinho todas estas Palavras que acontecem, e não esquecem. O verbo GUARDAR implica carinhosa atenção, como quem leva nas suas mãos uma joia preciosa. Este GUARDAR atencioso e carinhoso não é um ato de um momento, mas a atitude de uma vida, uma vez que o verbo grego está no imperfeito, que implica duração. O outro verbo belo mostra-nos Maria como que a COMPOR, isto é, a «pôr em conjunto» (symbállô), a organizar, a harmonizar, para entender melhor. É como quem COMPÕE um Poema, uma Sinfonia, e se entretém a vida toda a trautear essa melodia e a conjugar novos acordes de alegria.
  1. Esta solicitude maternal de Maria, habitada por esta imensa melodia que nos vem de Deus, levou o Papa Paulo VI, a associar, desde 1968, à Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, a celebração do Dia Mundial da Paz. Hoje é já o 48.º Dia Mundial da Paz que se celebra, e o Papa Francisco apôs-lhe o lema «Não mais escravos, mas irmãos», que pediu emprestado a Filémon 16, mas que a Carta aos Gálatas, hoje por graça lida para nós, também trata muito bem (4,6-7). Na sua Mensagem para este Dia, diz-nos o Papa francisco que levantemos bem alto os nossos ideais, e não nos deixemos atolar no lamaçal desta «noite do mundo», em que tudo, à maneira de Babel e Sodoma, aparece indistinto, confuso e equivalente, sem rosto e sem rumo. Escravizar um ser humano é reduzi-lo a um objeto. E o Papa lembra que um ser humano é sempre um fim, e nunca um meio ou objeto, que possamos reduzir a três dimensões: comprimento, largura e altura, que assim podemos comprar ou vender, usar ou deitar fora a nosso bel-prazer. A alegria, a paz, o amor, a esperança, a verdade, a liberdade, a ternura, não são redutíveis a três dimensões, e, todavia, existem, e são mesmo o melhor da nossa humanidade. Às vezes, damos por nós a lutar apenas por campos e por casas, coisas e loisas de três dimensões. E diz-nos o profeta com uma forte invetiva: «Ai dos que juntam casa a casa, dos que acrescentam campo a campo, até que não haja mais espaço disponível, até serem eles os únicos moradores da terra!» (Isaías 5,8).
  1. De Deus vem sempre um mundo novo, belo, maravilhoso. Tão novo, belo e maravilhoso, que nos cega, a nós que vamos arrastando os olhos cansados pela lama. Que o nosso Deus faça chegar até nós tempo e modo para ouvir outra vez a extraordinária bênção sacerdotal, que o Livro dos Números guarda na sua forma tripartida: «O Senhor te abençoe e te guarde./ O Senhor faça brilhar sobre ti a sua face e te seja favorável./ O Senhor dirija para ti o seu olhar e te conceda a paz» (Números 6,24-26).
  1. Olhada por Deus com singular olhar de Graça foi Maria, também Pobre, também Feliz, Bem-aventurada, Santa Maria Mãe de Deus, que hoje celebramos em uníssono com a Igreja inteira. Para ela elevamos hoje os nossos olhos de filhos enlevados.
  1. Mãe de Deus, Senhora da Alegria, Mãe igual ao Dia, Maria. A primeira página do ano é toda tua, Mulher do sol, das estrelas e da lua, Rainha da Paz, Aurora de Luz, Estrela matutina, Mãe de Jesus e também minha, Senhora de Janeiro, do Dia primeiro e do Ano inteiro.
  1. Abençoa, Mãe, os nossos dias breves. Ensina-nos a vivê-los todos como tu viveste os teus, sempre sob o olhar de Deus, sempre a olhar por Deus. É verdade. A grande verdade da tua vida, o teu segredo de ouro. Tu soubeste sempre que Deus velava por ti, enchendo-te de graça. Mas tu soubeste sempre olhar por Deus, porque tu soubeste bem que Deus também é pequenino. Acariciada por Deus, viveste acariciando Deus. Por isso, todas as gerações te proclamam «Bem-aventurada»! Por isso, nós te proclamamos «Bem-aventurada»!
  1. Senhora e Mãe de Janeiro, do Dia Primeiro e do Ano inteiro. Acaricia-nos. Senta-nos em casa ao redor do amor, do coração. Somos tão modernos e tão cheios de coisas estes teus filhos de hoje! Tão cheios de coisas e tão vazios de nós mesmos e de humanidade e divindade! Temos tudo. Mas falta-nos, se calhar, o essencial: a tua simplicidade e alegria. Faz-nos sentir, Mãe, o calor da tua mão no nosso rosto frio, insensível, enrugado, e faz-nos correr, com alegria, ao encontro dos pobres e necessitados.

Que Deus nos abençoe e nos guarde,

Que nos acompanhe, nos acorde e nos incomode,

Que os nossos pés calcorreiem as montanhas,

Cheios de amor, de paz e de alegria,

Que a tua Palavra nos arda nas entranhas,

 E nos ponha no caminho de Maria.

O amor verdadeiro está lá sempre primeiro.

O fiat que disseste, Maria, é de quem se fia

Num amor maior do que um letreiro.

Vela por nós, Maria, em cada dia deste ano inteiro,

Para que levemos a cada enfermaria,

A cada periferia,

Um amor como o teu, primeiro e verdadeiro.

Lamego, 01 de Janeiro de 2015, Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus, e 48.º Dia Mundial da Paz

+ António Couto, vosso bispo e irmão

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