Entrevista com António Leão, Fruticultor
Depois das vindimas, uma das atividades agrícolas maiores do Douro e das terras da diocese de Lamego, é a cultura da maça que abrange particularmente os concelhos de Tarouca, Armamar, Moimenta da Beira e Sernancelhe. A propósito, a Voz de Lamego, procurando estar próxima das preocupações e ocupações desta região, esteve à conversa com o fruticultor António Leão, que falou do exigente trabalho da produção da maçã, nos diferentes momentos do ano, os gastos e investimentos, as pragas e os tratamentos, a trovoada, o granizo e o clima, o escoamento da produção.
1. O trabalho agrícola é uma atividade ininterrupta, pela variedade produções que é possível fazer ao longo de todo o ano, consoante as épocas, os solos, as culturas próprias de casa região. No que respeita à maçã, explique-nos um pouco daquilo que é um ciclo anual normal desta produção?
A produção da maçã requer um trabalho durante todo o ano. Vai de novembro a novembro, sem interrupções. Assumindo a colheita como o fim do ciclo, a novo ciclo começa logo a seguir. Primeira ação é fazer um ou dois tratamentos para a repor micronutrientes nas árvores para o ano que está a iniciar. De seguida, quando tiver caído um terço da folha das macieiras faz-se um tratamento com cobre para desinfetar a ferida causada pela queda da folha. Quando a queda da folha atingir os dois terços faz-se um tratamento de ureia para acelerar a queda das restantes folhas e, sobretudo, para provocar uma decomposição rápida da folhagem que fica no chão, de modo a evitar infeções para o próximo ano.
2. Quanto à poda. É um trabalho que volta mão-de-obra e bastantes dias de labor. Como a realiza? Começa muito cedo? Ou contrata um número de podadores mais alargado?
O período ideal para a poda é durante os meses de fevereiro e março. No entanto, porque há cada vez mais área de pomar plantada nesta região, e porque cada vez há menos pessoas para contratar para a poda, este trabalho prolonga-se entre os meses de novembro e abril. Eu, faço sempre um esforço para ter a poda concluída em meados de março.
3. A nível de execução deste trabalho, da poda, atualmente já se faz com mais facilidade e rapidez que há uns anos atrás. Certo?
Sim. Sem dúvida. Primeiro eram utilizadas as tesouras manuais e os serrotes de cinta. Depois passou-se ao uso das tesouras pneumáticas, que foi um grande avanço. Mas hoje o que se usa é mesmo a tesoura elétrica. É muito prática. Leve. Não exige grande força de mãos. Tem autonomia própria, porque cada podador traz consigo uma bateria recarregável. E executam o corte muito mais rápido que as convencionais. Acresce a isto, o facto de hoje também dispormos das plataformas elevatórias que transportam simultaneamente 4, 5 ou 6 homens, que executam a pode nas várias alturas da árvore, de uma vez só. Dispensam-se os antigos escadotes. Ganha-se em tempo, esforço e minimizam-se os riscos de acidentes.
4. Relativamente às pragas que vão aparecendo e comprometendo a produção?
O pedrado (que é um fungo) é sempre a praga que nos atemoriza mais, e que começamos logo a combater, com tratamentos, imediatamente a seguir à poda. Nesta fase entre o fim da poda e o início da floração faz-se também a aplicação de um inseticida, para impedir a ação de alguns insetos prejudiciais que vão aparecendo. Depois de começar o processo de floração das árvores não se devem fazer quaisquer tratamentos à base do inseticida, porque estes podem provocar o aborto das flores.
5. A nível de gestão de tratamentos: fazem muitos, ao longo do ano, ou varia consoante as condições climáticas?
Há um número de tratamentos mínimo que temos sempre de fazer, sejam quais forem as condições da meteorologia. No entanto, há ocasiões em que exige um maior número de aplicações. Por exemplo, em dias que chova mais que 20 litros por metro quadrado o produto aplicado já está lavado. Ou seja, a seguir a uma situação destas o tratamento tem de ser preventivo, mas também tem de ser já curativo. Se não houver chuvas nem orvalhadas fortes, a durabilidade do tratamento ronda os 12 dias.
6. Estamos a assistir a uma mudança de tendência no uso dos tratamentos por pulverização. Isto é, estão a desaparecer os produtos tóxicos para dar lugar aos tratamentos biológicos. A eficácia é a mesma? O resultado final é igual?
Todos os anos há produtos tóxicos que são retirados do mercado. E há pragas que, por vezes, nos custam mais a combater por falta desses produtos. Mas a tendência atual é mesmo fazer reduzir a toxicidade dos tratamentos até atingir o resíduo zero. No entanto, a produção biológica é uma meta ainda distante, porque isso requer uma ação integrada de todos os produtores. Não posse eu fazer de uma maneira, e o meu vizinho do lado fazer de outra, senão ficam as duas produções comprometidas.
7. Quanto às espécies de maças que se cultivam nesta região, qual é a variedade que o senhor mais produz?
Eu produzo mais Gala e Golden. Mas depois tenho um pouco de todas: Reinetas, Starking (vermelhas), Jonagold, Fuji, etc..
8. Porque a escolha dessas espécies?
Um dos critérios é procurar fazer uma produção cuja colheita possa ser distendida por uma período de tempo maior, possibilitando rentabilizar a pouca mão-de-obra de que dispomos para a apanha. Ou seja, não nos interessa que todas amadureçam ao mesmo tempo, porque não é possível fazer a apanha de dezenas de hectares numa semana apenas. Por isso, apostamos na Gala que tem de ser recolhida na segunda quinzena de agosto. E depois vamos acabar com Fujis que são colhidas na primeira semana de novembro. Durante este período vão-se apanhando, mais ou menos uma variedade diferente por semana. As maças precisam de ter um determinado teor de açúcar e de dureza para poder ser apanhas. Não pode ser antes disso, nem muito depois. Dependendo sempre bastante das condições climatéricas daquela altura. Porque depois influencia a conservação das mesmas, uma vez que é feita em frio artificial.
O outro critério de bastante peso na seleção das espécies a plantar é exatamente o que o mercado pede. Sendo que, neste caso, há sempre um grau de risco e incerteza significativo, porque entre a plantação e as primeiras produções vai sempre um intervalo de 3, 4, ou 5 anos, e, nesse entretanto, o público consumidor pode ter inclinado a sua preferência para outra variedade qualquer.
9. A nível de mão-de-obra, há duas épocas de maior necessidade: a fase da poda, no inverno, e a apanha no verão/outono. Sendo esta região de baixa densidade populacional, como consegue arranjar pessoas suficientes para estas duas alturas do ano?
Quanto à poda, da minha parte, eu e o um funcionário que tenho a trabalhar comigo a tempo inteiro, durante todo o ano, consigo fazer esse trabalho sem recorrer a mais ninguém. Para que isso seja possível há dois fatores essenciais. O primeiro é que inicio a poda antes de fevereiro, um bocadinho antes do que era o ideal, e termino sempre em meados de março. O segundo fator é que vou mecanizando o trabalho. Como referia atrás, usamos sempre a plataforma elevatória e as tesouras elétricas.
No que diz respeito à apanha, as dificuldades surgem bastante, por causa da falta de mão-de-obra. Não há muita gente disponível. Não é um trabalho muito apetecível porque é sazonal. Depois as exigências de seguros, segurança social, etc., burocratizam demais a contratação de pessoas. E depois é um trabalho que nem sempre é contínuo. Nos dias de chuva não se consegue apanhar maça, por exemplo. A maioria das pessoas que eu recruto para a apanha ficam logo contratadas de uma época para a outra. Já não preciso de lhes dizer mais nada durante o ano. Depois tenho alguns familiares que tiram férias na altura da apanha, para ajudar. E um ou outro amigo que também vai aparecendo. Eu não recorro a mão-de-obra de imigrantes, mas há produtores, aqui na região, que o fazem.
10. Já falamos nos tratamentos que são uma forma de fomentação da produção, mas são também uma das formas de proteção da produção. Concretamente, em relação à proteção da colheita, uma vez que os seguros têm custos elevadíssimos e não cobrem a totalidade, já adotou ou prevê adotar algum dos novos sistemas que estão agora a ser implementados por aqui: redes e/ou canhões anti-granizo?
Quanto às redes anti-granizo eu candidatei-me, como muitos outros produtores, a esta última linha de crédito que abriu, mas ainda não houve qualquer despacho, até agora. Mas isso pondero colocar, se for contemplado. Quanto aos canhões não sei exatamente a eficácia deles, uma vez que é um sistema bastante recente e pouco implementado ainda. Quanto aos seguros: o prémio é demasiado caro; nunca cobrem mais, na melhor das hipóteses, do que 40 toneladas por hectare e depois, há uma infinidade de causas externas, que servem de desculpa para as seguradoras não pagarem os prejuízos ao final de uma produção.
11. Por último, uma questão mais pessoal. Sabemos que não cresceu na fruticultura e não foi o seu primeiro ramo de atividade. Esteve ligado à empresa têxtil durante vários anos, no Vale do Ave, um setor economicamente confortável em Portugal. O que o levou a mudar de uma atividade para a outra, sendo elas tão distintas?
A verdade é que eu cresci no meio da agricultura, porque os meus pais era nisso que trabalhavam. Não eram produtores de maçã, porque na minha terra as culturas agrícolas são outras. Mas os meus pais nunca quiseram que nós, os filhos, continuássemos ligados a esse ramo. Mas a terra deixa-nos sempre aquele bichinho. E por outro lado, o trabalho que eu tinha impunha-me um conjunto de preocupações e dores de cabeça que não me tiravam o sono. Se bem que agora o que não me deixa dormir é a falta de tempo para o fazer. Pesou também, para essa mudança de setor, o facto de se dizer, em finais da década de 80 e inícios de 90, que esta era atividade económica com mais futuro. Mas o certo é que a realidade se transfigurou e o que se dizia há 30 anos não é hoje tão evidente.
Relativamente à escolha desta região para me implantar, deve-se à minha esposa, que é natural daqui (Faia, Sernancelhe), já tinha alguns terrenos por cá. E sendo ela professora, era fácil também transferir-se para aqui.