Arquivo
Editorial da Voz de Lamego: Se o grão lançado à terra não morrer…
“Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica só; mas, se morrer, dá muito fruto. Quem se ama a si mesmo, perde-se; quem se despreza a si mesmo, neste mundo, assegura para si a vida eterna. Se alguém me serve, que me siga, e onde Eu estiver, aí estará também o meu servo” (Jo 12, 24-26). Na verdade, “quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perder a sua vida por minha causa, há de encontrá-la” (Mt 16, 25-26).
A vida eterna não se decide no final da vida histórica, decide-se hoje, todos os dias, nas escolhas que fazemos e nos caminhos que percorremos. Vamos celebrar a Solenidade de Todos os Santos e viver a Comemoração dos Fiéis Defuntos, duas faces da mesma moeda, a vida dos fiéis que se predispuserem a seguir Jesus Cristo. Alguns tornaram-se para a família e/ou para as suas comunidades uma referência de santidade, de vida assumidamente cristã, nos valores e nas obras, nas palavras proferidas e nas palavras que se fizeram sangue, suor e lágrimas, compromisso, serviço e cuidado aos irmãos. Como tem dito o Papa Francisco, são santos à porta de casa, que encontramos em todo o lado. Agem de forma discreta, mas persistente, a dar bons conselhos, a visitar quem está mais só, a levar uma palavra de conforto ou ouvidos que escutam, a levar alimentos, a fazerem “voltas” a quem tem dificuldade de mobilidade.
A santidade é um caminho permanente. Uma opção de vida. Que exige, nas palavras de Jesus, vigilância e disponibilidade para servir. Os que já se encontram na glória de Deus são testemunho da fidelidade (fé, fiel) ao Senhor. Os Fiéis Defuntos são purificáveis por Jesus, no mistério da Sua morte e ressurreição. A nossa oração por eles faz-nos reconhecer que até à vida gloriosa estamos sempre em caminho e necessitados do amor e da graça de Deus, e permanecemos sempre interligados uns nos outros.
A vocação à santidade decorre do batismo e é universal. A santidade é, antes de mais, dom de Deus, a Sua graça em nós, a vida divina que nos habita desde o batismo. Ser santo não é um bicho de sete cabeças. Tem a ver com a felicidade, não apenas como meta, mas como processo. Tem a ver com o darmos, nas diferentes dimensões da vida, o melhor de nós e procurarmos nos outros o melhor deles. É uma missão permanente de quem acolhe Deus e O comunica aos outros, dando-se com generosidade e ternura, validando a identidade original – imagem e semelhança de Deus, filhos bem-amados do Pai. A santidade não é afastamento espiritual do mundo, mas comprometimento concreto. A fé expressa-se com as mãos, com o labor, é, ainda no dizer de Francisco, artesanal, como o amor que acaricia, abraça, cuida. A fé é amor que se materializa nas obras de misericórdia, corporais e espirituais, na referência constante às Bem-aventuranças, pois os cristãos só podem assumir-se na humildade e pobreza para que neles se engrandeça a presença de Deus.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 89/45, n.º 4532, 29 de outubro de 2019
SANTOS ANÓNIMOS | Editorial Voz de Lamego | 25 de outubro
Nas páginas centrais da edição da Voz de Lamego desta semana, o destaque para as Visitas Pastorais em Fráguas e em Vila Nova de Paiva, bem como o testemunho de fé e de vivência cristã do Selecionador Nacional, Eng. Fernando Santos, no Arciprestado da Mêda, Penedono, São João da Pesqueira e Vila Nova de Foz Côa. A abrir o jornal, o destaque a solenidade de Todos os Santos e dos Fiéis defuntos. É também esta a temática proposta pelo nosso Diretor, Pe. Joaquim Dionísio.
SANTOS ANÓNIMOS
Os católicos iniciam o penúltimo mês do ano com uma festa em honra dos que passaram pela vida “fazendo o bem”. No dia 1 de novembro celebramos a Solenidade de Todos os Santos, com origens no séc. IV e que, depois de várias datas, foi fixada neste dia, no séc. IX.
A festa da santidade enaltece o testemunho responsável e livre. Por isso, lembrar os santos não é apenas recordar exemplos de vida, mas também comprometer-se com uma resposta ao chamamento divino. A santidade é para todos e está ao alcance de todos.
Um teólogo católico do século passado falou de “cristãos anónimos” para referir todos os homens e mulheres de boa vontade que, não tendo tido acesso à revelação de Jesus Cristo, vivem a sua vida de acordo com os princípios evangélicos. A intuição valeu-lhe muitas críticas, mas serviu também para alargar horizontes.
Na festa da santidade, poderíamos também falar dos “santos anónimos”, aqueles de quem não sabemos o nome, que nada escreveram e que jazem em campa rasa, mas que neste dia honramos e que, na comunhão dos santos, nos acompanham:
- os que se fizeram próximos de todos;
- os pais que, com maior ou menor dificuldade, se empenharam na defesa e promoção da vida;
- os fiéis leigos que, vencendo o comodismo, se esforçaram na transmissão da fé e na edificação das comunidades;
- os ministros ordenados que se doaram ao povo que lhes foi confiado;
- crianças, jovens e adultos a quem a doença abreviou a vida e que, sem culparem Deus, permaneceram fiéis;
- as vítimas da intolerância, do egoísmo, da exploração e da indiferença que viveram sem sorrisos e sem liberdade…
Porque a santidade não é resultado de um processo canónico, mas fruto de uma vida singular.
in Voz de Lamego, ano 86/48, n.º 4384, 25 de outubro de 2016