Arquivo

Archive for 29/04/2020

Editorial da Voz de Lamego: lado a lado… na indiferença

Há mais vida além da pandemia do covid-19! Não há de ser o novo coronavírus a acabar com a humanidade; o que, em definitivo, acabará connosco será a indiferença, o egoísmo, a sobranceria, que se materializa na inveja, no desejo imoderado da posse, nos tiques ditatoriais de quem se sente e se situa acima dos demais!

Nada será como antes! Estamos todos de acordo. Mas será que os tempos que se avizinham serão melhores? As pessoas, finalmente, concluirão que estão no mesmo barco e que precisam e dependem umas das outras?

Têm surgido interpelações, iniciativas, reflexões, apelos à generosidade solidária e, antecipando o futuro, apontando prioridades, caminhos, possibilidades e urgências. Há, em alguns, um otimismo louvável, expresso e vivido como estímulo, como desejo, um caminho a seguir, como provocação para que os tempos de esforço, de sacrifício, de confinamento social, de tantos gestos de abnegação, na procura de soluções, na ajuda aos mais vulneráveis, na luta para confinar o vírus e proteger a vida das pessoas, cuidando para que ninguém seja esquecido, para que ninguém fique para trás, que se preste ajuda a quem precisa, presencial ou digitalmente, não sejam apenas um momento, mas como postura permanente na pós-pandemia.

Tantos são aqueles e aquelas que verdadeiramente deram e estão a dar a vida para salvar, para curar, para sarar os outros. Tantos, em tantas áreas, que não se furtam aos maiores esforços. Além dos que estão na linha da frente, na saúde, na segurança e na ordem, na alimentação, muitos outros estão disponíveis para ajudar, indo, ou, a partir de casa, aderindo a campanhas e iniciativas e deixam palavras de ânimo de incentivo, em diretos, diálogos e conversas, em concertos musicais, em declamação de poemas, em momentos de oração. E se o pão é necessário para sobreviver, a palavra e o ânimo serão fundamentais para viver. Pois só procuraremos o pão e o partilharemos se a nossa vida fizer sentido, se houver esperança, se soubermos que não estamos sós.

Como cristãos, cabe-nos, como antes, também agora, também depois, em todo o tempo, fazermos o melhor, o que está ao nosso alcance, mesmo que seja ficar em casa…

Nada será como dantes! Positiva e negativamente. Cada tempo é único. Há propósitos curiosos, parece que tudo vai ser diferente, e será, inevitavelmente, diferente, pois os tempos não se repetem! Um tempo novo, teremos que olhar mais para os outros, para as suas necessidades e sofrimentos, temos de fazer melhor, ser mais solidários, pensarmos nos mais frágeis, nos mais desfavorecidos… Mas quando passar a tormenta… há quem se tenha “habituado” ao bem e haverá quem volte ao que era antes.

Decisões tomadas em momentos críticos, dramáticos, sobre pressão, são decisões voláteis, que terminarão como começaram, com a mesma rapidez. Claro que nem tudo é branco ou preto, mas as opções fundamentais nascem da “conversão”, que as circunstâncias atuais podem facilitar, brotam de convicções, não se baseiam na pressão momentânea, mas na vontade firme de seguir um caminho, uma direção, contando com as circunstâncias de cada tempo. Em todo o caso, como se diz das grandes “concentrações de fé”, para alguns, podem haver o clique que faltava… afinal, já numa perspetiva mais religiosa, o Espírito de Deus sopra onde quer… 

Como cristãos, cabe-nos, como antes, também agora, também depois, em todo o tempo, fazermos o melhor, o que está ao nosso alcance, mesmo que seja ficar em casa… haverá tempo para seguir o desafio do Papa e nos levantarmos do sofá!

Pe. Manuel Gonçalves,

in Voz de Lamego, ano 90/22, n.º 4557, 28 de abril de 2020