CENTENÁRIO DAS APARIÇÕES | PAZ: PROMESSA E PROCURA
As aparições reconhecidas pela Igreja apresentam-se como testemunhos de mediação mariana da admirável acção de Deus. Também em Fátima se sublinha a misericórdia divina diante de um mundo nem sempre atento e a universalidade da acção salvífica de Cristo, bem como se insiste no apelo à participação penitencial de todos os crentes. Com palavras simples, ali se espelha o Evangelho.
Entre o muito que de Fátima se pode dizer está o apelo constante à paz, essa realidade sempre ameaçada e adiada em muitas regiões do mundo, mas também no seio de comunidades, famílias e indivíduos. Não é por acaso que ali se pede a consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, o que aconteceu em diversos momentos, concretizando a confiança na intercessão mariana.
Na terceira aparição, os videntes ouviram: “Se fizerem o que eu vos disse, salvar-se-ão muitas almas e terão paz”. Há, nestas palavras, uma promessa e um aviso: a paz é possível, mas exige conversão, procura da verdade e da justiça, respeito pelo outro, confiança em si mesmo e nos outros.
Nas suas preces, a Igreja reza continuamente pela paz e diversifica acções e apelos com vista à sensibilização do mundo para esta realidade. Ao mesmo tempo, os meios de comunicação informam diariamente sobre as consequências dos conflitos armados que envolvem povos, mas também sobre actos de violência praticados nas famílias, nas escolas, na rua, no trabalho, no desporto…
Entre o muito que sobre o tema se poderia escrever, talvez valha a pena referir que a paz não será apenas o silêncio das armas, porque a existência destas e a constante ameaça de utilização contribuem para gerar ansiedade, insegurança e medo. Por outro lado, a paz também não se impõe quando as críticas cessam ou a unanimidade se instala, já que tal silêncio pode ser sinónimo de uma “paz podre” que não gera confiança nem respeita a diferença. Depois, a paz não resulta apenas da ausência de ruídos exteriores, uma vez que pode estar arredada do coração, quando a serenidade se ausenta ou quando a consciência não cessa de alertar…
Na Carta Pastoral dos Bispos portugueses para o Centenário das Aparições podemos ler: “Fiéis ao carisma de Fátima, somos chamados a acolher o convite à promoção e defesa da paz entre os povos, denunciando e opondo-nos aos mecanismos perversos que enfrentam raças e nações: a arrogância racionalista e individualista, o egoísmo indiferente e subjectivista, a economia sem moral ou a política sem compaixão. Fátima ergue-se como palavra profética de denúncia do mal e compromisso com o bem, na promoção da justiça e da paz, na valorização e respeito pela dignidade de cada ser humano” (n.º 15).
Já na carta colectiva do nosso episcopado para assinalar os 25 anos das aparições (1942) se afirmava: “as procissões, as peregrinações e os variados actos do culto são coisas bem louváveis, mas não teriam sentido, se das almas não fosse expungido o pecado”.
Na quaresma, conscientes de que a paz é uma promessa que exige procura, porque não um esforço para a testemunhar?
JD, in Voz de Lamego, ano 87/17, n.º 4402, 7 de março de 2017