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Editorial Voz de Lamego: Dai-lhes vós de comer

Com a guerra imposta pela Rússia à Ucrânia, acresce um problema associado à guerra, a fome. As guerras, ao longo da história, como lembrou D. António Couto, na Lapa, no passado dia 10 de junho, já matou 3 biliões e 800 milhões de pessoas. A fome, por sua vez, continua a matar milhares de pessoas. Associada à guerra, a fome mata ainda mais pessoas.
Por um lado, a escassez de alguns alimentos, mormente cereais exportados da Ucrânia para muitos países e que, agora, em virtude das dificuldades ou impossibilidades de escoamento, aumenta exponencialmente o preço dos mesmos. Por outro lado, também os combustíveis (fósseis) subiram em flexa, devido aos preços exigidos pela Rússia ou às sanções económicas que impedem ou diminuem a disponibilidade aquisição. A guerra mostrou uma interdependência entre povos, não apenas na Europa ou no Ocidente, mas em todo o mundo. Os mais pobres são os primeiros a pagar a fatura da escassez.
Se folhearmos os jornais ou fizermos uma busca na internet, em sites fidedignos, veremos que os números são verdadeiramente assustadores, referidos a crianças. O número de pessoas que vive abaixo do limiar da pobreza é dramático. O dinheiro investido em armamento, como o que se está a verificar atualmente, erradicaria a pobreza na maioria dos países. Para erradicar a pobreza investem-se milhares de euros / dólares, para armamento investem-se biliões!
“A cada cinco segundos, morre no mundo uma criança com menos de 15 anos. As crianças dos países com a mortalidade mais alta têm até 60 vezes mais probabilidade de morrer nos primeiros cinco anos de vida do que as dos países com mortalidade mais baixa, segundo o relatório da ONU” (Unicef, 18 setembro 2018). “Uma criança morre a cada 10 minutos por falta de alimentos no Iêmen” (ONU News, 24 de setembro de 2021). “Mais de cem mil crianças estão em risco de morrer de fome em Tigré. Os números da subnutrição na região, que foi a mais afetada pela grande fome de 1984, aumentaram dez vezes, segundo estimativa da Unicef. Responsáveis pedem acesso ao local para entrega de ajuda alimentar urgente” (Público, 30 de julho de 2021).
A pandemia, as alterações climáticas, os conflitos violentos estão a multiplicar a fome em todo o mundo, não se vislumbrando sucesso para os diferentes projetos de erradicação da pobreza. A guerra na Ucrânia é só mais um triste e lamentável acontecimento que faz perigar a vida de milhares das pessoas, trazendo inquietação, revolta, medo, aumento do custo de vida, e desatenção aos pobres e excluídos, criando novas faixas de pobreza… o que, por sua vez, gerará mais conflitos.
Não podemos fazer tudo. Mas há sempre alguma coisa que poderemos fazer para ajudar, não apenas os que estão longe, mas os que vivem perto.
Na solenidade de Corpus Christi, em Portugal, celebrada na quinta-feira, 16 de junho, e em muitos países no último Domingo, fomos presenteados pela narração da multiplicação dos pães (Lucas 9, 11b-17). No evangelho, Jesus insinua-Se como o alimento para todos. Alimento abundante, que sobeja para que possa ser partilhado por outros, pelos que estão ausentes. Os apóstolos veem (sobretudo) o número: muitas pessoas, poucos alimentos, dinheiro insuficiente para tanta gente. Como é verdade ainda hoje: tanta gente que não tem como alimentar-se! A riqueza nas mãos de uns poucos. Jesus compromete-nos: «Dai-lhes vós de comer». Tanta gente. Cinco pães e dois peixes. Ontem como hoje. A questão dos números é relativa. Também hoje podemos operar verdadeiros milagres, pela partilha. Quando partilhamos do pouco que temos, dá para mais, dá para muitos, dá para todos. Deus conta connosco, com os nossos cinco pães e dois peixes e conta que sejamos nós a distribuir. Na vizinha Espanha, foi aprovada uma lei contra os desperdícios de alimentos. A ONU afirma que mais de um terço dos alimentos produzidos é desperdiçado. Pode incentivar outros países, e a sensibilizar as pessoas, a fazerem o mesmo. O excesso de desperdício é um atentado à escassez alimentar de muitas pessoas, em muitos países. Passa também por aqui a multiplicação dos pães: a partilha solidária.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 92/32, n.º 4663, 22 de junho de 2022
Editorial: «Maria levantou-se e partiu apressadamente» (Lc 1, 39)

É o tema escolhido pelo Papa Francisco para preparar e viver as Jornadas Mundiais da Juventude, que se realizam em Portugal, em agosto de 2023. Esta expressão faz a ponte entre a Anunciação do Anjo a Nossa Senhora e a Visitação à Sua primeira Isabel (cf. Lc 1, 39).
O Evangelho de São Lucas abre praticamente com visitação do Anjo Gabriel a Zacarias e a Maria, uma virgem desposada com um homem chamado José. Cada uma das visitações traz um anúncio. Zacarias e Isabel vão ser pais, apesar da idade avançada. Para eles, a idade de serem pais já tinha passado, já se tinham conformado com essa “maldição”. Apesar disso, são tementes a Deus, justos e cumpridores da Lei, procedendo irrepreensivelmente segundo os mandamentos e preceitos do Senhor. A Deus nada é impossível. Deus opera para além dos nossos limites racionais e torna viável o que é inalcançável, favorecendo-nos com a Sua benevolência. É inacreditável. Zacarias fica sem palavras. Não há palavras que possam expressar o inaudito que nos chega de Deus. Estamos longe de nos apercebermos de quanto bem Deus faz por nós ou coloca ao nosso alcance!
A visitação do Anjo a Maria tem um propósito que alterará para sempre a história da humanidade. Mesmo para os que não acreditam, contestam ou se manifestam indiferentes, Aquele que está para vir ao mundo deixará marcas na pequena cidade de Nazaré, em Belém, em Jerusalém e no mundo inteiro. Nada, nunca será como antes. “Salve, cheia de graça, o Senhor está contigo… conceberás e darás à luz um filho, e chamá-lo-ás Jesus. Ele será grande e será chamado Filho de Deus Altíssimo”. Sim, como é possível! Deus a nascer de uma jovem, humilde, campónia, como será isso? Diante de tão grande assombro, Maria confia no anúncio que lhe é feito e predispõe-se a ser parte do mistério salvífico: “Eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra”. Deus chama, desafia, espera por nós, confiando no nosso discernimento! Maria responde e confia na fé que A liga a Deus. O seu “sim” assenta na intimidade com o Senhor. Ela alimenta-se de oração, é cheia de graça!
A palavra de Deus desinstala-nos, inquieta-nos, põe-nos em movimento. Mau será quando a Palavra de Deus já não nos inquietar, quando nos deixar ficar como antes e/ou sentadinhos à espera que a vida aconteça. A palavra de Deus é viva e eficaz! Mas a sua eficácia também depende do nosso sim, da nossa vontade em Lhe respondermos. Esta resposta tem duas direções: Deus e próximo.
A Virgem Maria mostra-nos como se faz!
Depois de tão grandes novas, Ela podia fazer-se grande, orgulhar-se de ter sido a escolhida, mas continua ser serva, disposta, em tudo, a ser prestável. Não reserva tempo para refletir, para festejar, para medir as consequências, as dificuldades que possam vir pela frente. Não pensa no futuro. Sabe que pode confiar. Confia absolutamente em Deus. Maria levantou-se, diz-nos o Evangelho, e foi apressadamente para a montanha, em direção a uma cidade de Judá (Ein-Karim, seis quilómetros a oeste de Jerusalém), e entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel.
Ao dirigir-se aos jovens, e toda a mensagem se adequa a cada um de nós, o Papa Francisco tem-lhes dito, insistentemente, para se levantarem do sofá. Maria levanta-se e parte apressadamente, como mulher da caridade, vai ajudar Isabel nos últimos tempos de gravidez, e como mulher missionária, transportando a Alegria que contagia aqueles que encontra. Isabel fica cheia do Espírito Santo: “Eis que quando a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança soltou de júbilo no meu ventre”.
Como Maria, levantemo-nos e vamos apressadamente anunciar o Evangelho, com a voz e com a vida.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 92/06, n.º 4637, 14 de dezembro de 2021
Editorial: Não suceda que os vossos corações se tornem pesados

Jesus é o Mestre da Sensibilidade que antecipa, prepara, coloca de sobreaviso os seus discípulos sobre as contingências do tempo e sobre o tempo que está para vir. Com Ele, chegamos ao final e à plenitude dos tempos. Estamos mergulhados na vida divina. No sacramento do Batismo, morremos em Cristo, para o pecado e para a morte, e com Ele ressuscitamos, somos novas criaturas, estamos enxertados em Cristo como o ramo à videira, alimentando-nos do Seu Espírito. Nos demais Sacramentos, sobretudo na Eucaristia, na oração e no bem que em Seu nome fazemos, vamo-nos configurando com Ele.
Ao iniciarmos o tempo do Advento, oportunidade renovada de renovarmos os nossos propósitos batismais.
Jesus desperta os seus discípulos para os sinais e para os acontecimentos que advirão em catadupa! Quando temos tempo de respirar e encaixar o que nos sucede e o que sucede à nossa volta, é possível que as adversidades fortaleçam a nossa luta, o nosso empenho e nos despertem para os imponderáveis da vida. Quando as adversidades se multiplicam e nos tocam a alma, poderemos entorpecer e deixar-nos afundar em trevas. Daí que Jesus, antecipando as tempestades que surgirão, garante aos Seus discípulos a Sua presença, convocando-os a viver na ambiência da oração. A oração faz com que sintamos a proximidade de Deus e o nosso coração seja inundado pela luz da esperança, apesar e além do mal que se infiltra.
Numa linguagem muito sugestiva e muito viva, diz Jesus: «Haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas e, na terra, angústia entre as nações, aterradas com o rugido e a agitação do mar. Os homens morrerão de pavor, na expectativa do que vai suceder ao universo, pois as forças celestes serão abaladas. Então, hão de ver o Filho do homem vir numa nuvem, com grande poder e glória» (Lc 21, 25-27).
A incerteza do futuro, habitualmente, gera medo, angústia, sobretudo no meio dos dramas. Vivendo em situações de calmaria e paz, olhamos para o futuro com confiança, ao invés, se o mar está revolto, tememos pelo que possa acontecer, antecipando, muitos vezes, cenários catastróficos. Jesus conhece-nos, conhece os Seus discípulos e sabe que, quando Ele não estiver fisicamente presente no meio deles, e a perseguição surgir, ou os conflitos entre povos for manifesto, eles correm o risco de soçobrar.
Mais tarde ou mais cedo, de uma ou outra forma, uns mais e outros menos, todos experimentaremos momentos de sofrimento, fragilidade ou até desolação, doenças, perdas, dúvidas sobre amizades e relacionamentos, contratempos. Contar com alguém, ajuda a aliviar a carga, a partilhar as dúvidas, a disseminar a solidão. O outro pode não resolver por nós ou não fazer o que nos cabe realizar, mas sabermos que não estamos sós, que alguém, sempre, nos vai deitar a mão, nos vai amparar ou abraçar, é já alento que nos anima e alivia o nosso coração. É esta a promessa de Jesus aos Seus discípulos. Não lhes promete vida fácil, promete-lhes a Sua presença, fiel, forte, permanente, amorosa! Saber que Alguém nos espera, que Alguém caminha connosco, Alguém que não nos deixa para trás, faz-nos persistir na caminhada e na luta, permitindo-nos vislumbrar a direção a seguir. Sozinhos perder-nos-emos antes de chegarmos a meio do caminho. O nosso GPS é Jesus, a nossa Rosa de Ventos, que a todos chama e a todos envia, a toda a parte.
«Quando estas coisas começarem a acontecer, erguei-vos e levantai a cabeça, porque a vossa libertação está próxima. Tende cuidado convosco, não suceda que os vossos corações se tornem pesados pela intemperança, a embriaguez e as preocupações da vida, e esse dia não vos surpreenda subitamente como uma armadilha, pois ele atingirá todos os que habitam a face da terra» (Lc 21, 28.34-35).
Sem equívocos! Os tempos podem ser conturbados, mas Jesus dá-nos a receita para perseverarmos, a ambiência da oração, pela qual O descobrimos a caminhar connosco!
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 92/04, n.º 4635, 1 de dezembro de 2021
Editorial Voz de Lamego: Não seja assim entre vós

A mãe dos filhos de Zebedeu, Tiago e João (cf. Mt 20, 20-28) pede a Jesus para que os filhos sejam colocados um à direita e outro à esquerda no Reino que há de vir. O pedido da mãe, justificável, ou dos próprios, como aparece no evangelho de São Marcos (10, 35-45), visa um lugar privilegiado de poder e estatuto. É um lugar a pedido e não por competência ou prévio esforço e merecimento!
Avançamos um pouco e verificamos que este pedido é comum aos outros discípulos, também eles desejam o melhor lugar. Não importa que competências lhes sejam reconhecidas, o decisivo é o lugar de destaque querem ocupar. Um pouco antes, Jesus tinha-lhes dito que a discussão entre eles não fazia sentido, pois quem quisesse ser o primeiro teria que ser o último e o servo de todos. Depois deste pedido, reacendem-se os ânimos e a disputas sobre qual é o maior, sobre qual poderá suceder a Jesus Cristo ou ocupar o cargo mais relevante.
Novamente, Jesus lhes assenta o estômago, mostrando que o discipulado passa pelo serviço, pelo cuidado aos irmãos, passa por perder a vida, por gastar a vida a favor dos outros.
Diz-lhes Jesus: “Sabeis os chefes das nações as governam como seus senhores, e que os grandes exercem sobre elas o seu poder. Não seja assim entre vós. Pelo contrário, quem entre vós quiser fazer-se grande, seja o vosso servo; e quem no meio de vós quiser ser o primeiro, seja vosso servo”. E conclui Jesus, dizendo que “também o filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida para resgatar a multidão” (Mt 20-25-28).
O país foi a votos, escolhendo os governantes que lhe são mais próximos. As próximas eleições, como se disse destas, vão ser as mais importantes e decisivas! E, na verdade, as eleições são sempre importantíssimas e as escolhas que fazemos vão marcar os meses e anos seguintes. As decisões que os governantes tomarem, boas ou más, vão-nos ajudar ou prejudicar, vão criar mais igualdade ou mais desigualdade, vão dividir mais o povo ou promover o bem comum. No Domingo à noite, todos saíram vencedores! Ou pelo menos aqueles que escolheram os seus governantes e todos os que se propuserem assumir mandatos para os quais foram ou poderiam ter sido eleitos. A política é uma arte, mas também um serviço à causa pública, ao bem comum, procurando que todos, mas especialmente os mais desfavorecidos (económica, social, culturalmente), se sintam escutados e encontrem respostas aos seus direitos! E se há direitos a exigir é porque há deveres a cumprir.
Depois das eleições, vamos dar as mãos! Ou talvez não!
Vamos esquecer o que foi dito no calor do momento! Ou talvez não seja fácil esquecer o que se disse, mesmo que tenha sido num instante de maior entusiasmo e menor consciência! Alguns perdem-se e esquecem quem são e quais os valores que os trouxeram ao lugar em que se encontram. Quando a discussão versou a vida pessoal e o caráter dos candidatos… será mesmo possível dar as mãos?
Se o propósito é o bem de todos, então todos devem deitar mãos à obra para prosseguir com todos os projetos defensáveis, exequíveis e benéficos para a comunidade! E talvez até seja bom, justo e honesto ver as propostas que os outros adversários apresentaram…
É tão fácil dizer estas coisas!
É tão mais difícil executá-las.
Não seja assim entre vós! Na comunidade cristã também surgem disputas e, por vezes, não é possível dirimir contendas e contentar tantos egos! O desafio de Jesus é para a comunidade dos seus discípulos, mas como se percebe, também para aqueles que se propõem servir o povo! Servir! Não servir-se! Foram eleitos para servir, para fazerem da política uma arte!
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 91/44, n.º 4626, 29 de setembro de 2021
Editorial Voz de Lamego: Aspirai às coisas do alto

Cristo morreu! É o lamento de sexta-feira santa. Tudo está consumado.
Cristo voltou à vida, por dom maravilhoso do amor de Deus. É o anúncio prazeroso e feliz de Domingo!
O Amor de Deus em Jesus Cristo é mais forte que a morte. Páscoa é esta passagem da morte à vida, das trevas à luz, do medo à confiança, da dispersão à comunhão, da desolação ao encontro. A ressurreição não é um acontecimento banal, usual, é um acontecimento inaudito, novo, não é uma conquista humana, científica, é intervenção de Deus. Ainda procuramos palavras para descrever a ressurreição, o voltar à vida, não biológica, mas gloriosa. O importante mesmo é a alegre e boa notícia: Jesus está vivo, no meio de nós, e, a partir do meio, nos atrai para constituirmos família.
A boa notícia, a informação acerca de Jesus, não é para autocomprazimento, para regozijo pessoal ou para aumentar a cultura geral, mas é saber que se torna anúncio. Não há discípulos que não sejam apóstolos, que não sejam missionários. É como os dons, são dons enquanto estão ao serviço dos outros, de contrário serão teoria, hipóteses, possibilidades, mas não dons, não realidade. Não há tempo a perder. É AGORA!
Eis a alegria do Evangelho, a Boa Notícia: Cristo, Filho de Deus, está vivo, está no meio de nós. As trevas foram vencidas pela luz. O medo deu lugar à confiança. Da morte ressurgiu a vida. O Crucificado ressuscitou. O amor venceu o pecado e a desolação. Não podemos calar; não podemos esconder; não podemos abafar o grito de júbilo, não podemos encerrar tão intensa luz. O sepulcro fica para trás. É tempo de partir. É tempo de apregoar a Boa Notícia. Ele não está na morte, não está no túmulo. Ele está onde há vida. Ele é vida, nova, ressuscitada, gloriosa. Ele encontra-nos, ponhamo-nos a caminho. Ele precede-nos. Sigamo-l’O.
Uma grande alegria tende a espalhar-se, extravasa, não é possível guardar só para nós.
A Boa Notícia espalha-se, e os Apóstolos são surpreendidos por Jesus Ressuscitado. É agora que se tornam verdadeiramente apóstolos, missionários. Não deixam de ser discípulos – correriam o risco da dispersão e do engodo – mas vem ao de cima a missão evangelizadora. O titubeante Pedro, anuncia Jesus com alegria e convicção. É tempo de partir, de ir, de anunciar em toda a parte, de testemunhar. «Jesus mandou-nos pregar ao povo e testemunhar que Ele foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos. É d’Ele que todos os profetas dão o seguinte testemunho: quem acredita n’Ele recebe pelo seu nome a remissão dos pecados».
O desafio é que o nosso coração bata ao ritmo do coração de Jesus. Ele que era de condição divina, assumiu-nos na nossa fragilidade humana, na nossa finitude, para nos ensinar a viver na intimidade do Pai e na certeza que a vida se cumpre pelo amor que é mais forte do que a morte. Depois da Sua ressurreição/ascensão, cabe-nos exercitar a nossa identidade e a nossa pertença. “Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde Cristo Se encontra, sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar, então também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória” (Col 3, 1-4)
O convite do Apóstolo é claro: afeiçoar-nos às coisas do alto, tomar as feições de Jesus, procurando imitá-l’O no amor e no serviço a cada pessoa que encontrarmos no nosso caminho, especialmente aos mais pequeninos.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 91/21, n.º 4603, 6 de abril de 2021
Editorial da Voz de Lamego: O encontro com o Senhor do Tempo

O tempo é uma espécie de espiral que se enlaça entre lutos e vidas novas, entre fins de ciclos que nos conduzem para novas situações e novos projetos. Com efeito, como seres humanos somos constituídos no tempo e inseridos no espaço, somos presente, enraizados no passado e impelidos para o futuro. As memórias solidificam o que somos e as capacidades que temos, permitem-nos caminhar entre as coisas boas que já fizemos, as menos boas que queremos e podemos evitar, para que na atualidade não sejamos fantasmas do que fomos. Por outro lado, como o amanhã pertence a Deus, olhamos para o futuro com esperança, pois Aquele que está no início também vai estar à nossa espera no final do caminho; Quem nos gerou para vida também garantirá que a nossa vida não se perde.
No final do ano litúrgico, particularmente nas parábolas de Jesus, que o Evangelho nos serve aos Domingos, somos colocados diante do Senhor do Tempo, como Juiz benevolente e Pai misericordioso.
No entretanto, sem Se ausentar, alheado e distante, Deus confia-nos o mundo, dá-nos o tempo, gratuitamente, os dons e os talentos, para que cuidemos uns dos outros e para administrarmos os bens da criação. A perspetiva não é o açambarcamento, mas a partilha que multiplica o que se dá! Como sublinha D. António Couto, o pecado dos primeiros pais não foi o comerem do fruto da árvore, mas o facto de o recolherem e o reterem só para si mesmos, sem deixar nada para outros. O que Deus dá não é para esconder, para guardar, mas para dividir. O que guardamos perde-se, o que damos multiplica-se.
No final da caminhada, Ele estará, como sempre, à nossa espera. Ajustamos contas, não com um estranho, mas com Alguém que nos conhece e que conhecemos. Precede-nos na vida e espera por nós para nos acolher na Sua habitação eterna.
O Reino de Deus é comparável a 10 virgens que esperam para receber e acompanhar o noivo ao banquete nupcial. Esperamos, não de braços cruzados, mas ativamente, vigilantes. Quem vai para mar prepara-se em terra. Parte do grupo prepara-se e leva azeite nas candeias e de reserva nas almotolias. As outras apostam na sorte: ou que o noivo venha cedo ou alguém possa ajudá-las caso fiquem sem azeite. Na verdade, somos responsáveis uns pelos outros. Mas há a responsabilidade pessoal, os outros não nos substituem, não vivem por nós. Deus não vive na nossa vez.
O reino de Deus é comparável àquele homem que partiu de viagem e confiou cinco talentos a um servo, dois a outro e um a outro. Os primeiros duplicaram o valor. O último, com medo, escondeu o talento, não produzindo. Não arriscou nada. O cristão é alguém que tem que arriscar. [Cf. Homilia do Papa Francisco no Dia Mundial dos Pobres, na página sete desta edição] O que nos é dado não é para devolver a Deus como Ele no-lo confiou, mas para o multiplicarmos, no cuidado por toda a criação, especialmente pela humanidade, e sobretudo na atenção privilegiada aos mais pobres, ao jeito de Jesus, traduzível na práticas das obras de misericórdia. No final seremos julgados pelo que fizemos aos mais pobres. É Jesus quem no-lo diz: o que fizeste aos mais pequeninos foi a Mim que o fizeste. A vida eterna começa em terra. O amanhã decide-se hoje, o final inicia-se na história e no tempo para que diante do Senhor do Tempo a nossa vida lhe seja entregue preenchida de amor.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 91/02, n.º 4584, 17 de novembro de 2020
Editorial da Voz de Lamego: sulcos de esperança
Para semear ou plantar alguma coisa é necessário criar sulcos, regos, rasgos na terra. Temos vindo a escutar, no Evangelho de domingo, parábolas que falam da semente lançada à terra e que encontra solos diversos, ou semente boa que resiste apesar do joio, ou o grão de mostarda, pequena semente que virá a tornar-se uma árvore grandiosa. Em todas as circunstâncias, Deus age, espera, usa de benevolência e de paciência.

O nosso Bispo, D. António Couto, em reunião promovida pela coordenação pastoral da Diocese, de que damos notícia nesta edição do jornal, ao tomar a palavra, referiu-se aos sulcos de esperança, lembrando que as sementes precisam desses sulcos para germinarem, crescerem e darem fruto. Estes tempos de pandemia são também tempos dos sulcos da esperança. Tempos marcados pela adversidade, mas nem por isso deixam de ser tempos de esperança. Teremos que, no meio da desgraça, encontrar a graça e a presença de Deus. Deus não está ausente. Haverá lugar ao esforço, sacrifício e até lágrimas, mas, simultaneamente, não deixemos de preencher os sulcos de esperança e de alegria.
No lema episcopal do nosso Bispo – Vejo um ramo de amendoeira – baseado numa passagem de Jeremias (1, 11-12), em que ele é interpelado por Deus a ver para lá do inverno, para lá dos tempos de agrura e de dificuldade, surge de algum modo a mesma perspetiva. Em pleno inverno, a amendoeira flori, resplandecente, apesar do frio, do tempo adverso para flores e frutos. Refere D. António: “A amendoeira é uma das poucas árvores que floresce em pleno inverno. Ao responder [ao Senhor]: «Vejo um ramo de amendoeira», Jeremias já ergueu os olhos da invernia e da tempestade e do lodo e da lama e da catástrofe e da morte que tinha pela frente, e já os fixou lá longe, ou aqui tão perto, na frágil-forte-vigilante flor da esperança que a amendoeira representa”.
Esta é a missão da Igreja, Bispo, padres e leigos, mostrar que os sulcos cavados na terra têm neles a semente da esperança, da alegria e da festa. Daí também, nesse contexto, a necessidade de não ficarmos à espera que passe a pandemia. Urge transparecer a esperança e a alegria e a certeza de que este também é tempo de Deus. A palavra de Deus é um oxímoro, um contraponto à realidade atual, um desafio, uma provocação. O tempo é diferente, novo, mas ainda assim desafiante, comprometendo-nos como “agentes” da pastoral da graça e da esperança. Temos que responder perante as comunidades, perante as pessoas que Deus coloca nas nossas vidas e que formam as nossas paróquias. A Diocese viveu e viverá em caminho e em comunhão, mas dará passos novos, com uma mensagem de esperança, de graça e de beleza, avançando! O surto pandémico é um sulco que envolve sofrimento e lágrimas, mas é também um sulco grávido da presença e do amor de Deus.
Os responsáveis nacionais da catequese já apresentaram Orientações para a catequese da infância e da adolescência (acessíveis na página da Diocese: www. diocese-lamego.pt) para o novo ano pastoral, com o envolvimento de todos, pais, crianças, catequistas, párocos, comunidade, prevendo a catequese presencial e digital, apelando também a que novos elementos se comprometam como catequistas. A diocese de Lamego, departamentos e paróquias, está também a tratar disso… para que o caminho e a comunhão nos façam descobrir o rosto e a identidade da Igreja.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 90/34, n.º 4569, 21 de julho de 2020
Editorial da Voz de Lamego: O Evangelho de Nazaré e de Lampedusa

Completaram-se sete anos desde que o Papa Francisco se deslocou a uma das periferias da Europa, à Ilha de Lampedusa, lugar de refúgio de milhares de pessoas que abandonaram a sua terra em busca de uma vida melhor, a fugir da guerra, da pobreza, da perseguição. A Ilha italiana é um dos pontos de entrada para a Europa; e um lugar para manter “isolados” do mundo os que se atrevem a embarcar para um futuro incerto.
A eleição do Papa Francisco, oriundo da Argentina, define por si só, uma periferia que é colocada no centro da Europa, no centro do mundo, da sociedade e da Igreja. O então Cardeal Jorge Mario Bergoglio agita as águas na intervenção que faz no conclave que viria a elegê-lo, mostrando que a Igreja, para ser fiel a Jesus Cristo, tem de se descentrar e ser Igreja em saída, indo às periferias, não apenas geográficas, mas sobretudo existenciais. Uma Igreja autorreferencial tende a adoecer, tornando-se inútil, anquilosada, desnecessária. A Igreja está para Cristo como a Lua para o Sol. A lua não tem luz própria, mas é um astro luminoso porque espelha e projeta a luz do Sol. Assim a Igreja, não se anuncia a si mesma, mas a Cristo e ao Seu Evangelho de amor. Cabe-lhe viver, seguir e testemunhar Jesus, tornando-O acessível a todos.
Após a eleição, Bergoglio escolheu, como patrono e referência, São Francisco de Assis. Os pobres, a identificação a Cristo pela pobreza e pelo despojamento, e as questões ambientais… programa do Papa Francisco, com o seu dinamismo latino, e, obviamente, a identidade da Igreja que quer estar onde Cristo deve estar, junto dos mais pobres.
Escolheu para primeira viagem apostólica, a 8 de julho de 2013, a Ilha de Lampedusa para se encontrar com os mais pobres dos pobres, pessoas sem teto, sem pátria, sem um futuro definido e, ao mesmo tempo, para rezar por todos quantos morreram a tentar passar o mar atlântico.
Palavras incisivas do Papa: “neste mundo da globalização, caímos na globalização da indiferença… acostumamo-nos ao sofrimento do outro, não nos diz respeito, não nos interessa, não é assunto nosso! Foi-nos tirada a capacidade de chorar”. Pediu “perdão pela indiferença para com tantos irmãos e irmãs, perdão para aqueles que se acomodaram e se fecharam no seu próprio bem-estar, o que leva à anestesia do coração, perdão para aqueles que com suas decisões globais, criaram situações que levam a esses dramas”, para que o mundo tenha “a coragem de acolher aqueles que buscam uma vida melhor”.
Passaram sete anos. O Santo Padre assinalou o aniversário na passada quarta-feira, 8 de julho, na Eucaristia celebrada na Capela de Santa Marta, recordando a viagem como um desafio permanente contra a globalização da indiferença. Esta pandemia acentuou ainda mais as periferias, a pobreza, as desigualdades sociais, o isolamento dos mais vulneráveis… Em Nazaré, um carpinteiro, vive de forma simples, discreta e humilde, em família e em comunidade, até ao dia em que Se faz batizar, deixando-Se impelir pelo Espírito Santo, indo de terra em terra a anunciar a Boa Notícia da Salvação. Ninguém dava nada por Nazaré, mas é a partir daí que é lançada a semente do Reino de Deus. Será também da Galileia… que os apóstolos partem para outros mundos… De Lampedusa, mais uma etapa na revolução dos corações que se iniciou com Jesus.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 90/33, n.º 4568, 14 de julho de 2020
Celebração da Paixão do Senhor – Sé de Lamego – 10 de abril de 2020
Na sexta-feira santa, teve lugar, na Sé de Lamego, a celebração da Paixão do Senhor, presidida pelo nosso Bispo, D. António, e transmitida pela rádio e via Facebook, pelas páginas da Diocese de Lamego e da Paróquia da Sé, seguindo a emissão da Rádio Clube de Lamego.
Ceia do Senhor – Sé de Lamego – 9 de abril de 2020
Como expectável, a celebração do Tríduo Pascal foi muito diferente de anos anteriores, com igrejas praticamente vazias. Daí também a aposta na transmissão das celebrações para que mais pessoas pudessem sintonizar-se com os mistérios celebrados, ainda que afastados pelas circunstâncias do tempo presente.
Na quinta-feira santa, 9 de abril, a celebração da Ceia Pascal, presidida pelo nosso Bispo, D. António Couto, na Sé de Lamego, com transmissão nas páginas da Diocese e da Paróquia da Sé, em colaboração com a Rádio Clube de Lamego, que transmitiu via rádio e também em vídeo direto pela respetiva página no Facebook.