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Editorial Voz de Lamego: Esquecer a morte é morrer

Atravessamos o mês de novembro, mês das almas. Iniciámo-lo com a Solenidade de Todos os Santos e com a Comemoração dos Fiéis Defuntos. Dois dias que nos falam especialmente do fim, mas também de um caminho que nos levará à presença definitiva junto de Deus.

São dias, ou um mês, em que o cemitério recebe mais visitas, ainda que haja quem o faça muitas vezes. Alguns porque ainda não conseguiram recompor-se da “partida”, outros, porque fizeram disso um ritual de luto, pois sabem que existiu uma história que as levou ali, mas não acaba ali. Pessoas que, mesmo recompostas, recordam e saúdam aqueles com quem construíram a vida e partem da visita ao cemitério com a certeza de que vida continua, com novas memórias, que não destroem as anteriores, mas que permitem viver com gratidão e firmeza.

A comemoração dos fiéis defuntos, em particular, recorda-nos da fragilidade e finitude; é oportunidade de gratidão para com aqueles que nos trouxeram à vida e nos legaram valores, nos introduziram na sociedade, nos enxertaram na fé. É um desafio a construirmos um mundo melhor, mais fraterno e saudável, para o “passarmos” aos nossos filhos e netos, para que também eles construam a história.

Aproveitando as memórias das redes socias, recuperamos uma intervenção do Papa Francisco, há pouco mais de um ano que nos faz refletir sobre a morte, sobre o fim. “É a morte que permite que a vida permaneça viva! É o fim que permite que uma história seja escrita, um quadro pintado, que dois corpos se abracem”. Mas o fim, alerta o Santo Padre, “não está só no final. Talvez devêssemos prestar atenção a cada pequeno fim da vida quotidiana. Não só no final da história, que nunca sabemos quando termina, mas no final de cada palavra, no final de cada silêncio, de cada página que se escreve. Só uma vida que é consciente deste instante que termina, torna este instante eterno”.

Quando visitamos um cemitério, quando participamos num funeral, quando vemos morrer aqueles que caminham ao nosso lado, mais facilmente nos lembramos que um dia também o nosso fim chegará. Lamentamos, tomamos consciência que há muitas coisas que não valem a pena. Mas passa o momento e voltamos aos nossos afazeres, preocupações e azáfamas.

Vale a pena prosseguir com a reflexão do Papa, que nos diz que a morte nos faz saber da impossibilidade de ser, compreender e englobar tudo, “é uma bofetada na nossa ilusão de omnipotência. Ensina-nos na vida a relacionarmo-nos com o mistério. A confiança de pular no vazio e perceber que não caímos, que não afundamos, que desde sempre e para sempre há Alguém ali para nos sustentar. Antes e depois do fim”. O mundo atual sacraliza a autonomia, a autossuficiência, a autorrealização, centra-nos em nós, faz-nos pensar que somos o fim, que não adianta pensar no final, o que faz com que vivamos como se fossemos os donos disto tudo, agindo como nos dá na real gana, sem pensarmos no fim. “Uma cultura que esquece a morte começa a morrer por dentro. Aquele que esquece a morte já começou a morrer. As três mortes que nos esvaziam a vida! A morte de cada instante. A morte do ego. E a morte de um mundo que dá lugar a um novo. Lembrai-vos, se a morte não tem a última palavra, é porque na vida aprendemos a morrer pelo outro”.

Pe. Manuel Gonçalves, in Voz de Lamego, ano 90/47, n.º 4582, 3 de novembro de 2020

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