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Editorial: Antes de Jerusalém, encontrar-nos-emos no Egito

Ponhamo-nos a caminho!
Se ainda estivermos na praça pública, ociosos, a ver o comboio passar e o Sol a levantar-Se, ergamo-nos, prontos para sair, para ir, para partir, já se vislumbra a cidade, já floresce a amendoeira, é tempo de esperança, o inverno já não apagará a nossa a chama, o fogo que nos arde no peito. Ergamo-nos, a salvação está a chegar, o dia a despontar, e a paz, finalmente pode voltar a desassossegar o meu e o teu coração! Esta paz que nem sempre o mundo nos dá, mas sempre Jesus nos traz e que nos queima a alma, nos inquieta o coração, nos faz ver que o outro está à espera, à espera que lhe levemos um pouco de calor, de sol e de amor.
Parece que vivemos embotados na neblina que não deixa o Sol surgir, pela madrugada, ou faz com que os dias anoiteçam muito mais cedo! Não é, ainda, novembro, mas quantos de nós sentirão os dias cada vez mais pequenos e as noites cada vez mais tenebrosas. A cada boa notícia, surge uma dúzia de más notícias, que geram dúvida, receio, recuo!
Chegaremos a Jerusalém, mas temos um longo caminho a percorrer, um caminho que é do tamanho da nossa vida, da nossa história, do tempo que Deus nos dá. Estamos a viver o Ano de São José! Se calhar, já nem nos lembrávamos! São José, o Pai de Jesus, Aquele que custodia a vida de Maria e de Jesus. Cuida, proporciona casa, tona-se suporte para a Mãe e para o Filho, em Belém e em Nazaré, no Egito e nas ruas de Jerusalém. Quarenta dias depois do nascimento, José leva Jesus e Maria ao Templo. O Menino é apresentado ao Senhor Deus, colocado sob a Sua proteção. Maria completa os dias de Purificação. Pode, doravante, participar novamente eventos públicos e religiosos.
Não muito tempo depois, José faz como o seu antepassado, o Patriarca José, Filho de Jacob. As semelhanças são curiosas, até no nome dos respetivos pais: Jacob. O primeiro José foi vendido como escravo. Com o passar dos anos, será ele a garantir a salvação do seu povo que recorre ao Egito em tempo de fome. Mais tarde, o povo tornar-se-á escravo e Moisés conduzi-lo-á, em nome de Deus, de regresso à terra prometida (onde corre leite e mel).
Perante a ameaça que recai sobre o Menino Jesus, a Sagrada Família põe-se em fuga, em direção ao Egito, onde ficará até que Deus lhe dê sinais de que é seguro regressar a Belém. Entre os sinais que Deus dá e e interpretação (prática) de José, fixam-se em Nazaré. O Egito serve os tempos conturbados, de emigração e refúgio. Um pouco a época atual. Porém, a nossa pátria não é aqui. E o facto de sabermos que Jerusalém nos espera, faz com que não desanimemos, mas também que não nos prendamos em demasia. Jerusalém está-nos na retina! E no coração. Muitas vezes teremos que descer ao Egito, mas sempre que isso acontecer, Deus acompanha-nos, vela para que não nos percamos e não nos falte a luz e a esperança para regressarmos.
«Enquanto o país não descontou os seus sábados, esteve num sábado contínuo, durante todo o tempo da sua desolação, até que se completaram setenta anos» (2 Cr 36,14-16). É uma página da Sagrada Escritura que faz uma leitura religiosa da adversidade, não já em jeito de lamento, mas de esperança e gratidão por saber que, em todo o tempo, Deus não afastou o Seu favor.
Quando São José desceu ao Egito e lá permaneceu, viveu na fidelidade ao que Deus lhe revelou em sonhos, partiu apressadamente, sabendo que regressaria. Mas não partiu sozinho! Levou a família, deixou-se guiar por Deus.
Façamos o mesmo, a caminho do Egito, na estadia e no regresso à cidade de David, permaneçamos unidos, e não deixemos que nos roubem a esperança que nos vem de Deus.
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 91/42, n.º 4624, 15 de setembro de 2021