CENTENÁRIOS DAS APARIÇÕES | O SEGREDO
Um dos temas recorrentes, quando se fala da “mensagem de Fátima”, é o do “segredo”, apesar de acreditarmos que, em Jesus Cristo, Deus nos revelou a Sua última e perfeita Palavra.
A experiência demonstra que a simples menção à existência de algo oculto ajuda a espevitar a curiosidade, a manter elevada a expectativa e a alimentar a fantasia. Quanto não se especulou sobre a tal “terceira parte do segredo de Fátima”, das possíveis desgraças e catástrofes mantidas longe do olhar dos crentes? Daí que, aquando da sua divulgação no ano 2000, acompanhada do respectivo comentário teológico, alguns tenham ficado algo desiludidos ou até cépticos sobre o seu conteúdo.
Nos interrogatórios levados a cabo aos pastorinhos, em 1917, é dito que, no decorrer da terceira aparição (13/07/1917), foi confiado às duas meninas um segredo que não poderiam revelar. Em 1941, a Ir. Lúcia explicou em que consistia tal segredo e dá a conhecer duas das suas partes. Três anos depois (03/01/1944), Lúcia escreve a terceira parte, a tal que será guardada no Vaticano, à espera do momento oportuno, o que acontece com João Paulo II, em 2000.
Tal como é habitualmente apresentado, o “segredo” apresentava-se em três partes distintas: a primeira é a visão do inferno, a segunda fala da devoção ao Coração Imaculado de Maria e da conversão da Rússia e a terceira diz respeito a uma visão em que Maria neutraliza as forças do mal e a perseguição da Igreja, a começar pelo Papa.
Aqui ficam algumas palavras sobre a primeira parte.
A visão do inferno. Os comentadores dos relatos escritos por Lúcia são unânimes na necessidade de contextualizar o acontecimento e de compreender o vocabulário e as imagens utilizados. A descrição oferecida por Lúcia não está imune à piedade popular e às imagens que os pregadores utilizavam nos seus sermões. Mas mais importante que a sua representação ou o satisfazer da curiosidade, Maria alerta para o perigo real de estar longe de Deus e para a questão da salvação dos pecadores. Porque Deus quer que todos sejam salvos. Daí que o cumprimento da vontade de Deus seja primordial, longe do uso irresponsável da liberdade e do caminho que leva à ruína.
Em Fátima não se completam os dados da Revelação nem se dão novas informações sobre o inferno, uma realidade que é difícil de compreender, já que se encontra fora da nossa dimensão temporal. Para o explicar, Jesus fala de perda e de afastamento, “Afastai-vos de mim, malditos” (Mt 25, 41) e anuncia um tormento concreto: “fornalha ardente”, “fogo eterno”, “trevas”, “choro e ranger de dentes” (Mt 13, 42; 10, 28).
O Catecismo da Igreja Católica afirma que “a pena principal do inferno consiste na separação eterna de Deus” e que o ensinamento sobre o inferno constitui “um apelo à responsabilidade com a qual o homem deve usar a própria liberdade em vista do próprio destino eterno” (CIC 1035-1036).
JD, in Voz de Lamego, ano 87/19, n.º 4404, 21 de março de 2017