Amizades verdadeiras são como árvores de raízes profundas
Reportagem-entrevista de Andreia Gonçalves para a Voz de Lamego

O valor da amizade é incalculável. Mais ainda, quando atravessam a história e ultrapassam os 50 anos. Nem com as barreiras e pontes longínquas, as duas amigas que encontrei se perderam. Conheça esta história, que tem valor de joia rara.
Alzira e Lurdes estão separadas por um oceano, a primeira vive e trabalha em Lamego, e a outra lá no país irmão, Brasil. Ambas filhas de portugueses, e nascidas em Angola. Foi em Luanda que viram nascer a amizade que seria para a vida. “Éramos vizinhas, morávamos na Vila Clotilde e estudávamos no Liceu Feminino que era uma referência muito forte da juventude da cidade de Luanda”, diz Lurdes com o seu sotaque doce que há anos recebeu de presente do país que a acolheu, a si e aos seus pais, quando os portugueses tiveram de abandonar as suas vidas, após 1974, e recomeçarem, onde quer que fosse, sem medo. Lurdes e Alzira lembram os tempos de meninas de Angola, com muita diversão, sorriso e calor. Ao chegarem do Liceu “reuníamo-nos no portão da minha casa e assim convivíamos com os amigos que também eram nossos vizinhos”. “Nas manhãs de domingo íamos à praia na Ilha de Luanda e à tarde às matinés no cinema em frente à Liga Nacional Africana ou ao Clube Transmontano onde havia uns bailes únicos”. Alzira acrescenta que “para não irmos sozinhas, a mãe da Lurdes e a minha irmã mais velha iam connosco, era engraçado, o pai dela tinha um táxi e então íamos todas no carro (a Lurdes, a mãe, a irmã, eu e minha irmã), ele deixava-nos lá e depois ia buscar-nos”.
A separação foi muito rápida e muito difícil, entre os 16 anos de uma e os 17 da outra, e não tínhamos muito tempo para pensar no que faríamos. Os sonhos derreteram-se rapidamente. “A minha família tinha a opção de vir para o Brasil ou ir para Portugal, mas por motivo de doença, o meu pai estava a padecer de cancro e precisaria morar num país tropical, decidimos vir para o Brasil” explica Lurdes.
Para Alzira foi uma separação muito sentida! “Pois veio-me logo à cabeça que não nos íamos ver mais, que a nossa amizade ficava por ali, porque íamos para muito longe uma da outra, eu vinha para Portugal e a Lurdes para o Brasil. Tudo isto foi em 1975, portanto há 45 anos, para mim era impensável ir ao Brasil visitar a minha amiga, pois o Brasil não era logo ali ao lado… A mãe da minha amiga (que também era muito amiga da minha mãe) ainda queria que fôssemos todos para o Brasil com eles e começávamos lá uma vida nova. Mas tal não aconteceu, porque aqui em Portugal já tínhamos pelo menos uma casinha e uns terrenos, que por ironia do destino ou não, tínhamos herdado do meu avô paterno precisamente um ano antes quando viemos a Portugal de Graciosa, e as minhas tias e o meu avô quiseram aproveitar a estadia do meu pai para fazerem as partilhas, pois não tínhamos intenção de vir a Portugal tão depressa. Fizeram-se as partilhas e o meu avô faleceu uns meses a seguir.
Se não tivesse acontecido isso era provável que também fôssemos para o Brasil com eles.
Na altura da separação não me lembro de ter havido troca de direções, só sabíamos que eram de Loulé e que iam para o Brasil, e elas sabiam que os meus pais eram de Nagosa – Moimenta da Beira”, diz Alzira, relembrando o coração apertado da altura.
A separação de duas amigas foi inevitável, e havia a incerteza por toda a parte, contudo, continuaram durante anos a alimentar a amizade por carta, que atravessavam, o atlântico, nas datas mais marcantes como aniversário ou Natal. Foram precisos 25 anos, para que no ano 2000, as amigas pudessem viver um abraço, novamente, Encontraram-se em Lamego e descrevem este momento como mágico de enorme emotividade.
Agora, passaram os sessentas, e são as novas tecnologias que facilitam as comunicações. “No começo a Alzira não tinha Facebook mas trocámos e-mails, conversávamos pelo Skype e agora conversamos por WhatsApp, por Messenger, as nossas mães também conversam e a interação ficou muito fácil”.
Foi em 2010, que estiveram juntas pela última vez. Mas, quando acabar a pandemia, Lurdes quer voar de novo até Portugal, porque quando a amizade é verdadeira “a distância não separa, as lembranças estão sempre vivas”.
Diz a filosofia chinesa que amizades verdadeiras são como árvores de raízes profundas: nenhuma tempestade consegue arrancar, então como não podemos nos visitar assiduamente usamos a tecnologia a favor da nossa amizade, referem as duas.
Uma união das meninas, que foram mães e que num pequeno nada partilharão ambas a experiência da nova etapa de Alzira, ser avó. Aí Lurdes já dará umas dicas!
Como foi a separação e para onde foram?
Foi uma separação muito sentida, pois veio-me logo à cabeça que não nos íamos ver mais, que a nossa amizade ficava por ali, porque íamos para muito longe uma da outra, eu vinha para Portugal e a Lurdes para o Brasil. Tudo isto foi em 1975, portanto há 45 anos, para mim era impensável ir ao Brasil visitar a minha amiga, pois o Brasil não era logo ali ao lado…
A mãe da minha amiga (que também era muito amiga da minha mãe) ainda queria que fôssemos todos para o Brasil com eles e começávamos lá uma vida nova. Mas tal não aconteceu, porque aqui em Portugal já tínhamos pelo menos uma casinha e uns terrenos, que por ironia do destino ou não, tínhamos herdado do meu avô paterno precisamente um ano antes quando viemos a Portugal de Graciosa, e as minhas tias e o meu avô quiseram aproveitar a estadia do meu pai para fazerem as partilhas, pois não tínhamos intenção de vir a Portugal tão depressa. Fizeram-se as partilhas e o meu avô faleceu uns meses a seguir.
Se não tivesse acontecido isso era provável que também fossemos para o Brasil com eles.
Na altura da separação não me lembro de ter havido troca de direções, só sabíamos que eram de Loulé e que iam para o Brasil, e elas sabiam que os meus pais eram de Nagosa – Moimenta da Beira.
Como mantiveram apesar de todas as condicionantes a vossa amizade?
Como já tinha dito elas sabiam que éramos de Nagosa, e numa aldeia a correspondência chega com facilidade a casa das pessoas, pois toda a gente se conhece, bastava o nome e a carta era entregue ao destinatário. Foi assim que recebia primeira carta da Lurdes (mas não foi logo, ainda se passaram uns anitos). Foi com muita alegria e emoção que recebi a carta e pensei logo “a Lurdes não me esqueceu”… E a partir daí fomos mantendo o contacto através de carta. Ainda nos escrevemos durante alguns anos.
Ela já veio a Portugal 2 vezes.
As novas tecnologias aproximaram-vos ainda mais?
Sim, sem dúvida, primeiro por e-mail e depois falava com ela através do Facebook da minha filha (eu não tenho Facebook) e agora pelo WhatsApp.
Quando estiveram juntas fisicamente pela última vez?
Não sei ao certo, talvez há 7 ou 8 anos.
Para quando o próximo abraço?
No início deste ano a minha amiga estava a pensar vir cá no verão para trazer a mãe, pois como a senhora já tem idade ela não queria que a mãe “morresse” sem vir à terra, mas com isto da pandemia do Covid-19 o desejo de vir a Portugal ficou adiado, por isso neste momento é difícil prever uma data.
O que é uma verdadeira amizade?
É aquela em que ambas as partes continuam a preocupar-se uma com a outra apesar da distância e sem segundas intenções.
E como se alimenta essa mesma amizade?
É tentar fazer com que a mesma não acabe, mantendo sempre o contacto através de qualquer meio.
in Voz de Lamego, ano 90/39, n.º 4574, 8 de setembro de 2020