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Editorial da Voz de Lamego: Fraternidade, fonte de liberdade e igualdade

Esta é uma das expressões do nosso Bispo, na missa crismal, no dia 5 de outubro, e que deu tom e cor à sua homilia, partindo da recente Carta Encíclica do Papa Francisco “Fratelli Tutti”, todos irmãos.
A receção ao documento do Papa vai-se fazendo, dentro e fora do âmbito da Igreja, com diferentes sublinhados e, como sempre, algumas polarizações. Ao nosso jornal também vão chegando algumas reflexões que incidem ou partem desta Carta.
São Francisco de Assis desafia-nos a tratar como irmãos o Sol, o mar, o vento, os passarinhos, e irmão de todos, a começar pelos pequeninos, pobres, doentes, abandonados, descartados, dos últimos, pois essa foi a opção de Jesus, essa há de ser a opção preferencial dos cristãos. Diz o Papa, “a fidelidade ao seu Senhor era proporcional ao amor que nutria pelos irmãos e irmãs”.
O nosso Bispo, na missa crismal e, no passado sábado, nas Jornadas Nacionais de Catequistas, sublinhou que a fraternidade é o sustentáculo da igualdade e da liberdade, sugerindo que ao tríptico da revolução francesa e do iluminismo deveria subtrair a fraternidade. E porquê? Porque se Deus foi retirado da equação, então não há como justificar, defender ou propor a fraternidade. Sem Deus, sem Pai, não há filhos! Se não temos um Pai comum, não podemos ser irmãos. A fraternidade supõe a filiação. Se não somos filhos, como é que poderemos ser irmãos, construir a fraternidade (comunidade de irmãos).
Claro que, sem fraternidade, a igualdade e a liberdade não têm um fundamento sólido, duradouro e definitivo. Com efeito, a fraternidade é o cimento da igualdade e da liberdade. Se não somos irmãos, porquê preocupar-nos com estranhos? Refira-se ainda assim que a sobrevivência do mundo depende de todos, o bem ou o mal que faço vai afetar o outro, vai decidir que o mundo é destruído ou se é contruído.
Do mesmo modo a liberdade. Se a liberdade se apoia em mim ou em ti, se se apoia nas normas de um país ou de uma ideologia, será uma liberdade a prazo, pois basta mudar a pessoa que tem mais poder para que também esta adquira outras feições. Sem a fraternidade, a lei do mais forte ganha terreno, manda quem pode.
“Como crentes, diz-nos o Papa, pensamos que, sem uma abertura ao Pai de todos, não pode haver razões sólidas e estáveis para o apelo á fraternidade” (272).
D. António, por sua vez, salienta que a raiz da fraternidade e essência da família é o amor eterno e verdadeiro. E o lugar humana onde se manifesta a fraternidade é a família. “Os filhos, não deixando de ser diferentes na ordem do nascimento, da saúde, da inteligência, temperamento, sucesso, são iguais, e são iguais não obstante as suas acentuadas diferenças; são iguais, não em função do que são ou do que têm ou do que fazem, mas em função daquilo que lhes é dado e feito; são diferentes mas são iguais, são iguais não devido a isto que fazem, ao seu currículo e ao seu trabalho, mas devido ao amor dos seus pais, que os faz iguais, que os torna iguais”. E também em função do amor fontal de Deus Pai, somos filhos de Deus, filhos no Filho, é esse amor primeiro que que nos torna livres e iguais. Deus não tem netos nem sobrinhos. Somos todos irmãos, porque somos todos filhos.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 90/46, n.º 4581, 27 de outubro de 2020
Fratelli Tutti

Na memória de São Francisco de Assis, o Papa Francisco presenteou-nos com a nova carta encíclica Fratelli Tutti, sobre a fraternidade e a amizade social.
O primeiro capítulo retrata a sociedade atual: as novas formas de colonização cultural, a luta de interesses que coloca todos contra todos, a cultura do descarte de alimentos e de seres humanos, a injustiça de um modelo económico fundado no lucro, a cultura do conflito e do medo. O Papa Francisco faz ainda referência à tragédia que trespassa o nosso mundo, a pandemia do COVID-19, e a forma como desmascarou a nossa vulnerabilidade e a necessidade de pertença como irmãos; a falta de dignidade de que sofrem os migrantes e refugiados, entre muitos outros pontos interessantíssimos.
Numa das referências a São Francisco “escutou a voz de Deus, escutou a voz dos pobres, escutou a voz dos enfermos, escutou a voz da natureza. Transformou tudo isso num estilo de vida.” O Santo Padre sublinha que não devemos perder a capacidade de escuta!
Esta atitude de São Francisco consegue ser simples e complexa, antiga e tão atual, tão evidente, tão necessária no dia de hoje.
Não poderiam muitos males ser resolvidos e/ou minimizados se todos estivéssemos à escuta? Deus deu-nos dois ouvidos, mas insistimos em utilizar demasiado a única boca para debitar ideias e mais ideias. sem agir e sem perceber o que se passa em redor.
Não queremos ouvir para não ver, não sentir as dificuldades do outro. Se não tivermos conhecimento, não temos de fazer nada pelo outro, podemos continuar a nossa vida medíocre!
Parar e ouvir quem nos dirige a palavra é um sinal de respeito, mas mais ainda, quando ouvimos o silêncio e o sofrimento do outro, e da própria natureza. Quantas vezes nem paramos para nos ouvir a nós? Quantas vezes vivemos a correr iludidos num “mundo ideal”, que queremos mostrar aos outros, e não paramos para perceber quem somos, o que estamos aqui a fazer, e ter consciência de nós próprios?
Parar e ouvir! Simples! Mas nós, nem paramos, nem ouvimos. Parecia que estávamos a melhorar o nosso modo de ser com os acontecimentos da pandemia, mas rapidamente voltámos ao que éramos, quando é urgente viver um mundo novo, uma vida nova, e não voltar para o “normal doentio” a que estávamos presos, como diz o nosso Bispo na nova Carta Pastoral, ABRIR E SEMEAR SULCOS DE PAZ E ESPERANÇA.
É urgente viver em comunidade, como uma verdadeira comunidade! Nesse modo de viver, é imperativo saber escutar para poder ser ouvido! É urgente aprender a viver com fraternidade e amizade social, abrindo e semeando sulcos de paz e esperança.
Que possamos, brevemente, colher o fruto da nossa mudança, da nossa escuta.
Raquel Assis, in Voz de Lamego, ano 90/43, n.º 4578, 6 de outubro de 2020
Editorial da Voz de Lamego: Todos irmãos

“Fratelli tutti” é a terceira Carta Encíclica do Papa Francisco, assinada em Assis, no passado sábado, e disponibilizada neste domingo, 4 de outubro, dia em que a Igreja recorda a figura de São Francisco de Assis, de quem o Papa escolheu o nome para o seu pontificado e em quem se inspirou para escrever esta encíclica, de cariz social, tal como também se tinha inspirado para escrever a “Laudato Si’”, mais ambientada na ecologia.
Os pobres, os excluídos, as periferias geográficas mas sobretudo existenciais têm merecido uma atenção insistente no seu pontificado. No Conclave, que o elegeu como Papa, o primeiro a abraçá-lo, o Cardeal brasileiro Cláudio Hummes, confidenciou-lhe: não te esqueças dos pobres. Foi este desafio que levou o Papa argentino a escolher o nome de Francisco, sublinhando o despojamento do santo de Assis.
Uma sociedade onde há excluídos, onde há pobres, é uma sociedade desequilibrada, em tensão, com muito combustível para a revolta, para o conflito, para a explosão. O mundo técnico e científico fez avançar a humanidade, facilitando a vida das pessoas e das nações, tornando-nos vizinhos. Porém, como relembrou Bento XVI, (com os meios de comunicação social atuais) somos vizinhos, mas não irmãos. É a fraternidade e amizade (social) que o Papa Francisco pretende com esta encíclica e com todas as intervenções.
O título, como explica o Papa, foi retirado das “Admoestações” de São Francisco de Assis, Palavras “para se dirigir a todos os irmãos e irmãs e lhes propor uma forma de vida com sabor ao Evangelho” (1).
Como pano de fundo imediato, a pandemia do novo coronavírus e consequente Covid-19, que irrompeu de forma inesperada, precisamente quando o Santo Padre estava a escrever esta carta. A emergência sanitária acentuou muitas debilidades da sociedade. “A Covid-19 deixou a descoberto as nossas falsas seguranças. Por cima das várias respostas que deram os diferentes países, ficou evidente a incapacidade de agir em conjunto”.
No dia 27 de março, no momento extraordinário de oração, numa tarde carregada de nuvens, numa praça de São Pedro levemente iluminada e soberbamente deserta, ecoaram, pela rádio, pela televisão e pelas redes sociais, a oração e a palavras do Papa, realçando o facto de estarmos no mesmo barco, como fôramos surpreendidos pela tempestade, numa interpelação renovada a confiar no Senhor, mas igualmente a agir solidariamente, procurando que ninguém ficasse, que ninguém fique, para trás, esquecido, relegado pela origem ou pela condição social.
Passado este tempo, é fácil de ver que nem tudo correu bem, apesar de tantos que se esforçaram, que se esmeraram para cuidar das pessoas e salvar vidas. A fila dos excluídos continua a aumentar, os refugiados continuam a ver adiado o futuro, os países pobres continuam a depender das migalhas que caem da mesa dos ricos e sendo obrigados a seguir as políticas dos dadores.
Em contrapartida “é possível desejar um planeta que garanta terra, teto e trabalho para todos. Este é o verdadeiro caminho da paz, e não a estratégia insensata e míope de semear medo e desconfiança perante ameaças externas”.
A divulgação desta encíclica rapidamente se espalhou por todo o mundo. Cabe-nos agora fazer a sua receção, refletindo, como fazemos já na edição desta semana da Voz de Lamego, procurando torna-la consequente, fazendo com os desafios sejam concretizados e as “admoestações” não fiquem apenas no papel.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 90/43, n.º 4578, 6 de outubro de 2020
Encontro Nacional em Fátima Pastoral Social
Neste ano teremos o XXX Encontro Nacional da Pastoral Social. Será em Fátima, como é habitual, de 13 a 15 de Setembro, e terá como tema A Laudato si’ no Ano da Misericórdia.
Como noutros encontros, seguiremos o conhecido ritmo “ver, julgar e agir”.
No primeiro dia ocupar-nos-emos do “ver” o que está a acontecer à nossa Casa (correspondendo ao 1º capítulo desta Encíclica do Papa Francisco). Contamos com a presença de ecologistas de nomeada.
Faremos ainda uma breve introdução à leitura da Laudato si’.
O segundo dia é a vez do “julgar” (correspondente ao 2º, 3º e 4º capítulos da Encíclica). Teremos presentes as perspectivas bíblica e teológico-moral para depois captarmos várias sensibilidades desta “ecologia integral”.
Haverá ainda oportunidade para uma reflexão sistematizada sobre a Misericórdia.
O terceiro e último dia diz respeito ao “agir” (5º e 6º capítulos da Laudato si’). Iniciaremos de forma condigna a celebração do 60º aniversário da Cáritas em Portugal e convidar-nos-emos reciprocamente – as entidades envolvidas neste Encontro (Cáritas Portuguesa, Comissão Nacional Justiça e Paz, União das Misericórdias Portuguesas, Pastoral da Saúde, Pastoral Penitenciária, Serviço Pastoral a Pessoas com Deficiência, Ajuda à Igreja que Sofre, Sociedade de S. Vicente de Paulo) e todos os participantes – a reinventar a solidariedade, procurando caminhos de um mundo mais justo e mais fraterno.
Pe. José Manuel Pereira de Almeida, in Voz de Lamego, ano 86/39, n.º 4375, 9 de agosto de 2016
LAUDATO SI’ | Carta Encíclica sobre o cuidado da Casa Comum
Um texto denso para cuidar da casa comum
Laudato Si’
A nova encíclica do Papa Francisco, “Louvado sejas”, foi apresentada e publicada na passada quinta-feira, no Vaticano. Trata-se de um texto denso: 246 parágrafos, divididos por seis capítulos, onde o Papa torna público o seu pensamento sobre um planeta que se deteriora e sobre a responsabilidade do homem nesse processo.
O Papa começa por recordar a herança dos seus predecessores, de Paulo VI a Bento XVI, sobre esta temática, continuando a apresentar um horizonte desenhado pela ciência, dirigindo, depois, uma constatação alarmante sobre o estado da “nossa casa comum”, onde as mutações climáticas, o acesso à água potável ou a perda de biodiversidade são sintomas da doença que assola a terra.
O Papa fala de uma dívida ecológica dos países do hemisfério norte face aos países do sul. Em seguida relê o relato bíblico, onde Deus confia ao homem a Criação. “Estas narrações sugerem que a existência humana se baseia em três relações fundamentais intimamente ligadas: as relações com Deus, com o próximo e com a terra. Segundo a bíblia, estas relações romperam-se não só exteriormente, mas também dentro de nós. Esta rutura é o pecado” (66). O homem é, assim, convidado a colaborar com a Criação e a proteger a sua fragilidade.
Ponto nevrálgico da encíclica, o terceiro capítulo debruça-se sobre a “raiz humana da crise ecológica”: o Papa interroga-se sobre os avanços tecnológicos, às vezes fonte de progresso, mas também portadores de limites. Apesar de escrever que “ninguém quer o regresso à Idade da Pedra”, a encíclica identifica as “lógicas de dominação tecnocráticas que conduzem à destruição da natureza e à exploração das pessoas e das populações mais frágeis”. Numa época onde o antropocentrismo marca a forma de estar, o Papa denuncia, mais uma vez, a “cultura do descarte”, onde tudo e todos podem ser descartáveis, já que o ser humano e o meio ambiente são tidos como objetos que só são apreciados se puderem ser uteis.
A nova encíclica clama por uma “ecologia integral”, inclusiva, onde tudo está interligado. “Não há duas crises separadas, uma do meio ambiente e outra social, mas uma só e complexa crise sócio-ambiental”
No texto agora publicado, e cuja leitura se recomenda, o Papa não se limita a constatar o observável, mas fornece pistas para a ação, nomeadamente um convite ao diálogo honesto e sincero, quer a nível local quer a nível internacional. A este propósito, o Papa não deixa de criticar os inúmeros encontros internacionais sobre a questão climática que redundaram em contínuos fracassos, atendendo a que não produziram as mudanças necessárias.
No final do texto, o Papa propõe uma verdadeira educação e espiritualidade ecológicas, alertando para a necessidade de uma mudança no estilo de vida e a não sobestimar os simples gestos quotidianos pelos quais se rompe com a lógica da violência, da exploração, do egoísmo. Para isso, Laudato si’ convida a colocarmo-nos à escuta dos santos, a começar por S. Francisco de Assis.
E o Papa conclui: “No coração deste mundo, permanece presente o Senhor da vida que tanto nos ama. Não nos abandona, não nos deixa sozinhos porque se uniu definitivamente à nossa terra e o seu amor leva-nos sempre a encontrar novos caminhos. Que Ele seja louvado!”
in Voz de Lamego, n.º 4319, ano 85/32, de 23 de junho de 2015