O ESSENCIAL DA VIDA: CONSAGRADOS DA DIOCESE EM REFLEXÃO
Numa altura do ano pastoral de intensa actividade, apesar de alguns não terem podido mesmo deixar as suas responsabilidades, vinte e três consagrados dos vários Institutos da nossa diocese responderam ao chamamento: no dia 14 de Maio, vivermos um dia mais dedicado à oração.
Tivemos o nosso Bispo D. António Couto como animador dos tempos de reflexão, ao qual ficámos especialmente gratos pela sua disponibilidade, generosidade e dedicação.
A reflexão foi muito significativa: para nos centrar no essencial da vida, o Senhor Bispo começou por dizer que S. Pedro nos manda dar “a RAZÃO da nossa esperança” e não “as razões”, em discussões inúteis, senão mesmo prejudiciais, porque todos temos razões diferentes. E “a razão da nossa esperança” é Cristo. Somos chamados a dar Cristo.
Quando o anjo aparece a Zacarias, pai de João Batista, vem para lhe dizer que a sua oração tinha sido ouvida pois a sua esposa ia ter um filho. Mas, na Anunciação a Maria, Jesus surge em cena por pura dádiva de Deus. Não vem cumprir nenhum pedido: adianta-se a isso. Jesus é o Filho dado.
Temos assim esta missão: acolher Jesus, como Maria e dá-lo aos nossos irmãos pois a razão da nossa vida deve transbordar para os outros.
Mas para O podermos dar, temos que O experimentar, que O viver, mais ou menos à imagem de Maria que nada pediu. Só temos de acolhê-lo e dá-lo à humanidade sem nos perdermos em múltiplos raciocínios: não é esse o nosso trabalho.
A Bíblia transmite uma narrativa diferente da de Platão, que vê o ser humano na ordem ascensional. Na Bíblia o Amor é apresentado no sentido descensional, descendo de Deus, que se faz como quem “deve ao Homem”. Por isso, Deus se debruça sobre o ser humano, num amor comovido e compadecido, não pelo belo, pelo precioso, atraente ou valioso, mas pelo que não tem valor – pelos escravos do Egipto – porventura até pelo que é repugnante, pelo oprimido e o pecador, e liberta-os, mostrando-lhes uma liberdade nova, que não é fruto das suas capacidades.
Assim, viver é receptividade, antes de ser projecto nosso, o que implica oração, contemplação. Antes de ser acção nossa é acolher Deus, antes de ser “eu amo” é “eu sou amado”, antes de ser “eu penso” é “eu sou pensado”, antes de ser actividade é passividade, a respeito do Bem que não se escolhe, mas que nos escolhe e leva-nos à liberdade e à responsabilidade.
No Google aparecem mais de 300 milhões de respostas à questão “o que é amar?”. Na Bíblia as respostas reduzem-se a uma só: DAR A VIDA. E isto não é apenas retribuir ao que me ofereceu um presente no meu aniversário. É aprender a viver com um amor novo, descensional, que vai ao encontro das pessoas que ninguém amaria, das periferias, do estrangeiro, do inimigo, para os amar.
Em João 20, 19-20 Jesus aparece aos seus discípulos e mostra-lhes não a cara, mas as mãos e o lado rasgados pelos cravos, que assinalam uma vida dada por amor a todos sem excepção. Notemos bem que Ele não apresenta o rosto, porque a verdadeira identidade de Jesus é DAR A VIDA, pois a nossa vida não é para guardar, mas para dar.
Na homilia da Missa da festa de S. Matias que concluiu a manhã de reflexão, o Senhor Bispo chamou-nos a atenção para a forma como Matias foi escolhido pelos apóstolos para ocupar o lugar deixado por Judas, relatada na primeira leitura, em Act 1, 21: uma das premissas era que fosse escolhido de entre aqueles que estiveram sempre com eles, durante todo o tempo que Jesus vivera no meio deles, e não apenas de vez em quando, ou algumas vezes. É fundamental viver Jesus no seio da comunidade, não sozinho ou à parte, mas também é preciso conhecer Aquele que conduz a comunidade. É preciso conhecê-lo tão bem que tenhamos estado com Ele, seguindo-o todo o tempo, pois só assim estamos aptos a dá-lo, só assim O podemos testemunhar e dá-lo às pessoas que O procuram.
Na reflexão da tarde, o Senhor Bispo introduziu o grupo na leitura e aprofundamento da sua obra, “A Misericórdia, Lugar e Modo”, edição Letras e Coisas, de Abril de 2016, de que trouxe exemplares que ofereceu a cada consagrado. Como mais ninguém reza e ama como Deus, explicou-nos como Ele reza e ama. E como Lucas 6, 36 nos diz “Sede misericordiosos como o vosso Pai é misericordioso”, nós somos chamados a ser mais maternais, mais sensíveis, a rezar como Deus reza, a ser como Deus é, a amar como Deus ama.
Explicou também a diferença entre as palavras hebraicas que estão na origem das palavras “misericórdia” e “amor”: sendo a misericórdia de realização imediata, não podendo ser adiada (como o demonstra a parábola do bom samaritano, por exemplo); enquanto o amor supõe uma aliança, como no matrimónio e nos votos religiosos: não pode ser espontâneo, tem que ser pensado, para não ser efémero.
Este dia de reflexão realizou-se no Santuário de Nossa Senhora da Lapa, nas instalações do antigo colégio dos padres jesuítas, onde fomos muito bem acolhidos pelas cinco Irmãs ao serviço naquele Santuário, que, participando em todo o encontro, não se pouparam também para que nada nos faltasse, assim como os Padres Amorim e Aniceto.
Pela equipa da CIRP – Conferência dos Institutos Religiosos de Portugal – de Lamego,
A secretária,
Irmã Teresa Maria de Frias, Serva de Nossa Senhora de Fátima,
in Voz de Lamego, ano 86/24, n.º 4363, 17 de maio de 2016