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Editorial Voz de Lamego: Somos lápis nas mãos de Deus

Madre Teresa de Calcutá, a Mãe dos Pobres foi, durante muitos anos, uma voz que se fez ouvir a favor dos mais pobres entre os pobres. O propósito da sua vida: sair pelas ruas ao encontro dos mais pobres, crianças abandonadas, moribundos, leprosos, mães solteiras, para cuidar como se de Cristo se tratasse.

Pelo caminho, muitos contratempos, insinuações, críticas mordazes, dentro e fora da Igreja. Instalou-se, originalmente, num país e num contexto muito adverso, a Índia, em Calcutá, com as questões religiosas à mistura. O Hinduísmo e o carma. A pessoa sofre porque tem de sofrer, é porque cometeu pecados na vida anterior e tem de pagar por eles. Por outro lado, a sua ação mostrava uma cidade miserável, cheia de imundice, sem cuidados de saúde básicos nem qualquer sistema de educação que respondesse ao analfabetismo endémico.

Com o tempo, as Missionárias da Caridade espalharam-se pelo mundo inteiro. Depois de receber o Prémio Nobel da Paz ficou ainda mais conhecida, permitindo a implantação da congregação.

Quando lhe diziam que era necessário mais organização e coordenação, testemunhava a sua fé amadurecida num Deus providente e na necessidade de atender cada pessoa.

Não basta prover às necessidades básicas e imediatas, é necessário erradicar a pobreza e criar estruturas para que os países mais pobres tenham acesso à educação, à saúde, à habitação condigna, à alimentação. Porém, enquanto se pensa, se traçam metas e delineiam estratégias, não se podem deixar as crianças esfomeadas, desnutridas a morrer, ou os moribundos na berma da estrada. A Mãe dos Pobres nunca perdeu de vista a ajuda imediata e concreta aos mais necessitados.

Uma das suas expressões bem conhecidas: «Eu sou um lápis nas mãos de Deus. Ele usa-me para escrever o que quer. O lápis não tem nada a ver com tudo isto. O lápis só deve ser usado». Os sábios e os santos são feitos deste calibre. Os sábios sabem bem que têm muito a aprender e a caminhar. Os santos sabem bem que o bem neles realizado ou realizável tem outra origem e outro obreiro, o próprio Deus. Para isso, cada um de nós, a caminho da santidade, tem a missão de ser o lápis pelo qual Deus escreve. Ser ponte, ser instrumento, ser portador da Boa Nova, apalavrador da esperança, militante da paz, semeador de misericórdia! Esta consciência torna-nos humildes diante do muito que há pela frente e liberta-nos da presunção que, mais tarde ou mais cedo, nos conduziria ao desencanto ou à prepotência. Se Deus é Deus e se deixamos que Ele seja Deus, então não haverá lugar à desistência. Pode haver momentos mais tenebrosos. Também os houve na vida de Santa Teresa de Calcutá, como na vida de muitos santos, mas permaneceu indelevelmente marcada no coração a confiança em Deus e nos Seus desígnios insondáveis.

Na senda de Madre Teresa, podemos abraçar grandes causas, mas tudo começa aqui, agora, com quem bate à minha porta, com quem me encontro ao sair de casa (ou dentro de casa). É um movimento constante. Sem tréguas. O modo é o de Jesus Cristo. “Meu Pai trabalha incessantemente e Eu também trabalho em todo o tempo” (Jo 5, 17-30).

No último Colégio de Arciprestes, o nosso Bispo, D. António, sublinhava precisamente este modo de ser e de agir. É necessária a programação, momentos específicos, mas antes e para além da programação, há o essencial, o paradigmático, que é Jesus. Fazem-se acentuações, que ajudam a refletir e a viver, mas o propósito é acolher, viver e testemunhar o Evangelho da alegria, tornando-o palpável e significativo para todos, no discurso e na vida, nas palavras e nas obras.

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 91/27, n.º 4609, 18 de maio de 2021