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Assembleia do Clero: Padre – pequeno pontífice para servir
O Seminário Maior acolheu algumas dezenas de sacerdotes da diocese de Lamego, na manhã do último sábado, dia 14 de novembro, para a realização de mais uma Assembleia do Clero. O nosso bispo, D. António Couto, presidiu ao encontro que contou com o Superior Provincial da Companhia de Jesus em Portugal, Padre José Frazão, para apresentar o tema “O Padre e o entusiasmo na evangelização”.
A Assembleia, inicialmente prevista para os inícios de outubro, sofreu algum atraso por causa da disponibilidade do conferencista. A mudança da data e o facto de se ter realizado a um sábado poderá justificar algumas ausências, mas a espera valeu a pena, a julgar pela satisfação dos presentes, motivada pela actualidade e profundidade do tema abordado, que alguns já tinham ouvido durante o recente Simpósio do Clero, em Fátima.
Após a oração de Hora Intermédia, D. António Couto saudou todos os presentes, sublinhou a pertinência do encontro e apresentou sucintamente o conferencista. O actual Provincial dos Jesuítas é natural de uma aldeia vizinha de Leiria, onde nasceu em 1970. A sua ordenação sacerdotal aconteceu em 2004 e o seu doutoramento em Teologia Fundamental foi conseguido na Universidade Gregoriana, em Roma. Com vários livros publicados e já traduzidos noutras línguas, a sua presença tem sido habitual em diversas iniciativas eclesiais realizadas no nosso país. Durante o percurso de formação vivido em Portugal percorreu algumas terras da nossa diocese, pelo que foi um reencontrar de paisagens conhecidas.
Testemunha da Graça
De maneira suave, mas incisiva, apresentou o tema proposto, apoiando-se nas notas preparadas. Partindo do tempo presente, afirmou que os nossos tempos pedem entusiasmo e inteligência para ver, ao mesmo tempo que exigem linguagens novas para comunicar e uma grande paixão dos pastores pelos fiéis.
A falta de entusiasmo é também resultado de uma relevância eclesial que se perdeu, de uma imagem de Igreja que já não volta. Porque o entusiasmo não é apenas um tema respeitante à interioridade de cada um, uma questão anímica, mas também o resultado de uma leitura da realidade eclesial que pode fazer-se.
Mas o entusiasmo não pode ser visto como ferramenta exterior, resultado de um esforço de marketing, algo postiço, um estar acima da realidade, uma patetice alegre ou uma alegria compulsiva. Neste âmbito deve ser visto como algo que brota de um interior vivificado, do reatar da ligação vital ao Outro, como fruto do espírito, fruto de uma vida real tocada pela graça.
O padre deve ser testemunha da graça que salva, porque também ele é salvo e o seu entusiasmo traduz-se na autenticidade que demonstra.
E concluía: o ministério sacerdotal não pode ser fecundo sem uma pertença existencial a Cristo. A pertença ontológica precisa ser concretizada numa pertença existencial, como se o nosso sacramento precisasse de ser realizado. E deixou a pergunta: será que os fiéis leigos nos vêem como vidas reais de crentes tocados pela graça? Porque o padre não pode ser menos que crente que faz caminho, sujeito às situações e dificuldades que o caminhar histórico acarreta.
O espírito da bênção
Apoiando-se num pequeno livro a sair em breve na nossa língua (AO), falou também do sacramento da ordem como fonte de bênção, entendendo esta como força tocante da graça, capaz de provocar proximidade e alegria neste tempo descristianizado. Tal como Jesus fazia: encontrava-se com pessoas reais que transforma.
Neste sentido, importa que o padre avalie os seus gestos e palavras para verificar se é sinal de bênção fecunda que toca pela força da graça.
O sacerdócio à luz da bênção
À luz desta realidade da bênção, o sacerdócio não pode ser assumido e vivido com traços de autoritarismo, paternalismo ou moralismo; não pode desvirtuar-se o dom recebido. Pelo contrário, o sacerdote deve revelar autoridade através do serviço prestado, ser “pequeno pontífice” entre desavindos, mundos separados e sem vida, promover a autonomia dos outros, acompanhar ritmos de fé diferentes existentes na comunidade e cultivar a virtude da fidelidade na paciência.
O pastor à luz da bênção
À luz da bênção, o pastor não é dono nem senhor, mas servo que acompanha, observa e respeita o ritmo de cada um. E nem sempre será fácil ser pastor real de ovelhas reais, que conhece as suas ovelhas, sem projectar modos e manias. Uma paixão real pela vida das pessoas
O rito à luz da bênção
Nem sempre os fiéis percebem a celebração em que participam e nem sempre o será por culpa sua. Nesse sentido, a liturgia não pode ser entendida como uma espécie de “engenharia mecânica, onde o postiço pode estar presente, mas onde não se vislumbra a graça como bênção. Da mesma forma, um “devocionismo parado”, demasiado extático, que esconde a dimensão corpórea do rito deve ser evitado. No fundo, pretende-se realizar o amor em gestos, onde não basta dizer o que está a acontecer, mas é preciso que se mostre. Por outro lado, o rito também não pode ser prejudicado por uma certa “pirotecnia de efeitos especiais”, marcada por exageros emotivos, destinada a uma sensibilidade imediata que não deixa marcas. Por último, também as excessivas explicações e palavreado perturbam a vital e necessária escuta.
Estilo eclesial
Na parte final da palestra, algumas notas sobre o estilo eclesial para o ministério sacerdotal.
Em primeiro lugar, a competência humana. O padre não pode ser um teórico que discorre sobre realidades tão humanas como a alegria, a oração, o luto ou a família, por exemplo. Isso permite evitar gestos e palavras vividos mecanicamente, impossibilitando que a realidade o toque. É preciso sentir o que se faz e diz, saber sentir o que o outro sente e contrariar a rotina. Isso consegue-se, também, pelo contacto com a humanidade.
Depois, uma competência espiritual. O padre deve ser um místico, na medida em que se compreende diante de Deus, mas também um mistagógico, para saber acompanhar os outros. A sua competência gestual e representativa é importante, mas tudo começa antes, na sua relação com o divino. Nesse sentido, hábitos regulares como a oração ou o silêncio devem fazer parte do seu dia a dia.
Após intervalo e antes do almoço que encerrou o encontro, o Pe. Frazão disponibilizou-se para um diálogo com os presentes, proporcionando esclarecimentos e pontos de vista que ajudaram a aprofundar o tema exposto.
JDin Voz de Lamego, ano 85/51, n.º 4338, 17 de novembro