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Editorial Voz de Lamego: Relação de confiança no cuidado dos doentes

Tema escolhido pelo Papa Francisco para o XXIX Dia Mundial do Doente, que celebramos, cada ano, a 11 de fevereiro, na memória de Nossa Senhora de Lurdes: «‘Um só é o vosso Mestre e vós sois todos irmãos’ (Mt 23, 8). A relação de confiança, na base do cuidado dos doentes».

A referência fundamental é Jesus e a Sua postura de vida. Com Ele deveremos sincronizar a nossa conduta na relação com os outros, na opção preferencial pelos mais pobres, os que se encontram em situação mais frágil e desfavorecida, como são, por exemplo os doentes. Jesus alertava para a hipocrisia daqueles que exigem aos outros comportamentos, mas que eles próprios não mexem uma palha para o cumprirem. Jesus tem a consciência que as palavras se enraízam no coração, se enraízam na vida e nos comprometem, no concreto, no serviço ao nosso semelhante. Como lembrava o Papa, no último domingo, só há uma situação em que é lícito olharmos as pessoas de cima para baixo, quando nos debruçamos para as ajudar a levantar-se. É o que Jesus faz em relação à sogra de Pedro, doente e com febre, toma-a pela mão e levanta-a. O mesmo faz com os outros doentes que se aproximam d’Ele (cf. Mc 1, 29-39).

Ao longo da Sua vida, Jesus estabelece uma relação de proximidade afetiva com todos os que encontra, sejam as multidões, os apóstolos e discípulos, sejam as pessoas mais frágeis marcadas pela doença, pela pobreza, pela exclusão motivada pela condição social/moral, pecadores e publicanos. Ele não olha para ti em conformidade com o teu cartão de cidadão, a tua origem, a tua pertença a um partido, a tua nacionalidade ou, mesmo religião, Ele olha para ti como irmão. É a dinâmica do Bom Samaritano, que vê, se aproxima para ver melhor, desce da sua montada, debruça-se para cuidar das feridas, levanta o a pessoa caída, coloca-a na sua montada, condu-la a um lugar de repouso e recuperação, assume as despesas do seu tratamento e mantém-se vigilante pelo seu estado de saúde (cf. Lc 10, 25-37).

Mais tarde ou mais cedo, tu e eu, todos passaremos, se ainda não estivemos nessa condição, pela situação de doentes. Ou tivemos/teremos algum familiar próximo a necessitar de cuidados de saúde, internamento, ou mesmo cuidados mais intensivos e/ou continuados. Como gostaríamos de ser tratados? Como gostaríamos que os nossos familiares fossem tratados? Certamente que responderíamos: com todo o respeito, atenção, cuidado.

A terapia da pessoa doente deve ter um carácter holístico, não se trata de intervir numa parte do corpo, mas na pessoa como um todo. Não há doenças, há pessoas doentes, o corpo, alma e espírito. Entre os que são tratados e aqueles que cuidam deverá haver uma relação personalizada, de confiança e respeito, de sinceridade e disponibilidade, colocando no centro a dignidade da pessoa doente. A referência, não é demais repeti-lo, é Jesus. “Assim o atesta muitas vezes o Evangelho quando mostra que as curas realizadas por Jesus nunca são gestos mágicos, mas fruto de um encontro, uma relação interpessoal, em que ao dom de Deus, oferecido por Jesus, corresponde a fé de quem o acolhe, como se resume nesta frase que Jesus repete com frequência: «A tua fé te salvou»”.

A atual pandemia acentuou vulnerabilidades e insuficiências dos sistemas de saúde, com descriminação negativa do acesso aos cuidados médicos por parte das pessoas mais frágeis e pobres. É tempo de refletir e de agir em prol da fraternidade inclusiva.

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 91/13, n.º 4595, 9 de fevereiro de 2021