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Archive for 25/12/2014

O NATAL DO ZÉ DA LAVRA | Conto de Natal

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Era filho único.

Quando andava nos dez anos, ao voltar da escola, viu a mãe estendida no chão do quarto, esvaída em sangue, e já morta.

O pai, procurado pela guarda republicana, apareceu mais tarde, também morto, numa curva do Cabrum, preso a uns arbustos.

Na sequência de suspeitas e ciúmes, e depois de ralhos e maus-tratos, o pai dera um tiro na mulher, fugira desarvorado para o ribeiro, e afogara-se no poço dito “sem fundo”.

Acolhido em casa do tio Afonso e da esposa Madalena, em Mariares, aí se refugiou e aí passou a viver.

Pobres em recursos e incapazes de afetos, depressa o mandaram para o Douro, para as quintas dos ingleses.

Ia às vindimas, vinha aos Santos; ia às azenhas, voltava ao Natal.

Lá na quinta, dormia no palhuço do cardenho, comia broa com sardinha, e trabalhava todo o dia, de sol a sol. Mas a mulher do caseiro, conhecedora da má sorte do mocinho, acarinhava-o como filho, dava-lhe bons conselhos, e o rapaz pôde aprender com ela como é bom amar, e como é bonito ser bom.

Não era assim em casa dos tios. Aí, beijava-se pouco e ralhava-se muito.

Num certo Natal, o Zé da Lavra, em vez de ir para os tios, foi parar a casa do “Ceguinho”.

O “Ceguinho”, invisual de nascença, vivia só e sem família, sem carinho nem conforto. Chegado do Douro, o Zé abraçou o velhinho, ajuntou a lenha, acendeu o lume e, pouco depois, já as batatas ferviam e o bacalhau cheirava. Duma tosca e velha mesa ao lado, chegava o delicado odor do arroz doce e o gostoso sabor do alho e do vinagre.

Comida a Ceia, o velhinho disse ao moço:

– Zé, este foi o melhor Natal da minha vida! Sempre passei esta noite sozinho! Como hei-de eu agradecer-te, meu filho?

– Muito simplesmente, senhor Francisco. Com um abraço. Abraços, foi coisa que nunca tive! Foi coisa que nunca me deram!

Concretizado o abraço, rezaram a oração de ação de graças, louvaram a Bondade de Deus por ter nascido, e ficaram até ao meio da noite a jogar pinhões e rapas e a cantar os dois, velhos cânticos de Natal.

No dia seguinte, a conselho do velhinho, o Zé subiu a velha calçada da aldeia pintada de neve e escorregadia do gelo, e foi à Santa Missa de Natal à igrejinha do lugar.

Ao ver aquela gente boa, fiel, alegre e simples, a cantar e a rezar a glória de Deus, a bondade de Jesus, o silêncio de José, e a beleza da Virgem -Mãe, o moço não se conteve, cantou e rezou também, e sentiu-se verdadeiramente feliz!

Chegado o momento apropriado, integrou-se acanhado e tímido na fila que ia beijar o Menino. Ao beijá-LO, viu os Seus olhos sorrir-lhe, e ouviu-O dizer-lhe assim, com voz terna, infantil e divinal:

– Parabéns, José! Feliz Natal para ti e para o “Ceguinho”!

– Feliz Natal para todos os que sabem adorar, louvar, amar, agradecer e cantar!

 Pe. J. Correia Duarte,  in VOZ DE LAMEGO, n.º 4294, ano 84/56, de 23 de dezembro de 2014

NATAL 2014: Mensagem de D. António José da Rocha Couto

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NÓS OS DOIS

Desde que sei

Que sou como um fiozinho de erva

Que de manhã reverdece e à tarde seca,

Que aprendi a suportar o peso

Do milagre.

Hoje tudo é mais claro

Tudo é mais nítido.

Mas no tempo em que os pinheiros

Eram altos

E os meus olhos de um verde cristalino,

No tempo em que o tempo

Era incandescente

E fazia carrancas ao destino,

Aí, oh meu país inocente

E pequenino,

Era eu que era mais divino

Ou era Deus que era mais menino?

  1. Sim. Enquanto tu descias a este chão de pó, e afanosamente o modelavas (Génesis 2,7), eu subia em sonhos a escada de Jacob (Génesis 28,12), e às escondidas, comia o teu céu de pão-de-ló. Deslumbramento teu no sótão deste chão, quando, no lusco-fusco da vidraça, descobriste o meu pião enrolado na baraça. Deslumbramento meu, quando, distraído, brincava no teu céu, e quase escorregava pelo firmamento.
  1. Valeu-me então um anjo que estava de passagem, e me deu a mão. Percebi depois que regressava do jardim do éden (Génesis 2,8), de regar a tua plantação (Isaías 61,3). Contou-me tudo. Falou-me de Abraão, de um rio que abriste no deserto (Isaías 43,19), da avenida florida que atravessa o mar a céu aberto (Sabedoria 19,7), da estrada traçada no deserto onde habitualmente andas a pé (Isaías 35,8), e sobretudo das flores que fizeste florescer em Nazaré (de natsar, florescer).
  1. Fomos depois os dois até Jerusalém, e vimos-te a escolher no ribeiro manso as pedras trabalhadas na torrente (1 Samuel 17,40). Olhavas para elas demoradamente em tuas mãos deitadas, e só depois as adornavas com tinta cor de rímel (Isaías 54,11), e as sentavas carinhosamente à tua mesa, em tua casa, onde ardia e não se consumia uma sarça acesa (Êxodo 3,2).
  1. Juntaram-se, entretanto, a nós milhares de anjos deslumbrados. Pus-me todo atento e parabólico, e pude ver o vento que o seu bater de asas produzia, e vi ainda que é essa energia que alumia as casas, muito mais do que qualquer rede de alta tensão ou parque eólico. Foi então que o anjo que comigo viajava me indicou um caminho hiperbólico (1 Coríntios 12,31).
  1. Entrei nesse caminho. Mas rapidamente vi que não ia sozinho. Ias tu, Senhor, comigo. Chamava-se amor esse caminho aberto no deserto (Atos 8,26). Confesso que nunca tinha estado tão perto da água viva e tão perdido no meio do sentido (Atos 8,36). Tão refém deste Deus nascido em Belém.
  1. Meu irmão de Dezembro, levanta-te, olha em redor e vê que já nasceu o dia, e há de andar por aí uma roda de alegria. Se não souberes a letra, a música ou a dança, não te admires, porque tudo é novo. Olha com mais atenção. Se mesmo assim ainda nada vires, então olha com os olhos fechados, olha apenas com o coração, que há de bater à tua porta uma criança. Deixa-a entrar. Faz-lhe uma carícia. É ela que traz a música e a letra da canção. Ela é a Notícia.

Desejo a todos os meus irmãos, sacerdotes, diáconos, consagrados/as e fiéis leigos, doentes, idosos, jovens e crianças da nossa Diocese de Lamego e da inteira Igreja de Cristo, um Santo Natal com Jesus e um Novo Ano cheio das Suas maravilhas. E vamos todos construir com mais amor a família de Deus.

Vem, Senhor Jesus. Bate à nossa porta.

+ António, vosso bispo e irmão