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Violência no namoro em estado de alerta
Jovens universitários foram questionados sobre comportamentos violentos no namoro e, num espectro de mais de 6000 inquiridos, um terço admite já ter vivido pelo menos um ato violento.
As redes sociais servem para difamar ou chantagear o parceiro. E ver o telemóvel do outro num ato de desconfiança é uma realidade já vivida pelos jovens! Agressões físicas, violência psicológica e sexual são outras duras realidades que os jovens de hoje, cerca de metade dos inquiridos, também já conhecem.
Na análise do último estudo realizado em Portugal, dado a conhecer no dia 13 de fevereiro, concluímos que a violência praticada e sofrida nas relações de namoro, entre universitários, a psicológica é a mais cometida, cerca de 21,3% das mulheres e 17,3% dos homens declararam que já foram culpados, criticados, insultados e difamados.
No que diz respeito a ameaças, gritos ou comportamentos como partir objetos e rasgar a roupa, 14,7% das mulheres dizem já ter sofrido tais atos e 6,9% dos homens inquiridos também.
Outro dado revelado é que 12,9% das mulheres (contra 9% dos homens) dizem já terem sido ameaçados ou chantageadas através das novas tecnologias.
Contudo, 4,5% das mulheres e 2,9% dos homens disseram terem sido vítimas de ameaças de morte ou ferimentos ligeiros.
As “crenças de género mais conservadoras” estão, diz o estudo, na base das agressões. E neste seguimento 27,9% dos homens e 12,7% das mulheres concordam que algumas situações de violência doméstica são provocadas pelas mulheres. Mais, ainda é o facto de 6,1% das mulheres e 12% dos homens concordarem que as mulheres sofrem violência numa relação e não saem dela porque gostam de sofrer.
Outro dos dados preocupantes é que 16,8% dos homens concordam que o ciúme é uma prova de amor. E apenas 34% das mulheres também.
Há 9 % de inquiridos que defendem que a mulher deveria ser responsável pela família.
Mafalda Ferreira, autora deste estudo, que Portugal conheceu no fim de semana passado, não tem dúvidas que “as crenças estão enraizadas e são mais difíceis de desconstruir quando as pessoas estão na idade adulta. Daí que seja mesmo importante investir na educação para a igualdade de género desde muito cedo”.
Andreia Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 90/12, n.º 4547, 18 de fevereiro de 2020
Editorial da Voz de Lamego: Dar a outra face… ou nem tanto!
No início de cada ano, e neste não foi diferente, há uma onda de esperança, com milhentos votos e propósitos de que tudo poderá ser melhor, a nível pessoal, familiar e social, a nível profissional, extensível à economia, à política, às relações internacionais. Mas logo a borrar a pintura o assassinato do general iraniano Soleimani, a 3 de janeiro, com a justificação que comandou diversas ofensivas contra militares americanos. Como vingança, os iranianos lançaram, dias depois, a 7 de janeiro, vários mísseis contra duas bases áreas americanas, situadas no Iraque, sem baixas.
Entretanto chegou a notícia de que um avião ucraniano se tinha despenhado, matando 176 pessoas que iam a bordo, no dia 9 de janeiro. Num primeiro momento, a informação de que se tratava de um acidente, mas logo se veio a saber que tinha sido abatido pelos iranianos. O Irão foi negando mas as informações levaram à admissão da culpa, ainda que tenham sublinhado ter-se tratado de um erro. Erro ou propositado, os protestos saíram à rua contra as autoridades iranianas, pois muitos dos que iam a bordo eram precisamente iranianos. Foram mortas 176 pessoas. É demasiado grave para esconder e se distorcer a informação.
A ameaça da guerra é uma constante; a paz, muitas vezes, não é conseguida pelo diálogo e pela verdade, mas pela força, pela demonstração bélica. Segundo as palavras do Papa Francisco já vivemos a Terceira Guerra mundial não apenas pelos focos de guerrilha, perseguição, mas também pelas políticas castradoras que exploram os mais pobres, pessoas e povos, obrigando-os a mendigar o que lhes pertence; a miséria, o tráfico de pessoas e/ou de órgãos humanos, a exploração sexual; o narcotráfico, as ditaduras que perduram, a corrupção, os guetos e os muros construídos; a ditadura da bolsa de valores e de novas ideologias, de multinacionais da comunicação e das empresas multinacionais que exploram exaustivamente as riquezas naturais, com trabalho escravo, comprando barato, e vendendo caro (aos mesmos que exploram). Como não lembrar, outro caso estranho, a Alemanha que, ao mesmo tempo, emprestava dinheiro, com juros, à Grécia, e vendia-lhe armamento, ganhando duas vezes à custa dos gregos. Os refugiados continuam a ser o rosto da miséria, da insegurança, da violência gratuita e da indiferença dos países mais ricos!
A pobreza de alguns países tem a conivência das autoridades locais. As lideranças políticas têm pouca vontade de resolver as dificuldades das suas gentes, mantendo-se infindamente no poder, controlando os militares, usufruindo, em benefício próprio, do comércio com países industrializados, empobrecendo os seus países!
Pouco a pouco, ainda que lentamente, as populações parecem abrir os olhos. O recente protesto contra as autoridades iranianas é expressivo: primeiro apoiaram a vingança contra os americanos, depois perceberam que as autoridades iranianas não se importam em sacrificar os seus ou de os enganar, mentindo-lhes…
A violência, a ameaça, as injustiças e a corrupção, o controlo da informação e as guerrilhas impedem o almejado desenvolvimento dos povos, destruindo as possibilidades de uma paz duradoura. Ainda estamos longe do desafio de Jesus, mas não chegaremos lá antes da justiça solidária!
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 90/07, n.º 4542, 14 de janeiro de 2020
Editorial da Voz de Lamego: Ir além da violência
Nestes dias, têm-se acentuado a preocupação da violência (sobretudo) doméstica. A casa é o lugar do encontro, da partilha, da vida acolhida, partilhada e amadurecida. A casa e a família. Como sói dizer-se, é em casa, a começar no berço, que aprendemos a ser gente, aprendemos os valores, aprendemos a conviver, a respeitar os mais velhos, a cuidar dos mais novos, a interagir com as gerações, a respeitar o espaço e as coisas dos outros, a preservar o diálogo, em saudável convivência entre todos.
Casa que não é ralhada não é governada, mas nem oito nem oitenta. Discussões entre irmãos, entre pais e filhos, entre marido e mulher?! Com conta, peso e medida. Significa que o outro conta, o outro é importante, a sua opinião e a sua presença, os seus gestos e as suas palavras, bem como a ausência de palavras, de gestos, e de gratidão.
Há famílias que são cemitérios, campos de batalha, território minado, sobrevindo a agressão (física, verbal, emocional), o desrespeito pelo outro, as chantagens emocionais, a possessão: és meu/minha, então tens que fazer o que eu quero. “Quero, posso e mando”. A civilidade, a evolução civilizacional parece, em tantos casos, uma miragem. A globalização da comunicação, o acesso fácil à cultura e à educação, nem sempre gera pessoas maduradas e equilibradas.
Seja como for, não podemos desistir. Todos temos responsabilidade, família, escola, Igreja, comunicação social. A educação, mais que uma paixão, terá que ser uma opção e um compromisso constante. No Dia dos Namorados (14/02), houve reportagens que reproduziram formas de viver o namoro na adolescência: agressividade de linguagem e de gestos, o controlo “militar” sobre o outro, acedendo ao telemóvel, decidindo com quem fala e com quem está proibido de falar, o que pode e o que não pode fazer.
Para haver conflito basta haver duas pessoas. As birras e os arrufos, os silêncios e o excesso de palavras fazem parte da família, por certo! Há dias de sol e dias em que as nuvens o escondem. Pior é a indiferença dentro de portas! O Papa Francisco, a propósito, tem incentivado o uso de três palavrinhas: por favor, obrigado, desculpa. Delicadeza, gratidão e consciência dos próprios limites e fragilidades.
Um desafio que muitos casais vivem: não se deitar sem dar um beijo, rezar uma oração, dar as mãos. Há momentos em que as palavras são difíceis, mas há pequenos “hábitos” que podem ajudar a serenar o coração e a manter a confiança. Numa discussão, ideal seria que houvesse discernimento para saber parar, não forçando o outro a reagir, multiplicando a dureza das palavras, e, quanto possível, não usar palavras que destruam ou espezinhem o outro. O perdão tornar-se-á mais difícil e mais ainda o restaurar da confiança. Respeito e educação.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 89/12, n.º 4498, 19 de fevereiro de 2019
Editorial Voz de Lamego: Violência X Violência
Nos últimos dias, semanas, a violência tem multiplicado. Melhor, nos últimos anos. Não faltam diagnósticos, faltam, isso sim, soluções, caminhos, compromissos para alterar este estado de coisas. Talvez porque não exista um receituário eficaz para diminuir ou tornar menos letal a violência.
A educação por certo será sempre um compromisso a ter em conta. A educação que começa no berço e se alarga à escola, à Igreja, aos clubes e associações, movimentos! É preocupante abrir um jornal, uma revista, uma aplicação, o televisor e deparar-nos com situações que ainda nos horrorizam. Mas como há tempos alertava o Papa Francisco, o risco é que a violência se torne banal. Já vimos tanto, já vimos situações inenarráveis, que nada mais nos poderá surpreender, nada mais nos comove! É preocupante, porque a habituação à violência torna-nos indiferentes. É mais um caso. Mais uma agressão, uma morte, entre tantas outras e, olhando de fora, até justificamos alguns casos de violência doméstica, pois achamos que era merecido! E isso é muito preocupante!
Vemos conflitos em diversas partes do mundo ou, se ainda não são visíveis, já se esperam a qualquer momento, tais são os radicalismos que se acentuam. Nem os países industrializados ou as democracias ocidentais estão imunes a este flagelo. Se pararmos um pouco talvez percebamos que a violência que se multiplica nas ruas já se multiplicou em casa e na família. A violência doméstica em Portugal tem aumentado a olhos vistos nos últimos três anos. O inverso também é possível, a violência avança da rua para casa, ou entra diretamente através dos meios de comunicação social. E alguns dão-nos doses repetidas, esquadrinhando até ao ínfimo pormenor todas as variantes possíveis e imagináveis da violência.
A Igreja deixou de considerar a confissão pública dos seus fiéis não tanto por expor os mesmos, mas porque dessa forma se ensinava a outros como pecar. A comunicação social, pelas notícias, documentários, debates, filmes e novelas, explica-nos como ser violentos e como escapar. Claro que a comunicação social também ajuda a denunciar formas de violência, de escravização, de exploração. A comunicação social por perto pode ser dissuasora de alguns comportamentos abusivos, se bem que também pode multiplicar os focos de violência. Nem tudo é branco ou preto. Alguns meios de comunicação, mais focados em audiências e lucros, continuarão a ser combustível que se junta à violência.
A violência gera violência e gera radicalismos, à esquerda e à direita, e, se momentaneamente parecem trazer mais segurança, os radicalismos conduzem a novas formas de violência. Temos de voltar ao berço. Temos de embainhar a espada da agressividade, e apostar na paciência da educação e do amor.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 89/11, n.º 4497, 12 de fevereiro de 2019
Apontamento Social: A Europa e o terror
Não pensei que a Europa tornasse a viver tão cedo momentos de terror. Após os atentados em França, o policiamento reforçado, a segurança levada ao extremo, o cuidado com a vigilância de possíveis terroristas, criou uma acalmia na população, uma sensação de normalidade, da inevitabilidade de retomar o dia-a-dia e de seguir em frente.
E eis que, a pretexto de um campeonato desportivo, do que deveria ser uma exibição saudável de equipas apoiadas por adeptos, claro, mas sem motivos para confrontos, se presenciam cenas dignas do mais refinado terrorismo, autênticas batalhas campais entre cidadãos europeus, que nem se percebe como se iniciam, mas que terminam sempre com feridos, destruição de património e sobrecarga da já tão sobrecarregada polícia francesa.
Vergonhosamente, ainda não conseguimos combater o “terrorismo interno” de supostas claques que não são mais que desordeiros, muitos já identificados mas que continuam a poder viajar e acompanhar os clubes da sua preferência arrastando com eles multidões que apenas vão pelos distúrbios.
Assistindo, num torpor estranho, os responsáveis desculpabilizam e ameaçam com sanções que não se concretizam. O futebol rende milhões…
É este o preço a pagar? Quando o dinheiro fala mais alto pobre vai a civilização europeia da qual nos orgulhamos.
Acho que já nem precisamos do Daeshe, esta malta vai partir a loiça sozinha…
I.M., in Voz de Lamego, ano 86/32, n.º 4368, 21 de junho de 2016
Dias de genocídio: em pleno século XXI muitos cristãos perseguidos…
O mundo prepara-separa acrescentar mais um ano ao calendário e os cristãos vivem o Advento como tempo de preparação para a grande festa do encontro entre Deus e a humanidade, o Natal. No entanto, no mundo, há milhões que não têm motivos para festejar a chegada de um novo ano e há milhares e milhares de cristãos perseguidos que não têm liberdade para celebrar a sua fé e condições para viverem a sua vida com dignidade.
No Iraque e na Síria, os terroristas do Estado Islâmico são implacáveis para com os Cristãos: ou se submetem, convertendo-se ao Islão, ou pagam um imposto – elevadíssimo – ou morrem. Os jihadistas não respeitam nada nem ninguém. Destroem igrejas, matam indiscriminadamente, violam mulheres e escravizam-nas. Milhares de crianças viram os pais serem assassinados à sua frente. O terror é tanto que a única alternativa é a fuga. Milhares de cristãos deixaram tudo o que tinham e partiram. Agora vivem em tendas e não sabem o que fazer das suas vidas. No Líbano e na Jordânia há um lamento enorme, um grito de dor e de revoltaem milhares de pessoas. São os novos refugiados. Não têm absolutamente nada. Às vezes, nem sequer a esperança de poderem algum dia regressar a casa…
A perseguição estende-se a outras zonas do globo, como seja em alguns países da Ásia e em África. Maioritariamente, os maus tratos e a morte são infligidos em países se orientação islâmica.
Apesar dos apelos ao diálogo e do convite permanente a que a diversidade seja respeitada, muitos grupos islâmicos consideram estar a cumprir a vontade de Alá quando perseguem e matam “infiéis”, isto é todos aqueles que professam outra fé. A imagem que têm da divindade é muito limitada e a compreensão que protagonizam das verdades da fé não reconhece o direito à diferença. Persegue-se e mata-se, não porque algum crime hediondo tenha sido cometido, mas tão somente porque não adoram o seu deus.
Comunidades cristãs com séculos de existência, famílias estabelecidas há muito com as suas tradições e bens são perseguidas, maltratadas, expulsas ou mortas porque se limitam a seguir a sua fé, a fé que herdaram dos seus antepassados.
Os perseguidores são alguns, podem até ser uma minoria e serão, certamente, um mau exemplo a evitar e uma má “publicidade” à fé islâmica. Mas a pergunta que se faz é esta: como se transmite tanto ódio de geração em geração, de grupo em grupo? Quem continua a propagar tais interpretações das escrituras islâmicas? Quem subsidia a existência de tais “mestres” e de tais “escolas” corânicas? Quem financia o recrutamento de tantos jovens europeus para as suas fileiras? Que os Palestinianos não gostem e persigam os judeus até é compreensível, quando vemos a situação em que milhões de Palestinianos são obrigados a viver. Mas que mal cometeram tantos cristãos indefesos, pobres e isolados no Iraque ou na Síria, na Nigéria ou na Coreia do Norte?
Por vezes a religião é apresentada como obstáculo e causa de conflitos, quando, na verdade, o problema será uma questão de valores e de princípios. Enquanto não se olhar para a vida como valor supremo e para a dignidade humana como princípio universal não se chegará muito longe. Que importa rezar ao Senhor da Vida se não sou capaz de respeitar a vida que tenho e que testemunho à minha volta? Como posso pedir perdão ao Senhor misericordioso se não aceito e sou incapaz de conviver com quem pensa diferente de mim?
Por outro lado, em países que se dizem de orientação ateia, como a Coreia do Norte, onde está o respeito pela liberdade individual e donde vem tanto medo perante a fé dos cidadãos? Ou será que a fé cristã ensina e promove pensamentos e práticas que respeitam a diversidade e excluem todo o totalitarismo? Porque será que esses dirigentes, que se dizem iluminados e teimam em manter os seus compatriotas nas trevas, têm mais medo das bíblias que proíbem do que das armas que produzem e vendem?
Ninguém poderá ficar insensível perante tantas atrocidades que se cometem por esse mundo fora, desrespeitando a individualidade e dignidade humanas. Curvamo-nos perante tantos testemunhos de fidelidade e sentimo-nos pequenos diante de tamanhos exemplos de vida e de fé.
Enquanto crentes, somos desafiados na nossa esperança, acreditando que a Providência de Deus não falha, apesar de, às vezes, pensarmos que Deus anda “distraído” perante tanto mal e “silencioso” diante de tantas súplicas. Mas Ele concede-nos tempo para reconhecer o erro e corrigir a falha. Rezamos para que o sangue destes mártires seja “semente de novos cristãos” e que os perseguidores reconheçam o valor da vida e aceitem a diferença.
Joaquim Dionísio, in VOZ DE LAMEGO, n.º 4292, ano 84/54, de 9 de dezembro de 2014