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Editorial Voz de Lamego: Caim e Abel, irmãos nossos

«Onde está o teu irmão Abel?» Deus questiona Caim pelo seu irmão e responsabiliza-o. A resposta de Caim preocupa: «Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?» Na verdade, é uma resposta que continuamos a dar ou a viver. O tempo que atravessamos traz-nos muitas histórias (reais) de indiferença, desprezo, exclusão, violência, conflito.

Deus chama à razão Caim: «A voz do sangue do teu irmão clama da terra até Mim» (Gn 4, 8ss). Caim sujeita-se às consequências dos seus atos, do seu mau proceder, contudo, Deus marca-o com um sinal para que ninguém lhe faça mal. A história de Caim e de Abel é uma história de infortúnio, mas também de esperança e de compromisso.

A história dos dois irmãos traz duas conceções de vida antagónicas: a vida das “cidades”, sedentária, e a vida do campo, nómada. As duas formas de vida estão presentes no povo de Israel. Alguns defendem que o povo não se deve fixar, mas estar sempre em deslocação, lembrando que Abraão é um “arameu errante”, sem-terra. Outros, pelo contrário, sustentam a ideia de uma terra, dada por Deus em herança, ao seu povo, cumprindo a Sua promessa. O relato de Caim e Abel faz a opção clara pela “errância” do povo, predominando o pastoreio em vez a agricultura. Esta fixa-se na terra. Aquela avança de terra em terra.

Olhando para a história da humanidade de todos os tempos, verifica-se que a violência gratuita, os fratricídios (irmãos que matam irmãos) são frequentes: povos que se aniquilam, irmãos que guerreiam pela herança, que se matam por ciúmes e inveja, umas vezes por um pedaço de terra, outras vezes por uma ninharia. Ainda que possa haver sempre o ideal da reconciliação.

A guerra imposta pela Rússia à Ucrânia é mais um episódio infeliz como a desconfiança e o medo, o egoísmo e prepotência, conduzem à violência, à imposição de ideais e vontades, recorrendo ao poderio militar. A história de Caim e Abel assume e faz-nos visualizar a realidade histórica.

Mas, infelizmente, histórias de violência familiar repetem-se todos os dias. Fomos surpreendidos pela morte de uma menina com três anos, em Setúbal. À posteriori podem ver-se descuidos, desatenções, demissões. A família, que deveria ser espaço seguro, de vivência do amor, de cuidado e proteção, afinal não garantiu a vida desta menina. Muitas pessoas se juntaram para “julgar”, condenando, movidas pela revolta em relação a uma situação que não deveria ter acontecido. Mas onde estávamos antes de acontecer mais esta desgraça? Onde estavam os vizinhos, a família, os amigos? Onde estavam os que vieram depois?

Na história bíblica há um rasto de esperança. Apesar da infidelidade humana, Deus acredita, Deus aposta no homem. Caim matou o irmão. Deus reafirma, e a fé também, o mandamento: “Não matarás”. Quando alguém é morto, o “normal” é a vingança, a morte do agressor. Porém, se a justiça é necessária, a vingança é dispensável, pois só gera mais violência e não suprime a perda nem a ofensa. Caim é marcado com o sinal de Deus que impede que outros possam agir de forma violenta sobre ele. É uma história de amor e de salvação. Deus quer o nosso bem, mesmo quando e apesar de nos desviarmos do bem.

Caim permanecerá como uma figura do lado mais obscuro que há em nós, mas em simultâneo na certeza que a descoberta de Deus nos conduz à salvação.

Vale a pena registar e mastigar as palavras de são Paulo: «Pelo amor, fazei-vos servos uns dos outros. É que toda a Lei se cumpre plenamente nesta única palavra: ‘Ama o teu próximo como a ti mesmo’. Mas, se vos mordeis e devorais uns aos outros, cuidado, não sejais consumidos uns pelos outros» (Gál 5, 14-15).

Quando a guerra, a violência, os conflitos estão distantes, sossegamos porque não é (ainda) connosco! Mas, mais longe ou mais perto, os outros dizem-nos respeito e o que fazem ou deixam de fazer afeta-nos, se não mais cedo, mais à frente. Como cristãos, esta consciência deve ser ainda mais viva, pertencemo-nos, somos responsáveis pelos outros.

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 92/33, n.º 4664, 29 de junho de 2022

Editorial Voz de Lamego: Consagração da Ucrânia e da Rússia

No dia 25 de março, Solenidade da Anunciação do Senhor, sexta-feira, o Papa Francisco vai consagrar a Rússia e a Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria. Para esta consagração, o Santo Padre pediu que os Bispos do mundo inteiro se unissem a ele. Esta consagração far-se-á durante a Celebração da Penitência, presidida pelo Papa, na Basília de São Pedro, pelas 17h00. Tendo em conta a diferença horário, pelas 16h00, no Santuário de Fátima, o enviado do Papa, cardeal Krajewski, esmoleiro pontifício, conjuntamente com os Bispos portugueses, fará este mesmo ato de entrega e consagração da Rússia e da Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria.

Na aparição de 13 de julho de 1917, Nossa Senhora pediu a consagração da Rússia ao Seu Imaculado Coração: “Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz; se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas. Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”, registava Irmã Lúcia, falecida em 2005, nas suas “Memórias”.

Os Papas viriam a responder a este pedido. Pio XII, em 31 de outubro de 1942, consagrou o mundo inteiro, e, em 7 de julho de 1952, consagrou os povos da Rússia: “Assim como há alguns anos atrás consagramos o mundo ao Imaculado Coração da Virgem Mãe de Deus, agora, de forma muito especial, consagramos todos os povos da Rússia ao mesmo Imaculado Coração”.

Paulo VI renovou esta consagração, a 21 de novembro de 1964, na presença dos Padres do Concílio Vaticano II.

Por sua vez, o Papa João Paulo II compôs uma oração em forma de “Ato de entrega”, celebrado a 7 de junho de 1981, na Basílica de Santa Maria Maior. A 25 de março de 1984, na Praça São Pedro, em memória do Fiat pronunciado por Maria no momento da Anunciação, em união espiritual com todos os bispos do mundo, previamente “convocados”, João Paulo II confiou todos os povos ao Imaculado Coração de Maria: “E por isso, ó Mãe dos homens e dos povos, Tu que conheces todos os seus sofrimentos e todas as suas esperanças, Tu que sentes maternalmente todas as lutas entre o bem e o mal, entre a luz e as trevas, que abalam o mundo contemporâneo, acolhe o nosso grito que, movido pelo Espírito Santo, dirigimos diretamente ao teu Coração: abraça com amor de Mãe e Serva do Senhor, este nosso mundo humano, que Te confiamos e consagramos, cheio de inquietude pela sorte terrena e eterna dos homens e dos povos. De modo especial Te confiamos e consagramos aqueles homens e nações que têm necessidade particular desta entrega e consagração”.

No ano de 2000, foi revelada a terceira parte do segredo de Fátima. Tarcísio Bertone, secretário da Congregação para a Doutrina da Fé, comunicou à Igreja e ao mundo que a Irmã Lúcia, numa carta de 1989, tinha confirmado pessoalmente que este ato de consagração solene e universal correspondia ao que Nossa Senhora queria.

Diante da barbárie que Vladimir Putin impingiu à Ucrânia e ao mundo, o Papa Francisco convoca-nos à oração, por uns e por outros e por todos. Os nossos Bispos sintonizam-se, como expectável, com este desejo e iniciativa: “Por intercessão do Imaculado Coração de Maria, Rainha da Paz, continuemos a rezar pelo povo ucraniano, perseguido na sua terra e disperso pelo mundo, para que o Senhor atenda as nossas preces e os esforços das pessoas de boa vontade, e lhe conceda a paz e o regresso a suas casas”.

D. José Ornelas, Bispo de Leiria-Fátima e Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, sublinha que esta consagração “não é um gesto contra ninguém, os povos são muito mais dos que os seus governantes”. A bênção de Deus não exclui ninguém, Ele faz chover sobre bons e maus. Incluamo-nos, também nós, nesta consagração, para que a nossa vida seja promotora de vida e de paz.

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 92/19, n.º 4650, 23 de março de 2022

Editorial Voz de Lamego: A paz que Eu vos deixo

O Papa Paulo VI convocou o mundo para celebrar o Dia Mundial da Paz: “Dirigimo-nos a todos os homens de boa vontade, para os exortar a celebrar o ‘Dia da Paz’, em todo o mundo, no primeiro dia do ano civil, 1 de janeiro de 1968. Desejaríamos que depois, cada ano, esta celebração se viesse a repetir, como augúrio e promessa, no início do calendário que mede e traça o caminho da vida humana no tempo que seja a Paz, com o seu justo e benéfico equilíbrio, a dominar o processar-se da história no futuro”.

Ao longo do ano, existem dias mundiais, internacionais, dias dedicados a uma causa, para relembrar um acontecimento, para promover um valor, uma atitude, um compromisso. Estas comemorações existem para colmatar um défice, um esquecimento, alguma injustiça ou desigualdade. Mesmo que evoquem um acontecimento, têm o propósito de assinalar uma vitória, uma conquista para a humanidade ou para determinado povo, uma personalidade que marcou a história ou, em sentido contrário, para que não seja esquecido aquele dia, aquele acontecimento, aquela pessoa, para que não se caia no mesmo erro.

O Dia Internacional da Mulher, assinalado a 8 de março, alerta para as muitas desigualdades que ainda existem entre homens e mulheres, no trabalho e na lida doméstica, sendo também uma chamada de atenção para a violência doméstica em que a maioria das vítimas são mulheres. O Dia Mundial da Árvore, a 21 de junho, evidencia o cuidado a ter com o meio ambiente, com o excesso de poluição, com a desflorestação, com os incêndios, mostrando como o descuido da natureza a todos afeta. O Dia Mundial do Pobre, no penúltimo Domingo do Tempo Comum, remete para a opção preferencial dos mais pobres e que a erradicação da pobreza que continua a ser uma miragem, mas também um compromisso urgente, como se viu em tempo de pandemia, como se está a ver em tempo de guerra. São apenas alguns exemplos!

Se não houvesse guerra, não precisaríamos de um Dia Mundial da Paz ou um Dia Mundial da Não Violência, ou da Não discriminação. Mas, infelizmente, continuam a existir diferentes focos de guerra, em Cabo Delgado ou Myanmar, e, agora, entre a Rússia e a Ucrânia. A guerra traz o pior da humanidade, pela matança de pessoas, pelo rasto de tristeza e de luto que deixa, semeando ódios e desejo de vingança nas gerações mais novas, que deveriam estar a cultivar a paz, a fraternidade, uma vida saudável, com esperança no futuro. Por outro lado, os recursos usados por uma guerra serviriam muito para a erradicação da pobreza, mas no caso multiplicam-na exponencialmente.

Paulo VI enumera os muitos perigos que persistem: “da sobrevivência do egoísmo nas relações entre as nações… das violências, a que algumas populações podem ser arrastadas pelo desespero de não verem reconhecido e respeitado o próprio direito à vida e à dignidade humana… do recurso a terríveis armas exterminadoras, de que algumas potências dispõem… de fazer crer que as controvérsias internacionais não podem ser resolvidas pelos meios da razão, isto é, das negociações fundadas no direito, na justiça e na equidade, mas só por meio de forças aterradoras e exterminadoras”.

O compromisso pela paz há de corresponder ao empenho pelo desenvolvimento dos povos, à luta pela igualdade social, pela liberdade e pela justiça. Não basta não haver paz, é urgente que as pessoas, as famílias, os povos vivam em ambiente de segurança e lhes sejam assegurados direitos e garantias fundamentais, habitação, educação, cultura, saúde.

Diz Jesus aos seus discípulos: «Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz; Eu não vo-la dou como a dá o mundo» (Jo 14, 27). A paz que nos vem de Jesus alicerça-se, não no egoísmo, mas no amor, não no poder, mas no serviço, não na violência, mas na ternura, não rivalidade, mas na compaixão, não na inveja, mas na partilha, não no ódio, mas na comunhão, não na força, mas na humildade! É este o caminho da verdadeira paz, a que brota do coração.

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 92/17, n.º 4648, 9 de março de 2022

Os vencedores desta guerra

Não há grande debate para se fazer nesta altura. Um país que invade outro, soberano, autónomo, com uma História e Cultura próprias não tem qualquer desculpa. Nesta guerra, todos sabemos em que lado temos de estar. Sem qualquer arrogância ou prepotência, não há qualquer forma de desculpar a nefasta decisão da Rússia em invadir a Ucrânia. O tal país soberano.

Toda a atitude miserável de Putin só revela o desprezo que tem pela Humanidade e o profundo ardor no estômago que ainda sente quando se lembra da desagregação da União Soviética, nos anos 1990. O senhor Bashar-al-Assad, [inserir algo concreto] da Síria, disse que a invasão de Putin procura “corrigir a História”. Gabo o sentido de humor do dirigente sírio, que consegue dizer isto sem se engasgar naquele bigode ternurento. Mas nem só de História vive o Homem. O PCP português, com uma desfaçatez inebriante, capaz de deixar qualquer eleitor com a face mais do que ruborizada, escreveu que a NATO e os EUA são os principais responsáveis da situação que vivemos. Um dia encontrar-nos-emos nestas linhas a falar sobre a morte do PCP, que certamente não ouviu os pregos no caixão das últimas eleições legislativas.

Estas reações, da Síria e do PCP – que são apenas e só pequeníssimos exemplos – não ajudam a tranquilizar o ambiente, que neste momento é de grande ansiedade e incerteza. Sobre os movimentos geopolíticos e militares, confesso que apenas assisto e aprendo. Ainda assim, sinto-me tentado a destacar duas linhas de pensamento, que me parecem cruciais nesta altura.

A primeira diz respeito a uma hipocrisia generalizada da Europa. Sim, da Europa. De nós, europeus. De uma forma comovente e francamente ternurenta, são muitos os países do Velho Continente que têm já em marcha campanhas de acolhimento de refugiados, já para não mencionar as várias manifestações de apoio nas ruas e movimentações de envio de alimentos e mantimentos para as fronteiras próximas da Ucrânia. Durante anos e anos vimos imagens destas nas ruas da Síria, Irão, Iraque e sempre fomos mais reticentes em receber essas populações. Mas agora levantamos as portas sem hesitar. E bem, claro. Imagine sentir o som das sirenes, os mísseis a sobrevoar o seu prédio. Fugir estaria logo na sua mente.

Depois, a experiência da pandemia mostrou-nos de forma muito clara que nem sempre o argumento “isso é muito longe daqui” é bom conselheiro. Em meia dúzia de meses, a covid -19 chegou a Portugal, em pouquíssimas semanas, a variante Omicron saltou do Botswana e foi dominante em Portugal. Esta guerra traz outros vírus, seguramente. Mas que ninguém pense que as imagens da angústia ficam apenas em Kiev.

Fábio Ribeiro, Professor Universitário,

in Voz de Lamego, ano 92/16, n.º 4647, 2 de março de 2022

Por quem rezar?

Crónica semanal de Raquel Assis no jornal Voz de Lamego, edição de 2 de março de 2022, sobre a oração em tempo de guerra...

E quando pensávamos que estávamos a chegar ao dia da liberdade da guerra pandémica, eis que as tropas Russas invadem a Ucrânia, sem dó nem piedade, com uma frieza, arrogância, calculismo e sentido de superioridade nunca visto desde a II Guerra Mundial.

Avizinham-se tempos muito conturbados a nível da paz mundial, da economia e do abastecimento de bens essenciais.

Aqui longe, a sofrer com as imagens de desespero do povo ucraniano, resta-nos rezar! Mas rezar a quê? A quem? Os mais céticos dirão que de nada vale rezar, que o mundo está perdido e que se Deus existisse nada disto estaria a acontecer. Outros, por todo mundo, de todas as religiões, estão a criar redes de oração pelo povo ucraniano.

Mas há aqui uma questão que gostaria de partilhar convosco. Uma questão que me tem inquietado nas últimas horas. Sabemos que Deus é amor, não é cruel! Toda a maldade e todo o ódio que está no mundo surge de dentro de cada um de nós, porque Deus nos fez livres! Posto isto, será que é correto, e útil, rezar apenas pelos que sofrem? Não!

Quem sofre, sofre porque existe alguém cruel, desumano e impiedoso.

Se esse alguém não praticasse a maledicência, a maldade não surgiria e ninguém sofreria. Devemos rezar pelos nossos inimigos! Pedir a Deus que a Sua luz consiga penetrar no coração empedernido dos insensíveis malfeitores. Pedir a Sua bênção para esse irmão perdido, essa ovelha tresmalhada.

Nada justifica o mal, «nenhuma bandeira é suficientemente grande para cobrir a vergonha de matar pessoas inocentes». Jesus ensina-nos a dar a mão a quem precisa de ajuda, a perdoar os inimigos. Rezemos, então, pelo povo ucraniano, mas também pelo povo russo, por todos os militares envolvidos, pelo presidente Vladimir Putin, que tanto precisam de ajuda para que consigam ter consciência das suas atitudes, para que os seus olhos vejam o sofrimento atroz que estão a causar, para que saibam reverter o rumo das suas vidas, e assim, todo o mundo encontrar novamente a paz.

Raquel Assis, in Voz de Lamego, ano 92/16, n.º 4647, 2 de março de 2022

Editorial da Voz de Lamego: Dar a outra face… ou nem tanto!

No início de cada ano, e neste não foi diferente, há uma onda de esperança, com milhentos votos e propósitos de que tudo poderá ser melhor, a nível pessoal, familiar e social, a nível profissional, extensível à economia, à política, às relações internacionais. Mas logo a borrar a pintura o assassinato do general iraniano Soleimani, a 3 de janeiro, com a justificação que comandou diversas ofensivas contra militares americanos. Como vingança, os iranianos lançaram, dias depois, a 7 de janeiro, vários mísseis contra duas bases áreas americanas, situadas no Iraque, sem baixas.

Entretanto chegou a notícia de que um avião ucraniano se tinha despenhado, matando 176 pessoas que iam a bordo, no dia 9 de janeiro. Num primeiro momento, a informação de que se tratava de um acidente, mas logo se veio a saber que tinha sido abatido pelos iranianos. O Irão foi negando mas as informações levaram à admissão da culpa, ainda que tenham sublinhado ter-se tratado de um erro. Erro ou propositado, os protestos saíram à rua contra as autoridades iranianas, pois muitos dos que iam a bordo eram precisamente iranianos. Foram mortas 176 pessoas. É demasiado grave para esconder e se distorcer a informação.

A ameaça da guerra é uma constante; a paz, muitas vezes, não é conseguida pelo diálogo e pela verdade, mas pela força, pela demonstração bélica. Segundo as palavras do Papa Francisco já vivemos a Terceira Guerra mundial não apenas pelos focos de guerrilha, perseguição, mas também pelas políticas castradoras que exploram os mais pobres, pessoas e povos, obrigando-os a mendigar o que lhes pertence; a miséria, o tráfico de pessoas e/ou de órgãos humanos, a exploração sexual; o narcotráfico, as ditaduras que perduram, a corrupção, os guetos e os muros construídos; a ditadura da bolsa de valores e de novas ideologias, de multinacionais da comunicação e das empresas multinacionais que exploram exaustivamente as riquezas naturais, com trabalho escravo, comprando barato, e vendendo caro (aos mesmos que exploram). Como não lembrar, outro caso estranho, a Alemanha que, ao mesmo tempo, emprestava dinheiro, com juros, à Grécia, e vendia-lhe armamento, ganhando duas vezes à custa dos gregos. Os refugiados continuam a ser o rosto da miséria, da insegurança, da violência gratuita e da indiferença dos países mais ricos!

A pobreza de alguns países tem a conivência das autoridades locais. As lideranças políticas têm pouca vontade de resolver as dificuldades das suas gentes, mantendo-se infindamente no poder, controlando os militares, usufruindo, em benefício próprio, do comércio com países industrializados, empobrecendo os seus países!

Pouco a pouco, ainda que lentamente, as populações parecem abrir os olhos. O recente protesto contra as autoridades iranianas é expressivo: primeiro apoiaram a vingança contra os americanos, depois perceberam que as autoridades iranianas não se importam em sacrificar os seus ou de os enganar, mentindo-lhes…

A violência, a ameaça, as injustiças e a corrupção, o controlo da informação e as guerrilhas impedem o almejado desenvolvimento dos povos, destruindo as possibilidades de uma paz duradoura. Ainda estamos longe do desafio de Jesus, mas não chegaremos lá antes da justiça solidária!

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 90/07, n.º 4542, 14 de janeiro de 2020

Dias de genocídio: em pleno século XXI muitos cristãos perseguidos…

genocídio

O mundo prepara-separa acrescentar mais um ano ao calendário e os cristãos vivem o Advento como tempo de preparação para a grande festa do encontro entre Deus e a humanidade, o Natal. No entanto, no mundo, há milhões que não têm motivos para festejar a chegada de um novo ano e há milhares e milhares de cristãos perseguidos que não têm liberdade para celebrar a sua fé e condições para viverem a sua vida com dignidade.

No Iraque e na Síria, os terroristas do Estado Islâmico são implacáveis para com os Cristãos: ou se submetem, convertendo-se ao Islão, ou pagam um imposto – elevadíssimo – ou morrem. Os jihadistas não respeitam nada nem ninguém. Destroem igrejas, matam indiscriminadamente, violam mulheres e escravizam-nas. Milhares de crianças viram os pais serem assassinados à sua frente. O terror é tanto que a única alternativa é a fuga.  Milhares de cristãos deixaram tudo o que tinham e partiram. Agora vivem em tendas e não sabem o que fazer das suas vidas. No Líbano e na Jordânia há um lamento enorme, um grito de dor e de revoltaem milhares de pessoas. São os novos refugiados.  Não têm absolutamente nada. Às vezes, nem sequer a esperança de poderem algum dia regressar a casa…

A perseguição estende-se a outras zonas do globo, como seja em alguns países da Ásia e em África. Maioritariamente, os maus tratos e a morte são infligidos em países se orientação islâmica.

Apesar dos apelos ao diálogo e do convite permanente a que a diversidade seja respeitada, muitos grupos islâmicos consideram estar a cumprir a vontade de Alá quando perseguem e matam “infiéis”, isto é todos aqueles que professam outra fé. A imagem que têm da divindade é muito limitada e a compreensão que protagonizam das verdades da fé não reconhece o direito à diferença. Persegue-se e mata-se, não porque algum crime hediondo tenha sido cometido, mas tão somente porque não adoram o seu deus.

Comunidades cristãs com séculos de existência, famílias estabelecidas há muito com as suas tradições e bens são perseguidas, maltratadas, expulsas ou mortas porque se limitam a seguir a sua fé, a fé que herdaram dos seus antepassados.

Os perseguidores são alguns, podem até ser uma minoria e serão, certamente, um mau exemplo a evitar e uma má “publicidade” à fé islâmica. Mas a pergunta que se faz é esta: como se transmite tanto ódio de geração em geração, de grupo em grupo? Quem continua a propagar tais interpretações das escrituras islâmicas? Quem subsidia a existência de tais “mestres” e de tais “escolas” corânicas? Quem financia o recrutamento de tantos jovens europeus para as suas fileiras? Que os Palestinianos não gostem e persigam os judeus até é compreensível, quando vemos a situação em que milhões de Palestinianos são obrigados a viver. Mas que mal cometeram tantos cristãos indefesos, pobres e isolados no Iraque ou na Síria, na Nigéria ou na Coreia do Norte?

Por vezes a religião é apresentada como obstáculo e causa de conflitos, quando, na verdade, o problema será uma questão de valores e de princípios. Enquanto não se olhar para a vida como valor supremo e para a dignidade humana como princípio universal não se chegará muito longe. Que importa rezar ao Senhor da Vida se não sou capaz de respeitar a vida que tenho e que testemunho à minha volta? Como posso pedir perdão ao Senhor misericordioso se não aceito e sou incapaz de conviver com quem pensa diferente de mim?

Por outro lado, em países que se dizem de orientação ateia, como a Coreia do Norte, onde está o respeito pela liberdade individual e donde vem tanto medo perante a fé dos cidadãos? Ou será que a fé cristã ensina e promove pensamentos e práticas que respeitam a diversidade e excluem todo o totalitarismo? Porque será que esses dirigentes, que se dizem iluminados e teimam em manter os seus compatriotas nas trevas, têm mais medo das bíblias que proíbem do que das armas que produzem e vendem?

Ninguém poderá ficar insensível perante tantas atrocidades que se cometem por esse mundo fora, desrespeitando a individualidade e dignidade humanas. Curvamo-nos perante tantos testemunhos de fidelidade e sentimo-nos pequenos diante de tamanhos exemplos de vida e de fé.

Enquanto crentes, somos desafiados na nossa esperança, acreditando que a Providência de Deus não falha, apesar de, às vezes, pensarmos que Deus anda “distraído” perante tanto mal e “silencioso” diante de tantas súplicas. Mas Ele concede-nos tempo para reconhecer o erro e corrigir a falha. Rezamos para que o sangue destes mártires seja “semente de novos cristãos” e que os perseguidores reconheçam o valor da vida e aceitem a diferença.

Joaquim Dionísio, in VOZ DE LAMEGO, n.º 4292, ano 84/54, de 9 de dezembro de 2014

“Só os mais corajosos vêm à Missa» | Terra Santa

GazaA Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) divulgou o testemunho do padre Mário da Silva, da Faixa de Gaza, que alerta para a dificuldade de prestar assistência pastoral devido à guerra, porque as pessoas têm medo sair de casa.

“Apesar da situação, celebramos Missa todos os dias e fazemos adoração Eucarística mas neste momento quase ninguém vem à igreja e ao domingo nunca há mais do que cinco pessoas. Só os mais corajosos vêm, é demasiado perigoso”, explicou o padre Mário da Silva, do Instituto do Verbo Encarnado, em Gaza, Palestina.

Atualmente são 170 católicos que vivem na Faixa de Gaza que tem numa população de 1,8 milhões de pessoas, adianta a AIS.

“As pessoas não se atrevem a sair à rua, por causa dos bombardeamentos, e preferem ficar nas suas casas. Por essa razão, começámos um serviço pastoral por telefone e todos os dias, com o pároco, ligamos para os fiéis e perguntamos pela família, como é que estão, de que precisam e também tentamos dar-lhes coragem espiritual”, desenvolveu o sacerdote, sobre as consequências do conflito entre Israel e a Palestina.

O padre Mário da Silva, que trabalha na paróquia católica da Sagrada Família, disse ainda que cerca de 900 refugiados encontraram abrigo numa escola católica onde recebem assistência.

Nesta paróquia, o sacerdote partilha o trabalho com mais dois padres e seis freiras do instituto religioso fundada pela Beata Madre Teresa de Calcutá, as Missionárias da Caridade que são responsáveis por crianças com deficiência física e mental.

in VOZ DE LAMEGO, 19 de agosto de 2014, n.º 4276, ano 84/38

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