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JUBILEU DA MISERICÓRDIA | A VIA DA CARIDADE
Na semana passada referiram-se aqui alguns valores fundamentais da vida social, na óptica do ensinamento social da Igreja: a verdade, a justiça e a liberdade. Mas ficou a faltar o amor/caridade que “deve ser reconsiderado no seu autêntico valor de critério supremo e universal de toda a ética social” (CDSI, 204).
Tal como S. Paulo, que sublinhava a centralidade da caridade na vida do cristão (1Cor 13), também a doutrina social da Igreja se lhe refere como “manancial” a partir do qual os restantes valores nascem e se desenvolvem.
É verdade que podem existir muitas leis, ser respeitada a liberdade, a justiça ser aplicada e a verdade ser procurada e assumida, mas “somente a caridade… pode animar e plasmar o agir social no contexto de um mundo cada vez mais complexo” (CDSI, 207). O ideal seria que a caridade inspirasse a acção individual, mas estivesse presente também na procura de caminhos e soluções para enfrentar os problemas actuais.
Assim, e de acordo com o Compêndio da Doutrina Social da Igreja, a caridade pode tornar-se social e política: “a caridade social leva-nos a amar o bem comum e a buscar efectivamente o bem de todas as pessoas, consideradas não só individualmente, mas também, na dimensão social que as une” (CDSI, 207).
E vemos claramente como a parábola do bom samaritano (Lc 10, 29-37) está por todo o lado e pode iluminar, pelo exemplo, a postura e a acção da humanidade, que não apenas dos cristãos. Se a caridade estiver presente, muitas coisas poderão ser diferentes. A justiça. Por exemplo, vista como realidade necessária para arbitrar a repartição dos bens materiais, nunca poderá substituir o amor, porque só este “é capaz de restituir o homem a si próprio” (João Paulo II, Dives in misericordia, 14).
E se é um acto de caridade prover às necessidades actuais de alguém que precisa, que pede ou que bate à porta, também é acto de caridade “o empenho com o objectivo de organizar e estruturar a sociedade de modo que o próximo não se venha a encontrar na miséria” (CDSI, 208). E vemos então como a vida de caridade pode trazer luz à questão social mundial.
Há poucas semanas, a Igreja canonizou Madre Teresa de Calcutá, alguém que enveredou pela via da caridade para proporcionar dignidade aos mais excluídos que encontrava. Nos EUA encontramos a referência, por exemplo, de Dorothy Day (1897-1980), líder do Movimento Operário Católico, activista social, que se destacou na defesa dos mais pobres. E quantos exemplos não encontraremos por esse mundo fora ou até bem perto de nós?
Celebrar o Jubileu da Misericórdia para também, pelo concretizar de opções que se deixam orientar pela caridade, o amor desinteressado que se ocupa e preocupa com o bem do outro.
JD, in Voz de Lamego, ano 87/50, n.º 4386, 8 de novembro de 2016