Início
> D. António Couto, Evangelho, Fé, Homilias, Igreja, Jesus Cristo, Nossa Senhora > Imaculada Conceição 2016 | Homilia de D. António Couto
Imaculada Conceição 2016 | Homilia de D. António Couto
TODOS OS MEUS DIAS SÃO DE DEUS, E SÃO-ME DADOS
- Amados irmãos e irmãs, convido-vos a sentir e a consentir com emocionada alegria o facto de as Igrejas do Oriente e do Ocidente, embora tantas vezes divididas entre si, estarem hoje, dia 8 de dezembro, unidas em maravilhosa harmonia para celebrar a Mãe de Deus no singular privilégio da Conceição Imaculada da sua humanidade, nove meses antes do seu Nascimento ou Natividade, que celebraremos jubilosamente no dia 8 de Setembro.
- É bom e belo sabermos e sentirmos que hoje estamos em comunhão e sintonia com essas Igrejas sofridas e doridas do Oriente, nossas irmãs queridas, que sempre dedicaram à Mãe de Deus um muito particular carinho traduzido em tempo dado à Mãe de Deus. Só quem ama tem tempo, e até o inventa, se necessário. É assim que os Coptos dedicam a Maria o inteiro mês de Kiahq, que coincide mais ou menos com o nosso mês de Dezembro, e os Caldeus, os Antioquenos e os Maronitas celebram, também nesta altura do ano, e durante pelo menos quatro Domingos, o tempo da chamada Sûbbarâ ou «Anunciação», que é a Vinda de Deus ao nosso mundo, em catadupa, dia após dia, para abrir as nossas trincheiras e fazer nascer em nós um mundo novo, aberto, encantado e feliz, e fazer de nós homens novos capazes de cantar um cântico novo.
- Memorial desta beleza incandescente é a Basílica da Anunciação, em Nazaré. Esta grandiosa Basílica foi inaugurada em 25 de Março de 1969, e foi visitada, ainda as obras estavam em curso, em 1964, pelo Beato Papa Paulo VI. Escavações feitas antes desta grandiosa construção puseram a descoberto, e podem ver-se ainda hoje, os majestosos pilares de uma Catedral levantada em 1099, pelo príncipe cruzado Tancredo, bem como o pavimento em mosaico de uma igreja bizantina, que pode ser datada do ano 450. Mas, descendo mais fundo, até às entranhas da atual Basílica, acede-se à Gruta da Anunciação, sob cujo altar se lê a inscrição Verbum caro hic factum est [= «Aqui o Verbo se fez carne»], e a outros lugares de culto antigos, talvez já do século II. Numa grafite antiga foi encontrada a gravação XE MAPIA, abreviação de Chaîre Maria [= «Ave-Maria»], a primeira Ave-Maria da história.
- Todos sabemos bem que é desde cedo, desde os alvores do cristianismo, que o Povo de Deus dedica à Mãe de Deus e Nossa Mãe um muito especial carinho, nomeadamente no que diz respeito à sua Conceição Imaculada e à sua Assunção ao Céu. O Concílio de Basileia (1439) sugeriu a definição do dogma da Imaculada Conceição, que o Papa Pio IX veio a proclamar mais tarde, em 08 de Dezembro de 1854, através da bula Ineffabilis Deus. Note-se que o termo «conceição», na linguagem bíblica, indica a totalidade da existência. O velho orante do Salmo 71, que é o único Salmo declaradamente colocado nos lábios de um idoso, olhando retrospetivamente para a sua vida de fidelidade e de amor, exclama extasiado: «Sobre Ti me apoiei desde o ventre,/ desde as entranhas de minha mãe» (Salmo 71,6). Assim também, a existência de Maria está, desde o seu início, desde o ventre materno, sob a proteção de Deus, marcada com o selo de Deus, não estando nunca sob o selo do pecado original, que mostra a existência humana marcada pela arrogância, por um projeto alternativo ao de Deus, em que cada existência humana, eu, o meu pai, os filhos que aparecerão sobre a face da terra, queremos ser «como deuses», não por dom de Deus, por graça, mas por nossas próprias forças (veja-se Génesis 3,5 e 11,4).
- «Onde estás?», pergunta o Deus-Que-Vem por amor ao encontro da sua criatura dileta (Génesis 3,9). «Tive medo e escondi-me», respondemos nós, amedrontados e fugidos, perdidos e desorientados (Génesis 3,10; ver também Génesis 3,24; 4,16; 11,2).
- Esta história de Adam em fuga tem a ver connosco. Enxerto, por isso, nesta história outra história direta e incisiva. Estando o Rabino Shneur Zalman (1745-1812) preso em São Petersburgo, entrou na sua cela o comandante da guarda, e pôs-se a conversar com ele sobre assuntos diversos. No final, perguntou: «Como se deve interpretar que o Deus Omnisciente pergunte a Adam: “Onde estás?”». «Você acredita, respondeu o Rabino, que a Escritura é eterna e que diz respeito a todos os tempos, a todas as gerações e a todas as pessoas?». «Sim, acredito», disse o comandante da guarda. «Então, respondeu o Rabino, em cada tempo Deus pergunta a cada homem: “Onde estás no teu mundo? Dos dias e dos anos que Eu te dei, já passaram muitos: entretanto, até onde é que tu chegaste no teu mundo?”. Deus disse, por exemplo: “Vê, já há 46 anos que andas aqui. Onde te encontras?”». Ao ouvir o número exato dos seus anos, o comandante sentiu dificuldade em controlar-se, pôs a mão no ombro do Rabino, e exclamou: «Bravo!». Mas o seu coração tremia.
- Esta celebração da Mãe de Deus e Nossa Mãe e Padroeira Principal de Portugal, que dia-a-dia se recebe de Deus e a Deus se entrega, sem nenhuma oposição e com toda a gratidão, é um desafio imenso para o homem «em fuga» deste tempo, um homem que se esconde de si mesmo, que se esconde de Deus e que pretende até esconder Deus, retirando-o da via pública e da vida pública, da família, da escola, do hospital, da prisão, do tribunal, do parlamento. Atravessamos verdadeiramente a «noite do mundo» (Martin Heidegger), onde reina a escuridão, a solidão e as solidões, e onde «Cada um está sozinho no coração da terra/ atravessado por um raio de sol:/ e é logo noite» (Salvatore Quasimodo). Homem deste tempo às escuras, engessado, triste, exilado, escondido, anestesiado, volta para a Luz, reentra em tua casa, no teu coração despedaçado. Há-de seguramente por lá haver ainda, caída no fundo da alma, uma lágrima dorida e uma mão de Mãe à tua espera!
Senhora de dezembro,
Maria, minha Mãe,
Passa hoje o dia da tua Imaculada Conceição.
Senhora de dezembro,
Dos dias frios e frágeis,
Dos passos firmes e ágeis,
Do coração que velava
À espera de quem te amava.
Assim te entregaste a Deus,
De coração inteiro,
Como um tinteiro
Todo derramado numa página.
Tu és a mais bela página de Deus,
A Deus doada, apresentada, dedicada,
Mãe da vida consagrada,
Imaculada,
Ensina-me a tua tabuada,
A tua nova alegria,
A luz do Evangelho que te aquece e alumia.
Eu te saúdo, Maria,
Neste dia da tua Imaculada Conceição.
Ave-Maria.
Lamego, 8 de dezembro de 2016, Solenidade da Imaculada Conceição da Virgem Santa Maria
+ António Couto, vosso bispo e irmão
Categorias:D. António Couto, Evangelho, Fé, Homilias, Igreja, Jesus Cristo, Nossa Senhora
Imaculada Conceição, Sé de Lamego, Solenidades
Comentários (0)
Trackbacks (0)
Deixe um comentário
Trackback