Homilia de D. António Couto | Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria
(FOTO: Entrada solene de D. António na Diocese de Lamego, 29 de janeiro de 2012)
SOLENIDADE DA IMACULADA CONCEIÇÃO DA VIRGEM SANTA MARIA
- Depois de ontem (Domingo II do Advento) termos avistado e ouvido a lição magistral de um homem sólido e firme como um tronco, de antes quebrar que torcer, que não tem nada a ver com as canas ocas (Mateus 11,7), João Baptista, contemplamos hoje, Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria, a grácil e terna figura de Maria, no seu ser inteiro, obra de Deus. João Baptista é como um tronco, plantado no deserto. Plantação de Deus, portanto, pois mais ninguém planta o deserto. João Baptista é como um tronco plantado no deserto. Vendo bem, já lá estão outros troncos, igualmente sólidos, igualmente firmes. Ajustando um pouco melhor o olhar, veem-se uns fios que vão de tronco em tronco, de poste em poste. Estes troncos sólidos, estes postes firmes, estes finos fios sãos semelhantes aos postes e aos fios do telefone, das comunicações, da comunicação.
- João Baptista é como um poste telefónico, uma antena de comunicação. Vendo melhor, vê-se que está em linha com Isaías e com Deus. Aí está o fio de sentido, a Palavra que não é nem de João nem de Isaías, mas de Deus. É essa Palavra que grita no deserto, ou no nosso desertificado, árido, endurecido coração. Mas Deus sabe fazer correr rios de água no deserto (Isaías 35,7; 41,18; 43,20). Deus sabe fazer florir o deserto, fazer frutificar o deserto (Isaías 35,1-2).
- É assim que Nazaré é literalmente a cidade florida (de natsar = florescer). E é assim que Maria é a cidade fruticada, e não fortificada. Também Maria está em linha com a Palavra de Deus. Não a perturbeis, porque ela não se cansa de escutar com o coração. Nós aproximamo-nos, e vemos um anjo. Mas os anjos não são para se verem. São para se ouvirem. Maria ao telefone com Deus. Mas este telefone não foi instalado pela PT. Tão-pouco é um telemóvel que se possa trazer no bolso. Vendo mais de perto, este telefone toca no coração.
- Memorial desta beleza incandescente é a Basílica da Anunciação, em Nazaré. Esta grandiosa Basílica, em três planos, foi inaugurada em 25 de Março de 1969, e foi visitada, ainda as obras estavam em curso, em 1964, pelo Beato Papa Paulo VI. Escavações feitas antes desta grandiosa construção puseram a descoberto, e podem ver-se ainda hoje, os majestosos pilares de uma Catedral levantada em 1099, pelo príncipe cruzado Tancredo, bem como o pavimento em mosaico de uma igreja bizantina, que pode ser datada do ano 450. Mas, descendo mais fundo, até às entranhas da atual Basílica, acede-se à Gruta da Anunciação, sob cujo altar se lê a inscrição Verbum caro hic factum est [«Aqui o Verbo se fez carne»], e a outros lugares de culto antigos, talvez já do século II. Numa grafite antiga foi encontrada a gravação XE MAPIA, abreviação de Chaîre Maria, a primeira Ave-Maria da história.
- São Paulo adverte-nos, na Carta aos Efésios, também de que a instalação deste telefone, deste fio de sentido, desta Palavra de graça é obra, não da PT, mas de Deus, que nos escolheu antes da criação do mundo (Efésios 1,4), e antes da criação do mundo nos fez filhos no seu Filho (Efésios 1,5).
- É esta comunicação de Graça, que de Deus chega a Maria, que a Igreja inteira, Ocidente e Oriente, hoje celebra. Sim, hoje todos os filhos e irmãos estamos unidos na mesma alegria, que de Deus chega a Maria, e de Maria a todos nós. Por isso, ela, a Mãe do Amor e da Graça, a Cheia de Graça, é a nossa Mãe e Padroeira, Padroeira também de Portugal e desta nossa Catedral.
- Por isso também nos reunimos hoje, aqui, em linha contigo, Maria, nossa Mãe e Padroeira e Protetora. Em linha com Deus, que olhou para nós, para mim e para ti, meu irmão e minha irmã, desde toda a eternidade. Sim, olhou para nós, com o seu olhar de Graça, e assim continua ainda hoje. Bendita Tu, Maria, e Bendito Deus.
- Esta celebração da Mãe de Deus e nossa Mãe e Padroeira Principal de Portugal é um desafio imenso para o homem «em fuga» deste tempo, que se esconde de si mesmo, que continua a esconder-se de Deus, e que pretende esconder Deus, retirando-o da via pública e da vida pública. Atravessamos verdadeiramente a «noite do mundo» (Weltnacht), diz Martin Heidegger, onde «Cada um está sozinho no coração da terra/ atravessado por um raio de sol:/ e é logo noite», como bem escreve o escritor italiano Salvatore Quasimodo. Homem deste tempo às escuras, engessado, triste, exilado, escondido, anestesiado, volta para a Luz, reentra em tua casa, no teu coração despedaçado. Há de seguramente por lá haver ainda, caída no fundo da alma, uma lágrima dorida e uma mão de Mãe à tua espera!
Senhora de dezembro,
Maria, minha Mãe,
Passa hoje o dia da tua Imaculada Conceição.
Senhora de dezembro,
Dos dias frios e frágeis,
Dos passos firmes e ágeis,
Do coração que velava
À espera de quem te amava.
Assim te entregaste a Deus,
De coração inteiro,
Como um tinteiro
Todo derramado numa página.
Tu és a mais bela página de Deus,
A Deus doada, apresentada, dedicada,
Mãe da vida consagrada,
Imaculada,
Ensina-me a tua tabuada,
A tua nova alegria,
A luz do Evangelho que te aquece e alumia.
Eu te saúdo, Maria,
Neste dia da tua Imaculada Conceição.
Ave-Maria.
Lamego, 08 de dezembro de 2014, Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria
+ António, vosso bispo e irmão