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Editorial da Voz de Lamego: O Evangelho de Nazaré e de Lampedusa

Papa Francisco, presidiu à celebração da Santa Missa, em Lampedusa, a 8 de julho de 2013

Completaram-se sete anos desde que o Papa Francisco se deslocou a uma das periferias da Europa, à Ilha de Lampedusa, lugar de refúgio de milhares de pessoas que abandonaram a sua terra em busca de uma vida melhor, a fugir da guerra, da pobreza, da perseguição. A Ilha italiana é um dos pontos de entrada para a Europa; e um lugar para manter “isolados” do mundo os que se atrevem a embarcar para um futuro incerto.

A eleição do Papa Francisco, oriundo da Argentina, define por si só, uma periferia que é colocada no centro da Europa, no centro do mundo, da sociedade e da Igreja. O então Cardeal Jorge Mario Bergoglio agita as águas na intervenção que faz no conclave que viria a elegê-lo, mostrando que a Igreja, para ser fiel a Jesus Cristo, tem de se descentrar e ser Igreja em saída, indo às periferias, não apenas geográficas, mas sobretudo existenciais. Uma Igreja autorreferencial tende a adoecer, tornando-se inútil, anquilosada, desnecessária. A Igreja está para Cristo como a Lua para o Sol. A lua não tem luz própria, mas é um astro luminoso porque espelha e projeta a luz do Sol. Assim a Igreja, não se anuncia a si mesma, mas a Cristo e ao Seu Evangelho de amor. Cabe-lhe viver, seguir e testemunhar Jesus, tornando-O acessível a todos.

Após a eleição, Bergoglio escolheu, como patrono e referência, São Francisco de Assis. Os pobres, a identificação a Cristo pela pobreza e pelo despojamento, e as questões ambientais… programa do Papa Francisco, com o seu dinamismo latino, e, obviamente, a identidade da Igreja que quer estar onde Cristo deve estar, junto dos mais pobres.

Escolheu para primeira viagem apostólica, a 8 de julho de 2013, a Ilha de Lampedusa para se encontrar com os mais pobres dos pobres, pessoas sem teto, sem pátria, sem um futuro definido e, ao mesmo tempo, para rezar por todos quantos morreram a tentar passar o mar atlântico.

Palavras incisivas do Papa: “neste mundo da globalização, caímos na globalização da indiferença… acostumamo-nos ao sofrimento do outro, não nos diz respeito, não nos interessa, não é assunto nosso!  Foi-nos tirada a capacidade de chorar”. Pediu “perdão pela indiferença para com tantos irmãos e irmãs, perdão para aqueles que se acomodaram e se fecharam no seu próprio bem-estar, o que leva à anestesia do coração, perdão para aqueles que com suas decisões globais, criaram situações que levam a esses dramas”, para que o mundo tenha “a coragem de acolher aqueles que buscam uma vida melhor”.

Passaram sete anos. O Santo Padre assinalou o aniversário na passada quarta-feira, 8 de julho, na Eucaristia celebrada na Capela de Santa Marta, recordando a viagem como um desafio permanente contra a globalização da indiferença. Esta pandemia acentuou ainda mais as periferias, a pobreza, as desigualdades sociais, o isolamento dos mais vulneráveis… Em Nazaré, um carpinteiro, vive de forma simples, discreta e humilde, em família e em comunidade, até ao dia em que Se faz batizar, deixando-Se impelir pelo Espírito Santo, indo de terra em terra a anunciar a Boa Notícia da Salvação. Ninguém dava nada por Nazaré, mas é a partir daí que é lançada a semente do Reino de Deus. Será também da Galileia… que os apóstolos partem para outros mundos… De Lampedusa, mais uma etapa na revolução dos corações que se iniciou com Jesus.

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 90/33, n.º 4568, 14 de julho de 2020