Editorial Voz de Lamego: É possível sorrir e, sorrindo, ser canalha!
Esta é um conhecida expressão de Shakespeare, na peça de teatro Hamlet. Desabafo? Crítica? Resignação? Ainda estou à procura de um significado mais clarividente e definitivo. O propósito aqui, contudo, é acentuar a importância de um sorriso e como este pode significar salvação, proximidade, acolhimento, como pode sancionar e transparecer a presença e o sorriso de Deus.
Há sorrisos para todos os gostos.
Um sorriso espontâneo traz saúde ao corpo e à alma, e pode irmanar-nos. O sorriso ilumina a pessoa, torna-a vulnerável, acessível, disponível diante da outra. É como o sol que desperta quem o recebe, animando-o e aquecendo-lhe o rosto e o dia.
Há sorrisos amarelos, de escárnio e de enfadonho, de cansaço (dos outros) e de desprezo, de indiferença e de sobranceria. Mas estes não fazem bem nem ao próprio, nem àquele a quem se destina.
Numa série de desenhos animados, Naruto, tropeçamos em sorrisos! “Sorrir é a melhor maneira de lidar com situações difíceis… Quando estás com alguém que gostas, sempre sorris… Um sorriso pode tirar-te de uma situação difícil, mesmo que seja falso”. Esta última frase aproxima-nos da expressão de Shakespeare. Um personagem é traído pelo sorriso da companheira de missão. Julgou que a piada que disse tinha provocado um sorriso, mas era um sorriso falso e na resposta levou um valente soco!
Eloquente são as milhentas provocações de Santa Teresa de Calcutá.
“Nunca estejais tristes. Sorri, pelo menos, cinco vezes por dia. Basta um sorriso, um bom-dia, um gesto de amizade. Fazei pequenas coisas com grande amor… É fácil sorrir às pessoas que estão fora da nossa casa. É fácil cuidar das pessoas que não se conhecem bem. É difícil ser sempre solícito e delicado e sorridente e cheio de amor em casa, com os familiares, dia após dia, especialmente quando estamos cansados e irritados. Todos nós temos momentos como estes e é precisamente então que Cristo vem ter connosco vestido de sofrimento… Talvez não fale a língua deles, mas posso sorrir… A verdadeira santidade consiste em fazer a vontade de Deus com um sorriso”.
E com o sorriso a alegria.
“A alegria é oração, a alegria é força, a alegria é uma rede de amor. Quem dá com alegria dá muito mais. O melhor modo de mostrar gratidão a Deus e aos homens é aceitar tudo com alegria… Nada deve provocar-te tanta dor que te faça esquecer a alegria de Cristo ressuscitado… A alegria é a marca de uma pessoa generosa, humilde que se esquece de tudo, até de si mesma, e procura agradar a Deus em tudo o que faz. Frequentemente, a alegria esconde uma vida de sacrifício, uma contínua união com Deus… O amor é um fruto de todas as estações e ao alcance de todos”.
A Madre Teresa de Calcutá confidenciou que, por vezes, o seu coração estava demasiado dorido, por ver tanta miséria, mas, ainda assim, obrigava-se a sorrir, porque era dessa forma que o sorriso de Deus chegava às pessoas. Não se trata de fingir sorrisos, trata-se de uma escolha: sorrir em todas as circunstâncias, não pela disposição, mas pela atitude de missão em relação aos outros a quem devemos o sorriso de Deus.
“Fazei com que todo aquele que for ter convosco saia da vossa beira sentindo-se melhor. Todos devem ver a bondade no vosso rosto, nos vossos olhos, no vosso sorriso. A alegria transparece pelos olhos, manifesta-se quando falamos e caminhamos. Não pode permanecer encerrada dentro de nós. A alegria é contagiosa”. Sorri e no sorriso coloca a expressividade de um Deus que ama e se faz presente em ti e através de ti. Não te sufoques com lamentos…
Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 91/28, n.º 4610, 25 de maio de 2021