Tema de fundo da Voz de Lamego: EVANGELHO | MAGIA E DEMÓNIOS

O Evangelho é melhor antídoto para estas formas de neopaganismo
MAGIA E DEMÓNIOS
Acaba de aparecer, em língua portuguesa, uma Nota Pastoral da Conferência Episcopal da Toscânia, cuja publicação inicial data de 1997. O tema é oportuno e a sua leitura proveitosa para, numa linguagem acessível, instruir os leitores sobre uma realidade que nunca deixou de estar presente e que, nos nossos dias, parece ocupar largo destaque, ao mesmo tempo que pode provocar a necessária evangelização.
A leitura da Sagrada Escritura não deixa dúvidas: a magia sempre foi condenada de forma constante e inequívoca. Da mesma forma, o ensinamento da Igreja, ao longo dos séculos, sempre afirmou a incompatibilidade entre magia e fé. O cristão “não pode aceitar a magia porque não pode aceitar que Deus passe a um segundo plano perante as falsas crenças”. Um ensinamento que podemos colher ainda no Catecismo da Igreja Católica (n.os 2115, 2116 e 2117).
O autêntico sentido da fé não necessita desse tipo de referências, já que “ser discípulo de Cristo, segundo o que nos diz o Evangelho, requer um encontro simples e autêntico com Jesus Cristo, Senhor e Mestre, colocando de parte todas as demais maneiras de procurar o ‘extraordinário’”.
A Nota, que ocupa cerca de trinta páginas, é assinada por dezoito bispos daquela região e quer ser uma “intervenção exclusivamente de natureza teológica e pastoral”. No final da leitura, rapidamente se conclui, com os autores, que a melhor forma de combater tais práticas será sempre “uma obra de evangelização inteligente que previna e prepare os fiéis e os ilumine para os perigos”.
Retorno ou maior visibilidade?
As práticas mágicas estão por todo o lado e os cristãos não estão imunes à sua influência. Multiplicam-se as “ofertas de serviços” que se propõem resolver tantas situações que causam sofrimento. Os meios de comunicação social divulgam currículos, muitos deixam-se seduzir e alguns não têm dificuldade em rodear-se de símbolos cristãos para dar maior credibilidade à sua arte de adivinhar, prever ou solucionar. E aqueles autores da Nota não têm dúvidas em escrever que entre as causas da difusão da magia está “uma grave carência de evangelização que não possibilita aos fiéis assumir uma atitude crítica”.
E quantas vezes, até os que religiosamente se apresentam como cépticos se prestam às “consultas” para tentar assegurar-se sobre a oportunidade, as motivações ou previsões de determinado passo, escolha ou investimento. Há uns anos, quando morreu aquele que foi Presidente de França durante catorze anos, F. Mitterrand, um agnóstico assumido, a sua “vidente” particular escreveu um livro onde divulgou pormenores das visitas frequentes que recebia daquele político!
Religião e magia
A confusão entre religião e magia pode instalar-se e até os cristãos protagonizam certos comportamentos que assentam na superstição e não na fé, mais próprios da magia do que da religião.
O texto começa por fazer uma breve distinção:
– religião refere-se directamente a Deus e à sua acção, isto é, tudo tem a sua referência a Deus;
– a magia implica uma visão do mundo que acredita na existência de forças ocultas que exercem uma influência sobre a vida do homem.
Dentro deste pormenor, ficamos também a saber que podemos observar uma “magia imitativa”, ou seja, o semelhante produz o semelhante (verter água sobre a terra trará chuva, furar os olhos de uma boneca produzirá sofrimento nos olhos de alguém…). Também se fala da “magia contagiosa”, que acredita que o contíguo actua sobre o contíguo, isto é, colocando duas realidades em contacto, uma força maléfica ou benéfica transmite-se a outra (atirar sal…). Por último a “magia encantadora”, que atribui um poder especial a fórmulas ou acções simbólicas.
Pensamento mágico
O pensamento mágico caracteriza-se por um “sentimento do desejo”, para obter algo que não se possui, e por uma “separação nítida entre o rito e a vida”. A magia não obriga a que aquele que a ela recorre tenha que ter determinado comportamento ou observe certos valores e princípios.
Ao contrário, “o rito sacramental, pelo qual age a graça de Cristo, exige o compromisso pessoal do crente e a adequação de vida ao que se proclama mediante o acto celebrativo e se recebe como dom de Deus”.
Magia branca e negra
A distinção refere-se ao “diferente nível de responsabilidade moral que encerra”. Na primeira podem incluir-se práticas como a arte de realizar prodígios através de meios naturais, como os jogos de prestidigitação ou fenómenos de ilusionismo. “Tal arte, por não utilizar elementos ilícitos e não ter objectivos desonestos, em si mesma, é inofensiva e legítima”.
Outras intervenções procuram o restabelecimento de uma relação sentimental, a cura de uma doença, a resolução de problemas económicos, etc, “recorrendo a meios inadequados como talismãs, amuletos e poções, crenças na existência de laços entre o deitar de cartas e pessoas e acontecimentos…”. Nestes caso entram em jogo “tanto formas de superstição quanto burlas e atitudes enganosas, contrárias à própria natureza da fé e, portanto, ilícitas e inaceitáveis”.
A magia negra é a mais grave e recorre a poderes diabólicos, perseguindo fins maléficos ou o influenciar do curso dos acontecimentos, aparecendo como “verdadeira expressão do anticulto que procura que os seus seguidores se transformem em ‘servidores de satanás’”.
Adivinhação e espiritismo
A adivinhação quer predizer o futuro, interpretando sinais ou presságios, respondendo ao anseio generalizado de querer conhecer antecipadamente. Neste campo entram a “astrologia”, que pretende predizer o futuro livre do homem a partir dos astros, a “cartomancia”, que afirma poder predizer o futuro mediante as cartas, a “quiromancia”, que procura fazer o mesmo através das linhas das mãos. Segundo os nossos autores, a pior expressão de adivinhação, e a mais grave, é a “necromancia ou espiritismo”, que recorre “aos espíritos dos mortos para entrar em contacto com eles e revelar o futuro”.
Concluindo a apresentação destas realidades, entre outras que enfermam por aí, os bispos afirmam que “é evidente que não se podem aceitar esses grupos nem as suas práticas”, acrescentando que “o conhecimento integral do Evangelho e o encontro vivido com Cristo na Igreja, sua Esposa, representa o melhor antídoto para essas formas de neopaganismo”.
A intervenção da Igreja
Quem nunca ouviu falar de “mau-olhado” ou de “feitiço”? Em ambos os casos entendemos isso como um acto de maldição, inaceitável do ponto de vista cristão, já que é “uma acção contrária à virtude da religião, à justiça ou à caridade. Não é aceitável que alguém se esforce para fazer mal a outra pessoa”.
Uma outra realidade é a acção de Satanás e a possessão. A Igreja sempre acolheu e rezou com e por aqueles que se apresentam com “perturbações físicas”, com “obsessões pessoais”, protagonizando “acções diabólicas” ou manifestando estar sob “possessão diabólica”. Apesar de ser difícil discernir quais os limites “entre situações psicóticas e situações de influência endemoninhada efectiva, não pode – a Igreja – subavaliar a gravidade do sofrimento dos fiéis que se sentem vítimas de tais factos… evitando tanto qualquer excesso de racionalismo e de frio desapego quanto toda a forma de fideísmo ou de ingénua credulidade”.
Este esforço de discernimento é recomendado no Ritual dos Exorcismos, de forma a poder-se distinguir “de maneira justa os casos de assaltos diabólicos e uma certa credulidade que leva algumas vezes os fiéis a pensar que são objecto de malefícios, bruxedos ou maldições que lhe seriam infligidos por outros. Não se lhes deve negar ajuda espiritual, mas de maneira nenhuma se deve proceder a exorcismos”.
Os sacerdotes são convidados a exortar quem os procura à oração e à prática do bem, à confissão e à participação na Eucaristia. Nem sempre os fiéis acolhem estes conselhos dos próprios párocos, procurando respostas noutros lugares, com “o perigo de uma busca imoderada do que é ‘extraordinário’ na fé” e evidenciando uma “compreensão infantil” do credo.
A vitória de Cristo
Apesar de a Igreja reconhecer tais factos, a verdade é que a acção de Satanás nunca poderá “abranger o domínio sobre a alma”, o que significa que a liberdade humana pode resistir às influências do demónio, porque “a vitória de Jesus, mediante a Cruz e a Ressurreição, implica o fracasso definitivo de Satanás”.
A Nota termina reafirmando “o absoluto e insubstituível senhoria de Cristo não só na vida da Igreja, mas também na própria história do Cosmo e da Humanidade”.
in VOZ DE LAMEGO, 7 de outubro de 2014, n.º 4283, ano 84/45