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Archive for 23/04/2020

A minha Páscoa – testemunho de uma jovem de 17 anos

Hoje, dia 12 de abril, foi a Páscoa do Senhor. Mesmo fechada em casa durante um mês inteiro, é impossível não sentir o calor da Ressurreição de Jesus Cristo. Apesar de todas as advertências que enfrentamos, as redes sociais inundaram-se de memórias de anos anteriores, celebrações eucarísticas transmitidas via Rádio e TV e centenas de felicitações referentes ao dia de hoje.

Como sacristã da paróquia onde estou inserida, e já com quase 13 anos a servir ao altar, não me consigo recordar de uma Páscoa tão infeliz. Esta, que é a época mais importante para os católicos cristãos, tornou-se em algo vulgar: não houve Quinta-feira Santa, muito menos Sexta-feira Santa. Não andei enfiada naquela típica azáfama, que eu sempre adorei, nos preparativos reconfortantes e nas horas de reflexão.

Antes de qualquer celebração, não tocava os sinos, mas sim as matracas. Andava pelas ruas da minha terra a ensurdecer o povo até criar calos nas mãos. Depois, sentava-me no segundo banco da igreja a rezar, a pedir concentração e fé. Assim que concluía o momento de oração pessoal, meia hora antes, preparava tudo o que era necessário para as eucaristias até ao mais ínfimo detalhe. Nada me escapava, e se escapava, não me perdoava. Estava determinada em tornar cada minuto dentro daquela igreja no mais profundo possível. O aroma do incenso, das velas a arder. A luz dos corações que ansiavam por misericórdia. Era a minha função, a minha missão.

Este ano, nada disso foi possível… à exceção de um momento: o toque dos sinos no Domingo de Aleluia. O toque dos sinos do campanário da igreja, que anunciam a todos que Ele vive! Nunca me senti tão privilegiada: poder dar a notícia a todos, através do meu toque, sem ter que dizer uma única palavra. A honra de saber entoar os sinos transbordava.

Lá no topo, vi todas as pessoas que moram nas redondezas da igreja a abrir as janelas, umas sorriam, outras choravam, outras rezavam. Mas estavam ali, a ver a única manifestação Pascal presencial que foi possível.

Dos sinos, olhei para a Torre do Relógio, mesmo em frente do meu olhar: a cruz que lá fora colocada, já não envergava um pano roxo, mas sim branco. Era mesmo verdade: Ele ressuscitara. Já não subia lá há meses, mas depois de sair da igreja, eu tinha que ir. Queria ver aquela cruz de perto. Queria tocar-lhe.

Depois de um mês fechada em casa, descer as escadas do campanário foram como facadas no meu peito: parar no topo da escadaria e contemplar o altar, tão vazio, mas tão cheio de Cristo. Sabia que ali encontraria, durante os 5 dias (de quinta a segunda-feira) o que necessitava para um ano pleno, e que recolheria ali as minhas forças, as minhas sandálias para a caminhada. Ao aproximar-me do Sacrário, a ficha caía cada vez mais rápido. “Meu Deus, porque me abandonaste?”. E as lágrimas escorriam pelo meu rosto, sem pedir autorização. Cada celebração era ressuscitada ao fitar cada uma das chagas de Cristo. Fitei aquela cruz de cima abaixo. E vi naquela igreja vazia cada rosto que possivelmente ali estaria, a observar atentamente cada pormenor de cada momento, a percorrer aquela “Via Crucis” em família. E imaginei como seria ter que sair a correr da igreja depois da missa de Domingo de Aleluia para almoçar à pressa e regressar o mais rápido possível, ser a primeira a regressar! E imaginei como seria a oração inicial, antes de partirmos para a Visita Pascal, e de igual modo depois da chegada. E ali, eu senti saudades. E de igual modo, Cristo.

Jeni Fidalgo, in Voz de Lamego, ano 90/21, n.º 4556, 21 de abril de 2020

Entrevista da Andreia Gonçalves ao fotógrafo Paulo Chaves

De Tarouca ao National Geographic

Um fotógrafo tem sempre uma maneira diferente de ver o mundo. Muitas vezes essa sensibilidade é trazida desde a infância ou de alguém que nos leva a descobrir essa paixão. Paulo Chaves vive em Tarouca, mas espalha o seu talento pelo mundo.

Paulo, quando foi a primeira vez, de que se lembre, ter fotografado algo ou alguém?

Descobri a fotografia já no secundário quando tive a disciplina de Jornalismo, onde o meu grande amigo Padre Matias, com o seu grande poder de comunicação e discurso cativante, me mostrou o mundo da comunicação e em especial a fotografia. Indicou-me o caminho para olhar o mundo com outros olhos, tentar captar a essência das coisas que nos rodeiam, muitas delas nem nos apercebemos da sua existência se não pararmos para as admirar e registar através da lente.

Passar momentos na câmara escura a revelar o que fotografamos é simplesmente uma escola para a vida. Agora é tudo mais fácil, nesta era digital, mas para mim a verdadeira escola da fotografia ainda é o rolo fotográfico, obriga a pensar a fotografia e ponderar todos os parâmetros técnicos e no fundo tentar criar algo que fique na memória.

Por essa grande influência que o Padre Matias teve nessa minha descoberta e pela grande amizade que nos une, no lançamento do meu primeiro livro fotográfico só podia o convidar a ele para fazer uma apresentação do livro.

Voltando à pergunta, se me lembro da primeira vez que fotografei algo ou alguém, sinceramente não me lembro, talvez porque não terá saído nada de jeito (risos) ou porque o que fotografei não teria grande interesse, agora o que me lembro bem foi de fazer as fotografias do primeiro jornal que foi publicado na Escola Secundária de Tarouca, no âmbito da disciplina de Jornalismo, essas sim lembro-me e claro guardo ainda um exemplar desse jornal.

Qual foi a viagem que mais o marcou?

A viagem que mais me marcou foi sem dúvida a primeira viagem que fiz à Suíça, onde os meus pais trabalhavam. Um grupo de pais juntaram-se e organizaram uma viagem de férias para os seus filhos na Suíça onde eles trabalhavam, foi sem dúvida uma viagem inesquecível, primeiro por estar com os meus pais, que só via de 9 em 9 meses, conhecer onde eles trabalhavam e claro descobrir as belezas daquele lugar, ainda hoje estou com vontade de repetir essa viagem, quem sabe um dia.

Se não estivesse ligado à fotografia talvez…

Senão estivesse ligado à fotografia talvez… a perceção da vida fosse muito diferente. Depois dessa fase na escola que me “apresentou” à fotografia ela ficou durante muitos e longos anos adormecida, claro que ia fotografando, mas nada de muito intenso. A minha atividade na música como técnico de som não deixava grande tempo para fotografias, exceto registar os momentos ao vivo das bandas onde trabalhava, mas pouco mais que isso e claro as normais fotos de família.

Foram cerca de 15 anos a percorrer os caminhos de Portugal em que a máquina muitas vezes me acompanhava, mas sem tempo para parar e fazer aquele clique de algum lugar bonito, a paragem só mesmo em frente ao palco e aí fazia o gosto ao dedo.

Em 2013 deixei de ser técnico de som (se é que alguma vez se deixa de ser), o bichinho continua cá e de vez em quando faço alguns trabalhos mas não com a intensidade do passado, e isso abriu definitivamente as portas para abraçar a fotografia, claro que na altura era só um passatempo, de certa maneira para fazer esquecer as saudades das correrias do verão a andar terra em terra a animar as festas, mas esse passatempo ficou com o passar do tempo cada vez mais sério e sem dúvida que fez mudar a minha vida.

Como se sente num mundo cada vez mais de aparências? Onde ganha força o fotógrafo e a fotografia?

Infelizmente cada vez mais o mundo é feito de aparências, onde o real e o irreal se misturam muitas vezes, chegando ao ponto de não se conseguirem distinguir. Eu tento sempre mostrar a realidade das coisas, seja numa fotografia de paisagem, monumento ou numa sessão fotográfica (se as rugas estão lá é porque fazem parte da vida, da história dessa pessoa). É claro que eu por opção prefiro mostrar o que de belo tem o mundo, principalmente as belezas do nosso país, mas também conheço muitas coisas que nada têm de belo, essas prefiro não fotografar, talvez também eu ajude um pouco neste mundo de aparências.

O nosso olhar das coisas é refletido a maior parte das vezes pelas nossas vivências, podemos não nos dar conta disso no primeiro momento, mas a nossa escolha de como retratar determinado assunto está intimamente ligado às nossas experiências e como vemos o mundo que nos rodeia e claro que eu não fujo à regra.

Neste mundo, invadido pelas novas tecnologias, qualquer pessoa pode fazer fotografias, mas existe uma grande diferença entre fotografia e imagem, ou seja, qualquer um pode fazer fotografia, seja com uma máquina fotográfica ou um smartphone, eu também faço muitas fotografias, mas fazer imagens é outra coisa, fazer algo que desperte os sentimentos às pessoas e não só aquela que fez determinada foto e a quem foi retratado, fazer uma imagem que perdure no tempo, resumindo, fazer arte, esse é o grande objetivo de um fotógrafo. Como já alguém disse, “se na minha vida fizer 3 ou 4 grandes imagens sou um fotógrafo realizado”, e é mesmo isso, tentar atingir a perfeição a todos os níveis. Pode perguntar-me se já fiz alguma dessas fotos, acho que já fiz uma, mas daqui a uns anos posso achar que afinal ainda não a fiz.

Essa é a força do fotógrafo, procurar o clique perfeito, mesmo nas coisas mais imperfeitas da vida que nos rodeia e através dessas imagens enviar uma mensagem que pode ter tanto significado hoje como daqui a 100 anos.

Findo a resposta a essa pergunta com o pensamento que sempre me guia no dia-a-dia de fotógrafo, “a minha melhor foto será a que fizer amanhã”.

Como fotógrafo os prémios atraem ou são apenas mais uma motivação para continuar a trabalhar com paixão?

Considero que os prémios são sempre uma motivação, dão força para continuar no caminho que escolhi, mas não são, nem de longe, o mais importante para continuar a fazer o que faço.

Publico uma ínfima parte do que faço nas redes sociais, Facebook e Instagram e, não raras vezes, no meio de centenas de comentários há alguns que me chamam especialmente à atenção, quando pessoas escrevem, por exemplo, que uma foto ou vídeo que publiquei lhes provocou lágrimas de alegria por voltar a ver aquele lugar onde foi feliz na sua infância, na igreja onde se casaram há 50 anos, ou quantos brasileiros, com raízes portuguesas, me agradecem por ter publicado uma foto da terra de seus avós que nunca visitaram, isso sim é uma grande motivação para continuar a fazer o que faço.

Existe um comentário que várias vezes aparece nas redes sociais às minhas fotos que é “as suas fotografias têm alma”, de tudo o que posso ouvir, este é o maior elogio que posso receber, significa que o que mostrei despertou sentimentos a outra pessoa, seja de alegria ou tristeza, mas certamente algo que a fez recordar algo ou motivação para conhecer esse lugar.

Quais os prémios que leva no currículo?

Ao longo dos anos tenho colecionado vários prémios, principalmente, o Prémio Anim’arte – Produção Artística Fotografia, ou seja, o fotógrafo do ano 2018 no Distrito de Viseu, uma distinção que muito me orgulha por ser escolhido por um vasto júri como o fotógrafo do ano.

Foi um prémio que me deixou muito feliz por ver o meu trabalho reconhecido em prol da divulgação da cultura e património português e sem dúvida um grande alento para continuar.

As fotografias que apresenta nas suas páginas correm o Mundo. Isso preocupa-o?

Não, muito pelo contrário, eu incito mesmo as pessoas que me seguem que as partilhem pelo mundo. As fotos que eu publico nas redes sociais são 99% de belezas do nosso Portugal e se as publico é para que as pessoas as vejam e quantas mais as virem melhor, quem conhece pode recordar esse momento e quem não conhece pode sentir vontade de vir a conhecer e é esse o meu principal objetivo, como algumas pessoas dizem, “você faz mais a título gratuito por divulgar os nossos monumentos do que aqueles que são pagos para o fazerem”, infelizmente muitas dessas pessoas têm toda a razão, vá lá que muitos Municípios dão valor ao que eu e muitos outros fazem para divulgar os encantos do nosso país, mas outros existem que não dão valor nenhum e ainda não se aperceberam do poder das redes sociais na divulgação dos seus territórios.

Por exemplo, uma foto que publiquei há alguns anos e que teve mais de um milhão de partilhas, sim um milhão, e esse Município nem uma palavra se dignou dizer, não foi para isso que eu a publiquei, mas que ficava agradado isso ficava, essa imagem acabou por ser publicada na revista National Geographic.

Mas voltando à pergunta, muito me alegra que as minhas fotos corram o mundo, é sinal que estou no bom caminho a mostrar o que de belo existe no nosso país.

Que preocupações leva quando vai fotografar?

Se as baterias estão carregadas e os cartões estão nas máquinas (risos).

Agora um pouco mais a sério, embora o que disse seja uma realidade, tento sempre preparar com antecedência qualquer deslocação que faça, procurando informações do lugar que vou fotografar, quer sejam outras imagens que podem servir de inspiração ou quanto mais não seja saber como lá chegar, e acreditem que muitos dos lugares que visito é preciso mesmo muita preparação para chegar a esses destinos, muitas vezes desconhecidos do grande público ou mesmo das pessoas perto dos locais que não lhes dão grande importância ou mesmo não os reconhecem como sendo interessantes.

No trabalho que desenvolvo há já dois anos para as Aldeias Históricas de Portugal, onde já se podem contar mais de 7000 fotos e centenas de vídeos obriga-me a preparar com antecedência um roteiro do que vou fazer e quando, sim porque a hora a que determinado lugar é fotografado é determinante para a qualidade do trabalho.

Outra preocupação é a segurança, porque todos os cuidados são importantes, principalmente na fotografia de paisagem onde, às vezes para se tentar conseguir a foto perfeita, podemos colocar a nossa integridade física em risco, e acreditem que nenhuma foto vale a pena nesse sentido, infelizmente existem pessoas que já não estão entre nós por causa dessas situações, primeiro a segurança.

Que história gostaria de contar a uma turma de crianças sobre as aventuras para alcançar uma foto que marcou a sua vida?

A resposta a essa pergunta segue no caminho do final da resposta anterior. Podia contar às crianças a história por detrás de uma das fotos que fiz no concelho de Lamego, especificamente na Barragem do Varosa. Há uns anos atrás, a referida barragem estava vazia deixando à luz do dia uma ponte medieval que está sempre submersa, fui lá visitar com a intenção de a fotografar, mas como seria de esperar o fundo da barragem sem água estava um perfeito lamaçal, e tendo em atenção a minha segurança, não a fui fotografar. Falei com um amigo fotógrafo, apaixonado pela natureza, que se deslocou, desde Lisboa, para vir comigo fotografar esse lugar e assim ser mais seguro do que andar lá sozinho e em boa hora o fiz. Estávamos nós no meio desse lamaçal com água pelo joelho, quando, sem que nada o fizesse esperar, simplesmente me afundei quase até à cintura nessa lama e se não fosse o meu colega as coisas não teriam sido fáceis de resolver, no final ficou essa memória de que devemos ter os máximos cuidados e se possível acompanhados por alguém e claro uma foto fantástica que partilho com vocês e que sei que trouxe muitas recordações a muita gente que pensava que nunca mais veria essa ponte onde muitos se banharam na infância e onde outros iam lavar a sua roupa.

E se lhe pedisse para me mostrar uma foto que me fizesse conhecer Portugal, qual seria?

Isso para mim é simples, o sorriso dos nossos idosos, a sua alegria de viver, o apego às suas raízes, às suas terras e histórias, é tão bom poder ouvir as suas histórias, recordar outros tempos e ouvir falar da sua terra com muito amor e um brilho nos olhos, e no final poder tirar-lhes uma foto que irá ficar sempre marcada pela conversa que tivemos.

O que o encanta no nosso património cultural?

A sua história, porque conhecendo a nossa história ficamos a conhecermo-nos melhor a nós próprios, seja um monumento, uma tradição ou as nossas gentes e esse é a nossa maior riqueza, tudo o resto perde a sua importância.

Se pudesse fotografar algo no planeta o que seria e porquê?

Existem tantas coisas belas para fotografar no nosso planeta, tantas paisagens de rara beleza, e para isso só o nosso país daria para uma vida. Tantos monumentos e tradições por todo este planeta para registar e assimilar as suas histórias, mas existe algo que para mim está acima disso tudo que é a minha família, em especial os meus pais, esposa e filha e poder estar sempre cá para lhes poder tirar fotografias, porque se puder fazer isso é porque eles estão cá e eu também, e não existe nada mais importantes para fotografar do que isso.

in Voz de Lamego, ano 90/21, n.º 4556, 21 de abril de 2020